Rabiscos de um soneto
A agonia era tanta que escrevera uma carta de amor, pensando apenas em ódio. Este sentimento talvez o transformasse no mais melancólico dos poetas, e como era bom ler sobre a melancolia alheia.
Com uma caneta velha e um papel de rascunho na mão, ele pensou em um soneto:
Das lembranças resta um sorriso
Do amor, um abrigo
Da tolice, um riso
E da vida, um amigo...
Já fui capaz de tudo, só para voltar
Mas agora já esqueci
Não quero mais seu lar
E, então, da sua vida sumi!
Seu veneno me transformou em pedra
Uma rocha, dura e fria
E parece que ninguém a quebra
Minha alma se tornou sombria
Sem luz, fiquei
Seu rosto se apagou da minha mente
Uma nova vida inaugurei
E o coração finge que nem sente...
Depois de escrever estes clichês em versos, quase um soneto, ele tomou uma taça de vinho, fumou um cigarro e sentiu o vento gelado alisar seu rosto através da janela aberta.
Olhou para o que denominara, automaticamente, Rabiscos de um soneto e fez questão de rasgar e queimar linha por linha. Desejou que cada palavra ali registrada pelo seu próprio cerne fosse falaciosa.