Pra ela as noites são assim

Beatriz acordou ouvindo uma música baixa que tocava no quarto da casa em que estava; o quarto estava parcialmente às escuras exceto por uma luminária acesa sobre uma escrivaninha e a luz que vinha da porta do banheiro.

André veio caminhando do banheiro para o quarto e desligou o rádio, havia acabado de tomar banho e trajava uma calça de moletom preto; estava descalço. Beatriz já sabia o que aquilo significava; noite de caçada.

Ela olhou no relógio digital de cabeceira em cujos números iluminados mostravam meia-noite e dez; a mulher se contorceu na cama e ao ver o noivo parado e olhando para ela não teve dúvidas:

_ Não vai. Fica só hoje._ pediu num tom quase trêmulo e embargado.

Cortava o coração de André ver sua noiva praticamente implorar para que ele ficasse na segurança do lar e não colocasse a cabeça a prêmio em algumas ocasiões como aquela.

_ Não posso._ Respondeu baixo, sua voz também ficou presa na garganta.

Aquela era a mulher mais bela do mundo, ao menos era assim que André via sua noiva Beatriz desde o primeiro instante em que suas vidas se cruzaram. Ele a salvou, cinco anos atrás, de uma situação onde certamente ela encontraria o fim; fora perseguida por forças obscuras, seres que até hoje são um mistério para ela.

_Fica, por favor! Você não pode fazer mais do que já tem feito, seu corpo está cansado.

E era verdade, durante algumas noites por semana ele deixava de ser o homem normal que tentava ser e tornava-se aquilo que devia ser; um paladino.

_O Rio de Janeiro precisa de mim, sou o único que pode fazer alguma coisa e não posso me omitir; você bem sabe que posso dobrar um exercito inteiro de homens, portanto não temo pessoa alguma e quanto a Eles, as sombras, Loki, os anjos e os exércitos de demônios; terão de se esforçar para tomar a cidade porque vou fazer todo o possível para impedir.

André se moveu pelo quarto e ascendeu as luzes; daí, foi a um armário que possuía próximo de sua escrivaninha o qual mantinha literalmente trancafiado a sete chaves. Retirou um molho de chaves que estava dentro de uma caixa que por sua vez estava em uma das gavetas da escrivaninha e utilizou as sete chaves cada qual para abrir seu cadeado respectivo no armário.

Quando as portas do móvel se abriram, beatriz viu novamente uma figura medonha ajoelhada lá dentro, uma espécie de armadura medieval negra como a noite e com muitos detalhes num prata reluzente. Era como ver um homem ajoelhado e com a cabeça curvada para o chão, mas não havia ninguém envergando a armadura, pois o homem que a dominava era seu próprio noivo.

A armadura possuía um elmo prateado e uma cruz templária adornando o peito; ambos pareceram se acender quando as portas do armário se abriram, pareciam ter vida própria. Mas André não tocou a armadura em primeiro lugar; acima do elmo, preso por um suporte estavam duas espadas, uma espada japonesa, e a outra, uma espada de lâmina larga com o cabo em formato de cruz.

Beatriz lembrou dos nomes que os jornais haviam dado aquela figura; alguns chamavam de O Cruzeiro do Sul, outros de cavaleiro da cruz, mas Beatriz o chamava pelo verdadeiro nome. André

Ele retirou a espada japonesa do suporte e a desembainhou cuidadosamente, em seguida fez alguns movimentos tão rápidos que o aço da espada chegou a silvar cortando o ar.

Ele disse:

_ Você sabe que eu te amo; não sabe?_ embainhou e colocou a espada cuidadosamente sobre a escrivaninha.

_ É claro que sei e te amo também._ respondeu ela quase deixando as lágrimas rolarem pela face.

_ Eu vou voltar, prometo para você.

_ Só quero que você volte inteiro para mim e não como da última vez.

Ela verdadeiramente o amava e o sentimento era recíproco, entendia que ele precisava fazer aquilo, e ignorava a quantidade de vidas que seu noivo já havia tirado das garras da morte nas noites cariocas, mas não tinha jeito, ao vê-lo colocar aquela armadura, como estava vendo naquele momento, o coração da mulher ficava apertado e ela sentia um nó na garganta; seus olhos enchiam de lágrimas que ela se esforçava para manter aprisionadas, e, tudo isso por causa do medo de ligar a televisão e receber a notícia de que o cavaleiro da cruz, seu noivo, não voltaria mais para casa, ou pior, temia que ele saísse um dia e não retornasse jamais, simplesmente desaparecesse, aprisionado por alguma sombra ou algo assim.

A transformação se completou quase totalmente, uma a uma ele colocou as partes de sua armadura exceto o elmo; prendeu a espada medieval e a japonesa uma em cada lado de seu cinturão e cobriu quase toda a armadura com uma capa negra. Era um autentico cavaleiro medieval, nenhum rei da idade média poderia discordar disso, nem o próprio Arthur; a capa cobria-lhe quase tudo, mas a cruz no peito continuava à mostra e reluzia intensamente, Beatriz sabia que a cruz não era de prata como muitos pensavam, mas sim de diamantes, assim como várias partes da armadura e ela sabia também que a dureza dos diamantes já tinham salvo a vida de seu noivo várias vezes.

Com aquela indumentária ele já não se parecia um homem, movia-se como um fantasma e só a face dele lembrava o grande amor dela, mas logo ele desapareceria quando ao colocar o elmo se tornasse por completo a sentinela sombria do Rio.

Ele por sua vez, antes de pôr o elmo caminhou até a cama onde Beatriz estava agora sentada e coberta com os lençóis até a altura do busto; ele pareceu flutuar pelo quarto até a cama, sua capa parecia querer se abrir como se fosse um par de asas; André se debruçou sobre a cama, passou a mão nos cabelos de sua noiva e com o rosto mais afetuoso do mundo disse:

_Você está bem? Pode acalmar seu coração? Meu amor por você não vai deixar que nada de ruim me aconteça, serei cuidadoso desta vez.

E a beijou.

Em seguida se virou rápido, colocou o elmo prateado que escondia sua face e diante de Beatriz já não estava seu noivo afetuoso e sim um homem diferente, um homem que por algum motivo desconhecido havia sido presenteado com dons que as demais pessoas não possuem. Ele olhou de soslaio para ela, mas ela não conseguia ver seus olhos, o elmo os escondia.

_Até logo._ disse com uma voz rouca, quase gutural.

A cruz no peito dele começou a emanar mais e mais luz, assim como todas as partes prateadas da armadura até que ficou difícil enxergar dentro do quarto, de repente tudo escureceu novamente e ele não estava lá.

_ Oh! Deus! Ajude ele._ ela disse finalmente soltando a tempestade emocional que revirava seu coração.

Durante toda aquela noite, Beatriz chorou no quarto escuro pela incerteza de não saber se o veria novamente.

Luiz Cézar da Silva
Enviado por Luiz Cézar da Silva em 11/03/2009
Código do texto: T1481647
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