O VELHO SÓ


Já fui moço, rebelde sem causa,
vivi o encanto da hora, com futilidade.
Minha carne era tenra e a usava
nos descaminhos da vaidade.

Minha alma era silente e crua,
no meu caminhar o egoísmo reinava.
Tudo breve, num efêmero paraíso,
o amor, em mordaças calei...

Usei sonhos, concebi desilusões.
Meus sentimentos, nunca doei,
achava não ser preciso.
Quantas feridas fui por aí abrindo,
na credulidade dos vários corações
onde fluíam pureza e fantasias.

A tudo e todos fui destruindo, desatento...
Usei e abusei da sorte
num plantio sem terras
colhi trigo, plantei joio.
Iludindo e iludido
esqueci a fugacidade do tempo,
não senti o cheiro da morte.

Perdi-me nas entranhas da mentira,
sem da verdade ter apoio,
não percebi pessoas de mim fugindo.
Fui caindo, das alturas aos escombros
dos meus ledos enganos.

Ser maltrapilho, andarilho ...
As sombras obscuras dos meus atos,
rondam meus arrastados passos.
Perdido o brilho do olhar, em crescente agonia
pesa-me os erros aos ombros.

Perambulo pelas ruas da cidade
recolhendo sobras de comida,
as mesmas que já neguei.
Mendigo algumas moedas
para saciar a sede, molhar a boca,
alguns fogem da figura rota,
como também eu as reneguei;
outros, por piedade, fazem sua boa ação
aos que esmolam à margem da sociedade...

Só, sento-me no degrau da escadaria,
cansado, sujo, envelhecido!
A matéria se definha em trapos,
brinquei de viver, quando jovem...

Reflete minha opaca existência
no espelho d’água, quando chove.
Como fui fútil, inconsequente e tolo!

Inda guardo um antigo retrato
para lembrar-me que é vitorioso
o ser simples, humilde e consciente;
minha voz se cala, tudo é tão distante
daquela imagem fria e sorridente.

Amargurado em lembranças,
não tenho como resgatar a magia do instante.
Remexo nas cinzas, espalho do orgulho, o pó...
Desce a noite sobre o dia,
num outono desprovido de esperança
a solidão é escura e fria:
Chora um velho pobre e só...



16/01/2007
Anna Peralva
Enviado por Anna Peralva em 23/10/2009
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