FANTASIA CONCRETA (Retrô)

Era uma vez o Reino das Fantasias Concretas....

Como assim, fantasias concretas? Há concretude no imaginário ou abstração no tangível?

Na frieza da conceituação, certamente não, mas após a presente narrativa, até os absolutos se vestirão de relativismo...

Ela, um sonho feminilizado; luz eternizada em doce perfil, algo inimaginável mas felizmente real.

Eis que ecoa um grito dos quatro cantos da Terra a enunciar que não mentiu a pena habilidosa do antigo poeta, nem o pincel frenético do artista romântico ou tão pouco a canção deprimida do trovador rendido a uma paixão. De fato existe a razão inspiradora suprema: ela, musa superlativa!

Pena que sua voz é canção presa às densas paredes do impossível; pena que seus passos me sobrevoam e habitam as nuvens do que mais quero; pena que só posso regar sua estrada com lágrimas sofridas de um amor sob clausura; pena que não posso multiplicar-me em milhões para apreciar estupefato cada uma de suas células; pena que a realidade deu-me o sonho por dote e os portais do fundo para adentrar ao toque de sua pele menina!

Corro enlouquecido, mas esvoaça sua feição. Subo aquém de minhas limitações, mas ainda me foge o estrado de seus pés. Derramo meu coração para que ao menos uma gota possa tocá-la e dizer eis-me todo teu. Mas, ela é maior que o mundo; universos não podem conter o encanto do seu sorrir!

Ela: um som melodioso, consonante, harmônico, sinfonia que enleva a minúscula alma que lhe ama. Menina que adormece nos braços protetores que morre a cada dia pela mulher que de si se apresenta...

Mulher que acorda sob os auspícios do coração apaixonado que lhe faz menina!

Ela: sonhadora, futuro certo. Mãos que detém vitória, otimismo em forma de sol, sabedoria em forma de lua. Deleite no ouvir, fêmea sereia que arrebata, jovialidade madura, metros incontáveis de serenidade na singela estatura de seu corpo.

Real, surreal, irreal?

Ela é uma nuance, astro gravitando para se precipitar sobre o solo frágil que lhe recebe. Ela é a metafísica do amor, a luz na caverna de Platão, o reflexo de Narciso, o sol sobre as asas de Ícaro, Afrodisíaca Afrodite – ainda que criança - Mulher de meu amor!

Ele: transeunte do universo solitário, pedestre da contra-mão emotiva, filho e neto do medo do sentir.

Habitante da Cidade Jamais-Amar, suposto hóspede na Pensão Prazer-Por-Prazer. Iludido doutor de suas próprias incertezas.

Trôpego caminhante, ancorado nas amarras de seu temor, convicto desviante do Porto dos Envolvimentos, dono de si em nome das forças que pensava dispor.

Ele: outrora personagem inóspito à margem de sua própria história, um susto em forma de sombra, caricaturado pelas torturas interiores, náufrago em suas próprias lágrimas, escondido nas tendas do prazer descompromissado sob a égide ilusória de uma vacina para seu mal sem cura...

...Até que Ele a viu!

Ele e Ela: reais e abstratos, antagônicos, desproporcionais, assimétricos, a bela e a fera na moderna versão do impossível concretizado.

Mas, como assim “Até que Ele a viu”? Ele a viu?

Sim, e de modo assombrosamente profundo. Viu as entranhas de sua alma, conheceu sua essência, o aroma de sua natureza. Fez passeios pela profundidade de sua beleza maior e deleitou-se nos recônditos e singeleza de seu coração incomparável.

Ele a viu como ninguém jamais o fez. Seu olhar fez radiografias além-corpo e intra-corpo, ainda que sem corpo. Não a desejou por suas formas, não a amou pela influência de suas curvas, não enamorou-se dela pela hipnose de seu olhar – mas mesmo assim, Ele a viu!

Agora, Ele a vê em tudo e as formas de sua amada impregnam a face de sua vida real. Ela está refletida na água morna que desliza por seu corpo, Ela o visita na brisa leve que traz o orvalho da noite e o consola nas gotas frias da chuva austera.

Ela ainda impera do seu castelo forte de encantos elevados. Ele a observa lá de baixo, do subsolo das suas impossibilidades. Estica os braços mas não consegue tocá-la, grita mas não é ouvido, corre mas não alcança sua amada.

Ela teme o seu amor, mas flutua sob as plumas dessa mesma paixão e estende os braços para recebê-lo. Mas e Ele, o que fará?

Nem sempre sabemos o que sentimos ou porque sentimos. Às vezes pensamos que uma história termina no abrir dos olhos após um lindo sonho. Talvez sonhar seja exatamente o que brota no pós-sono e talvez o que não vemos nem tocamos seja o mais real de todos os fatos. Tudo, enfim, pode ser discutível e relativo, menos esse imenso amor dentre dois seres que nunca se olharam, mas que eternamente se assistem: Ele e Ela – Eu e Você!

Reinaldo Ribeiro
Enviado por Reinaldo Ribeiro em 10/03/2009
Reeditado em 10/03/2009
Código do texto: T1478681
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