O PRIMEIRO AMOR

Agora estou aqui em frente. O endereço é este, apesar das letras estarem borradas, apesar do tempo passado. É o endereço, só pode ser.

Realmente o mundo dá muitas volta, após dez anos, após um longo esquecimento encontrei um pedaço de papel com algumas letras redondas e quase ilegíveis.

Custo a acreditar que depois de tanto tempo eu encontre um casaco pertencente aos primeiros anos da minha adolescência, às minhas primeiras impressões da vida. E no bolso dele eu encontrei meu primeiro compromisso amoroso, meu primeiro amor. Agora me lembro, é tão nítido, como pude esquecer?

Foi numa tarde triste. Eu estava de visita com meu pai, na casa de um primo dele. Meu pai precisou sair rápido para resolver um assunto urgente, mas eu fiquei. De repente se passou a cena mais marcante de minha vida. O primo do meu pai começou a se sentir mal, era cardíaco. Tomou um remédio, mas a dor não passava e eu, na sala, sozinho com ele, comecei a me desesperar, gritei por socorro. Vieram algumas pessoas de dentro da casa. Duas senhoras, uma jovem, que até aquele momento eu não sabia que estava ali, naquela casa, nem sabia o nome, nem a idade. Mas era linda, longos cabelos loiros, não observei a cor dos aflitos olhos, porém deveriam ser lindos.

Chamaram a ambulância, foi uma correria, mas era tarde. Ele deixara a vida olhando intensamente para a linda menina e segurando a mão dela como se fosse cair, ou melhor, como se ela fosse cair.

Voltei alguns dias depois àquela casa com meu pai. Estava um silêncio. Todos falavam nos problemas de saúde enfrentados pelo falecido, nos momentos tristes, alegres... Porém, nada me importava de verdade. O que me importava era a ausência da menina loira. Até que meu pai me salvou da angústia.

― E a menina?

― Ela está lá no quintal lendo. Ela está muito triste, era muito apegada ao pai. Passou três dias sem querer se alimentar, só chorava a coitadinha. Agora, depois que começou as aulas, pelo menos ela está ocupando a cabeça.

Eu digeri aquelas palavras como se fossem os próprios remédios que me salvassem da morte. Primeiro, ela é filha do falecido. Segundo, ela estava lá, a poucos metros de mim, ao meu alcance.

Rapidamente me bateu uma coragem.

― Posso ir ao banheiro?

― Claro, fica ali no corredor à direita, última porta.

Fui. Mas o banheiro não era minha meta. Encontrei a porta que dava acesso ao quintal. Não pensei duas vezes.

O quintal era grande, tinha poucas árvores frutíferas de médio porte. E lá no fundo, num pequeno espaço gramado ela estava sozinha, me esperando, embora não me esperasse.

Me aproximei do fundo do quintal, ela não percebeu de imediato a minha chegada. Fui silencioso, trêmulo tentei balbuciar algumas palavras, não consegui. Naquele momento me senti só, só eu e ela. O mundo não existia, ou melhor, o mundo era aquele quintal e a minha vida estava ali diante de mim como se eu olhasse para o espelho e visse todos os sonhos que eu não havia ainda sonhado, mas que seria naquele instante a materialização dos sonhos que eu só teria muitos anos depois. Pude apreciá-la com maior precisão. Era linda, de uma beleza natural. Mais velha do que eu, era verdade, mas isso não importava. Eu tinha apenas 13 anos, ela uns 16. Mas nada importava, o que importava era a incontrolável atração.

Eu estava ébrio, perdido dentro de mim. Quando de repente ela me olhou, voltei a si, gaguejei. Não consegui falar. Foi quando suavemente ela falou:

― Oi, o que você está fazendo aqui? Está me procurando?

― Não, eu fui ao banheiro e acabei ...

― Sei, você me viu e veio falar comigo. Daí você, não conseguiu falar nada e ficou parado aí me olhando. Não foi?

Eu baixei meus olhos como se procurasse algo para falar. Houve um silêncio de alguns segundos que logo foram quebrados com o chamado do meu pai.

― Jorge, vamos! Vamos que já é tarde.

Me bateu uma tristeza semelhante às sensações que eu sinto todos as vezes que os sonhos são interrompidos. Mas naquele instante ocorreu o fato mais extraordinário da minha vida. Quando eu voltei a olhá-la rapidamente ela escrevia e do seu caderno destacou a parte da folha escrita e olhou em minha direção.

― Guarda Jorge e me procura quando você crescer.

Eu fiquei estático, sem saber o que fazer, apenas guardei. Guardei por dez anos, no bolso do casaco. Só ontem reencontrei-o, as letras eram as mesmas, manchadas mas eram as mesmas com outro significado. Dizia:

“Me chamo Érica, tenho 17 anos. Isso quer dizer que sou bem mais velha que você, dificultando no momento qualquer aproximação entre nós. Apesar de ser um gatinho, você é ainda um pivete que não entende nada de amor. Talvez daqui a alguns anos a nossa diferença de idade seja atenuada e se você continuar me olhando desse jeito possa rolar algo entre nós. Vê se não me esquece, tá?”

Nesse momento, compreendo porque me afastei dela por tanto tempo. Foram duas frustrações. A primeira foi a idade, ela é quatro anos mais velha do que eu e não três anos como pensava. Isso agora não é de muita importância, mas naquele tempo foi muito forte, foi decisivo. A segunda foi por ela ter me chamado de pivete, isso me deixou furioso, destruiu momentaneamente toda minha admiração por ela.

Mas só agora entendo que ela estava com a razão. Eu realmente era muito imaturo, o tempo foi essencial para transformar aquele primeiro momento amoroso, em um amor verdadeiro.

Estou hoje verdadeiramente preparado para olhá-la daquela forma ingênua, mas profunda e ao mesmo tempo amá-la como ela merece, como ela quis, como ela quer?

Vou agora, é o momento, estou aqui em frente, não posso recuar. Só a rua movimentada é o empecilho. Ao atravessá-la, estarei em frente ao meu passado.

Respiro fundo. Atravesso, chamo, vem ao meu encontro um pequeno garoto chamando expansivamente sua mãe.

― Mãe, tem um homem aqui!

Confesso que estremeci, não esperava por essa fala infantil. A mãe veio, continuava linda, embora estivesse diferente. O olhar, o cabelo, a cor da pele eram os mesmos, mas as formas corporais eram outras, era agora uma mulher, era uma mãe. Tinha uma outra vida que não mais me pertencia, não pertencia ao meu passado, não pertencia mais ao meu futuro.

junior trezeano
Enviado por junior trezeano em 23/02/2009
Código do texto: T1453918