Amor de Infância

Tive na vida vários amores. Quantos corpos toquei, quantas bocas beijei, quantas noites de prazer! Sinceramente, não tenho contas e nem tenho do que reclamar. Dediquei minha vida aos amores, e eles a mim.

Contudo, apesar das noites incansáveis de amor, nenhum deles foi mais puro, mais mágico e mais sublime que o primeiro. Muitas pessoas se esquecem, com o passar dos anos, da primeira pessoa que amaram. Esquecem-se do primeiro brilho no olhar, da primeira vez em que sentiram sua respiração ofegante e seu coração batendo feito bateria de escola de samba tocando uma sinfonia de Beethoven. Você, leitor, consegue se lembrar do seu primeiro amor? Eu me lembro do meu e muito bem. E ele foi algo indescritível e que me faz, ao lembrar-me, voltar àquela inocente época de minha vida.

Tinha apenas doze anos. Levava até então uma vida normal. Levantava cedo, ia pra escola. À tarde, após ter feito a lição de casa, corria para a rua para encontrar os amigos e jogar futebol. Depois do futebol, sempre brincávamos de bola queimada, ou andávamos de bicicleta. Era uma vida compatível com a dos garotos de minha idade. Eu me sentia feliz.

Eis certo dia, em que eu estava saindo de casa e indo em direção ao campinho improvisado na esquina, encontro aquela que despertaria meus primeiros suspiros inefáveis, a criatura mais bela que eu vira até então. Eu já achava meninas bonitas, mas nunca me encantara por uma antes. Pelo menos não daquela maneira.

Ela virou a esquina, e foi subindo a rua. Andava de bicicleta. Seu cabelo sacudia e balançava com o vento. Na medida em que se aproximava, ela diminuía cada vez mais as pedaladas. Olhava para mim com a mesma intensidade em que era olhada. Tal cena, até então, eu só vira em aventuras cinematográficas. Ficamos alguns segundos boquiabertos e com os olhares atônitos. Nenhum dos dois ousava tirar o olho de cima do outro. Era uma magia que eu não sabia, e até hoje, não sei explicar. Alguns segundos me fizeram saltar da infância para a adolescência. Eu estava apaixonado, era amor à primeira vista.

Fui logo perguntar para os meus amigos quem era o tal anjo. Responderam-me que era uma vizinha nova, e que seu nome era Maria Angélica.

Fiquei encantado, não conseguia nem dormir nas noites seguintes. Não me concentrava nas lições no colégio. Ficava pensando na voz dela. Voz que eu nunca ouvira. Deveria ter uma voz de anjo que sussurrava canções celestiais nos ouvidos dos reles mortais. Mas também eu estava preocupado: como que eu, um simples menino que vivia sendo reprimido pelos amigos por ter o nariz sempre escorrendo, que era o último a ser escolhido no time de futebol e que sempre fora alvo de piadas, conseguiria me aproximar da bela criatura? Era quase uma utopia imaginar que eu teria chances com uma divindade como aquela.

Os dias foram passando e eu não a via mais. Até que um dia, fez amizades com algumas meninas e foi brincar com elas em frente à minha casa. Quando a vi novamente fiquei estático como se tivesse sido hipnotizado. E ela estava lá, me olhando da mesma forma.

Voltei à realidade quando meus amigos me gritaram para jogar futebol. Eu, que já não era muito habilidoso com a bola nos pés, consegui me superar negativamente naquele dia. Não conseguia jogar sem olhar para o lado e contemplar aquela beleza.

Em uma tarde, fomos apresentados oficialmente. Transformei-me em um tomate, tamanha vergonha que senti ao tocar as mãos daquela princesa. E ela realmente tinha uma voz angelical.

Fomos todos andar de bicicleta. E como eu não tinha muito pique, fui ficando para trás, e ela também, não sei se por não conseguir acompanhar o pelotão, ou para assim ficar perto de mim. Para minha alegria, ela começou a tecer alguns comentários sobre: “nossa, como o dia está bonito”, ou “que legal! Tua bicicleta é novinha”. Acabamos ficando amigos.

Todos os dias, ao chegar da escola, fazíamos a lição rapidamente para poder ter mais tempo livre para nossas descobertas. A sua companhia era maravilhosa. Andávamos de bicicleta pelas ruas e parques. Conversávamos coisas de adolescente, como: escola, música, brincadeiras, entre outros. Não falávamos sobre o que sentíamos um pelo outro. Eu morria de vergonha. E até então não acreditava que ela poderia sentir o mesmo por mim.

Tempos depois, uma amiga veio me dizer que Maria estava apaixonada por mim, mas não sabia como dizer. Foi o dia mais feliz da minha vida. Comecei a enxergar o mundo diferente. Tudo para mim era belo. Nada mais me incomodava se eu estava ao seu lado.

Um dia, próximo das seis da tarde, hora em que os pais começam a recolher os filhos para dentro de casa, acabamos ficando a sós na rua. Meu pai já havia aparecido na janela para me chamar. Então eu disse a ela:

- Tenho que ir.

