O Doce prazer do amargor - Cap. III

Continuação....

Eu o ouvia atenta, e sem imaginar o que ele queria me mostrar, meu olhar o acompanhou a tirar a mão direita do bolso. Qual foi minha surpresa ao ver que esta mão era deficiente. Sequinha e encurvada, horrível. Emudeci e sei que empalideci também. Numa retrospectiva até o momento em que nos vimos pela primeira vez, dei-me conta de que sua mão direita ficou o tempo todo escondida no bolso do casaco que usava. Senti-me enganada e transtornada.

Ele me explicou que quando era criança sofreu de poliomielite e ficou deficiente da mão. Eu mal o ouvia. Não sabia o que fazer. Minha vontade era sair correndo e esquecer-me de um dia tê-lo visto. Respirei fundo e não fiz nada disso. Olhei seus olhos apreensivos e sua boca bonita que agora já não mostrava o sorriso brejeiro. Estava um tanto trêmula, denunciando a insegurança e apreensão que Francisco sentia, mas mesmo assim, insistia num sorriso triste, seu queixo erguido.

Diante do meu silêncio prolongado, Francisco obteve sua resposta. Desviou o olhar e o arremedo de sorriso se tornou um esgar amargo. Olhou para a lua e abrindo os braços disse:

- Pensei que fosse você, mas não é. – Olhou-me, recolheu os braços e disse:

- Ela me aceitará e amará como sou.

Virou-me as costas e antes de começar a se afastar ainda disse:

- Adeus Ana. Façamos de conta que sonhamos. Para mim, um sonho lindo, para você, um pesadelo, talvez.

Olhei-o enquanto se afastava devagar. Meu coração pesou, doeu. Senti culpa e não me dei tempo de refletir. Corri ao seu encontro e disse, angustiada:

- Você não esperou a minha resposta.

Ele me olhou com seriedade por alguns segundos intermináveis e enfim me perguntou qual era a resposta. Eu lhe disse que aquilo não me impediria de namorá-lo, que fiquei surpresa apenas e que eu o aceitava sim, como ele era.

Eu queria que ele dissesse “não”. Que seu orgulho não o permitisse ma aceitar após a minha reação inicial, mas não foi isso o que aconteceu. Se alguém imaginar o sorriso mais radiante do mundo, então talvez consiga entender como foi o sorriso de Francisco. Naquele momento, por uma fração de segundo, achei que valia à pena estar mentindo.

No entanto, o vazio de alma ficou maior. Os dias passaram e perdi a vontade de ver o Francisco. Ele insistiu, foi tão gentil... Parecia me amar tanto. Como desprezá-lo? Eu não queria apagar o intenso brilho de admiração, quase veneração em seu olhar, nem o sorriso apaixonado daqueles lábios. Mas sentia vergonha. Essa é a mais pura e feia verdade, eu tinha vergonha de namorar um homem aleijado. Mas namorei e nem sei bem como, em pouco tempo nos casamos.

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Maria Buluca
Enviado por Maria Buluca em 15/02/2009
Reeditado em 15/02/2009
Código do texto: T1440659
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