O doce prazer do amargor - Cap. IV

Continuação....

Durante muito tempo, achei que me casei por pena. Devo ter demonstrado isso a Francisco porque ele me fez sofrer demais. A pessoa doce do princípio, não sei como, transformou-se num outro homem. Talvez eu tenha causado a transformação dele. Eu o enganei quando disse que não me importava com sua deficiência, todavia, não fui boa atriz.

Francisco teve várias amantes, e por ironia do destino, quando passou a me maltratar eu o amei. Sofri, antes por não sentir amor e depois por sentir demais. Orgulho ferido? Talvez.

Ele me deu quatro filhas, meu maior tesouro, seu maior legado. Eram minhas queridas, então percebi que já não precisava amá-lo mais. Dediquei-me às meninas. Elas sabiam retribuir o meu amor.

Francisco não tinha um bom relacionamento com nossas filhas. Ele queria um menino que nunca veio. E com elas eu me vinguei. Nunca escondi minha desilusão a respeito dele para elas. Eu sofria, elas sofriam comigo e ele era o vilão. Elas também tinham medo dele e seu comportamento taciturno incentivava isso. Ele era irascível muitas vezes.

O tempo passou, as meninas cresceram. Cada uma seguiu seu destino e após trinta anos de casamento, lá estávamos apenas eu e Francisco novamente. Vivendo na mesma casa, mas, em sentimentos, a quilômetros de distância um do outro. Ele tentou se redimir. Desistiu das outras e passou a só ter olhos para mim e para a família. Implorou por nosso amor. Conseguiu o das meninas, mas não o meu.

Depois de tudo o que me fez, impossível amá-lo. Perdoá-lo? Nem pensar. Eu que o aceitei, sendo ele um aleijado. Deveria ter sido grato a mim por toda a vida. Desprezou-me, traiu-me. Algo assim não se perdoa nunca. Eu era a vítima, não ele.

Entretanto, meu Francisco caiu doente e partiu para sempre.

Vazio na alma é a falta de algo que “não te existe”, mas com o qual sonhas por toda a vida e, por vezes, nem sabes o que é.

Imaginei que perder Francisco não seria perda. Secretamente, porque não se revela um desejo desses, eu queria ficar só, quis que ele se fosse, quis sentir a paz da liberdade. Mas quando aconteceu nada disso me sobreveio. Chorei sua morte com uma dor que não sabia capaz de sentir. Não houve liberdade alguma. E só quando já era tarde, dei-me conta de que era melhor com ele.

Hoje sei que o amei desde o primeiro momento em que o vi. Eu o amei a cada dia de nossas vidas juntos. Eu o amei quando ele me fazia sofrer, e o amava mesmo quando o feria com palavras e desprezo. Eu sempre amei o Francisco, e ele se foi sem saber. E como saberia se nem mesmo eu sabia? Entretanto, tenho como consolo a dor, a falta e o lamento. Pobre de mim que sempre sofri.

***Fim***

Maria Buluca
Enviado por Maria Buluca em 16/02/2009
Código do texto: T1442158
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