Ela com um olhar triste disse-me:

- Que pena. Mas amanhã te vejo?

Não respondi. Não sei de onde tirei coragem. Aproximei-me e toquei meus lábios nos dela. Um torpor fez tremer todo o meu corpo, e meus pensamentos se desconfiguraram. Doce, perfeitamente doce era o gosto que brotava de seus lábios. Segundos? Minutos? Nunca soube quanto tempo durou aquilo. Sei que minha primeira experiência oscular jamais deixou de habitar meus pensamentos. Ao despregar meus lábios dos seus, percebi que ela ficou com vergonha, e eu, que também estava, não consegui deixar de demonstrá-la. Em um súbito comportamento infantil, virei as costas e corri pra casa.

Aquela noite foi especial. Ao tomar banho, tomei cuidado para não molhar minha boca, não queria perder o seu gosto. Fiquei deitado sem dormir durante horas, relembrando nosso estalar de lábios, e fazendo planos para o futuro.

Mas, minha falta de coragem impediu-me de conversar com ela sobre meu sentimento. No dia seguinte ao beijo, continuamos como antes, como amigos. Não trocamos palavra a respeito do acontecido. Continuamos andando de bicicleta, brincando de bola e conversando sobre as mesmas coisas. Todo mundo da rua já sabia do nosso amor e do beijo que havíamos nos dado. Só nos faltava a coragem de nos assumirmos um para o outro. E assim passamos meses.

Porém, como haveria de ser, a bela Maria Angélica não arrancou só meus suspiros. Diziam que Lúcio, um dos meus melhores amigos, também estava apaixonado por ela. Estranho foi sabê-lo, já que tão próximos, ele nunca tocara no assunto comigo.

Então chegou o final de ano, e houve uma festa na casa de uma prima minha, na rua de baixo. Todos esperaram o ano todo por aquela festa. E era nessa festa que eu pretendia pedir Maria em namoro. Cheguei à conclusão que não agüentaria mais ficar apenas brincando com ela, eu queria mais. Minhas veias tornavam-se adolescentes, e o despertar das coisas batia-me à porta.

Atrasei-me para a festa. Quando cheguei à casa da minha prima, a festa já havia começado. Ao chegar, não quis falar com ninguém, fui logo procurando Maria Angélica. Achei estranho certo comportamento: todos na festa, os meninos que jogavam bola comigo, as meninas que eram minhas vizinhas, todos me olhavam diferente. Olhavam com olhos de piedade, de medo, de consolo.

Ao chegar à sala principal onde muitos dançavam, vi o que mudou minha vida. Maria e Lúcio dançavam uma música romântica, abraçadinhos. Fiquei pasmo, não quis acreditar, até que vi os dois se beijando. Por certo tempo não consegui mover-me. Fiquei estático, de frente para os dois, vendo um beijo que não era para acontecer, vendo outro beijar os lábios doces que embalaram meus sonhos por várias noites. Quando voltei do transe, quis ir embora, mas meus pais não deixaram. Tive que ficar ali, no mesmo local em que meu melhor amigo acabava de roubar o meu primeiro amor. A dor tomou conta do meu coração. Que sentimento horrível, havia sido trocado. Por que ela esqueceu tudo o que vivemos? Não se lembrava mais da magia que nos rondou no primeiro olhar? Não se lembrava mais do inesquecível aperto de mão? E não se lembrava mais do nosso primeiro e único beijo? Eu não conseguia acreditar, não conseguia aceitar, porém a verdade, apesar de cruel, era verdade.

Já em casa, chorei muito. E chorei como uma criança, afinal, em termos, eu ainda o era. Criança que queria crescer, mas que não estava ainda pronta para o que a vida poderia oferecer. As pedras no caminho eram inevitáveis e eu não sabia disso.

Ela nunca mais me procurou, e fiquei sem saber a razão do abandono. Brincávamos todos na rua sem que ela me dirigisse a palavra. Semanas depois, soube que iríamos nos mudar. Talvez fosse melhor, mas eu ainda não conseguia me imaginar no futuro sem a companhia de Maria Angélica.

Todos na rua sabiam da minha partida, inclusive ela. Recebi um bocado de abraços dos meus amigos nos últimos dias. Não recebi sua visita. Eu a avistava enquanto o caminhão da mudança já estava pra sair e ela não havia se despedido de mim. Brincava na rua com as outras meninas.

De repente, a bola correu e veio parar perto de mim. E ela veio ao meu encontro. Abaixei-me e apanhei a bola. Estiquei a mão para entregá-la. Por um momento ficamos nos olhando como da primeira vez. O tempo parou e nós dois ficamos com os braços estendidos nos olhando. Vi em suas pupilas, o brilho de nossos passeios, o adocicado beijo, a cumplicidade perdida. Decidiu ela, então, quebrar a magia. Pegou a bola da minha mão e me disse:

- Vou sentir saudades. Boa sorte.

Virou as costas e saiu. Foi a última vez que a vi.

Luigi Ricciardi
Enviado por Luigi Ricciardi em 01/06/2009
Código do texto: T1625736
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