A HISTÓRIA DA MENINA JANINE. (Um exemplo para as nossas vidas)

Treze de maio de 1973. O dia amanhecera frio. O sol teimava em cumprir o seu ritual. Nuvens escuras o impediam. O vento sibilava uma canção triste e balouçava árvores e placas.

Uma jovem de apenas quinze anos impacientava-se ao espreitar a rua através das vidraças da janela. Seu nome: Janine. A menina conhecia naquele momento a solidão feita de espera. A certa altura, cansou-se. Recostou-se ao travesseiro cujo bordado registrava a abóboda celeste e entre estrelas e a lua, sua mãe bordara carinhosamente “Janine”

Janine não percebeu quando fora tomada pelo sono. Daí a pouco, sentiu-se flutuar no espaço sideral. Percebeu sem nenhuma surpresa que estava deitada sobre uma nuvem cor-de-rosa, macia e perfumada. Seguia-a outra nuvem, desta feita de cor creme, portando a sua mala de viagem. A temperatura mantinha-se mais que agradável, enquanto seus lindos cabelos louros eram acariciados pela brisa morna.

Janine sorria. Seus lindos olhos azuis passeavam pelas cintilantes estrelas. Outras nuvens, ao seu lado, movimentavam-se formando um cortejo.

Sobre nuvens azuis, gatinhos pardos placidamente deitados. Sobre as nuvens pardas, gatos brancos, todos ornados com lindos laçarotes vermelhos em torno dos seus pescoços. Também havia borboletas multicores ao alcance das mãos da menina. Nuvens floridas em gerânios, violetas, lírios. O perfume que delas emanava. Indescritível...

A menina encantou-se com uma nuvem feito um ninho fofo, sobre ele, uma cadela negra lambia os seus filhotes. Ao passar lado a lado com a nuvem que levava Janine, a cadelinha segurou com a boca um filhotinho oferecendo-lhe para que o pegasse. Bastou esticar o braço, Janine o pegou, brincou com ele, acariciou-o e, antes de entregá-lo à mãe, apertou-o ao encontro de seu coração.

A menina já não se lembrava mais do tempo frio e feio, cinzento e triste, quando ansiosa espreitava a rua, numa solidão feita de espera. Era feliz ao vivenciar o paraíso.

Naquele momento, uma languidez invadiu o seu corpo. Seus olhos foram se fechando e nem pode ver um chuva de pétalas de rosas perfumadas que caia sobre ela, coroando-a de uma paz infinita.

Ao abrir os olhos, Janine percebeu carinhosas mãos a retirando uma a uma as pétalas que lhe cobriam o rosto corado. Naquele momento, duas criaturas se fitaram com intensidade. O abraço que as uniu tinha o gosto da saudade. Mãe e filha juntas...

Passado o primeiro momento de intensa emoção, a mulher falou calma e pausadamente:

- Minha querida filha, a bondade de Deus permitiu-me revê-la. No plano terrestre recusamo-nos a acreditar que num impreciso dia tudo terá fim. Esquecemo-nos de arrumar a nossa bagagem espiritual, fundamentada na verdade, na honestidade e no perdão. Eu, tentando protegê-la, ou quem sabe proteger-me, omiti a verdade. Com meias-verdades escrevi a sua história. Todo o ressentimento que eu sentia, transformei-o num vinho amargo e fiz com que você bebesse no meu cálice de amargura.

Quando o seu pai e eu nos separamos, tornei-me deprimida, corroída pelos ciúmes. Grávida de você, descobri que ele houvera tido um caso com outra mulher e que também desta aventura nasceria outra criança. Mais tarde, tomei conhecimento de que nascera um menino. O sonho de seu pai era ter um filho do sexo masculino.

Tentei viver com Celso. Mas algo havia se rompido. O meu amor morrera ante a decepção que ele me causara. Foi um passo para que o ódio crescesse como erva daninha no meu coração. Seu pai, definitivamente não queria separar-se de nós e implorava o meu perdão. No entanto, o meu orgulho ferido falou mais alto. Inúmeras vezes ele nos procurou. Eu lhe pedia que nos deixasse em paz que ele não nos serviria para nada.

O meu mesquinho procedimento o fazia sofrer e eu sentia-me vingada. Sei que fui muito cruel o afastando de você. E o afastei. Ele entendeu que eu jamais lhe ensinaria a amá-lo.

O tempo passou e eu fiquei sabendo que ele vivia só. Assumiu o filho e foi um pai presente o quanto pode.

A você, por minha culpa, faltou o afeto de um pai, a amizade de um irmão. Eu tentei ser tudo para você, ser o seu presente, passado e futuro, sem pensar na condição mortal de todo ser vivente. Como pude ser tão leviana!

Hoje você uma menina quase uma mulher e não sabe a sua verdadeira história. Fazendo uso do ódio, não lhe ensinei a amar. Com minha intransigência, não lhe ensinei a perdoar. Com a minha ignorância não percebi que no coração das crianças só se deve plantar amor. Eu hoje peço, suplico-lhe o seu perdão. O meu pecado nasceu da minha soberba. Senti-me ultrajada como mulher. O orgulho, contrário à humildade contradiz ao primeiro mandamento: “Amar a Deus sobre todas as coisas, com todo o seu coração, com toda a sua alma e ao próximo como a ti mesmo.”

E a mãe de Janine continuava a falar emocionada:

- Deixei morrer em mim o amor que eu sentia, não perdoei e fiz você desprezar seu pai. Peço-lhe que fortaleça no amor para não incorrer no mesmo erro de sua mãe.

Minha filha, esses dias que antecederam ao dia 13 de maio, sei que foram os piores dias de sua vida. Essa noite, principalmente você não conseguiu dormir. Exatamente hoje, seu pai virá buscá-la para viver com ele. Você terá que viver junto a alguém a quem eu a ensinei odiar. Sei a tempestade de sentimentos contraditórios que povoam a sua mente e que perturbam a sua alma. Afinal, na terra, foi ele quem lhe restou.

Abraçada à filha, a mãe chorava. E continuou...

Você reparou que trouxe uma mala que você nem fez? Pois bem, eu vou refazê-la. Nela eu vou colocar uma poção mágica que fará com que você se esqueça de tudo de ruim que eu plantei em seu coração. Sentimentos inferiores como o desamor, a vingança, a mentira e a falta de fé na humanidade. Quando você retornar poderá ver o mundo e as pessoas com outros olhos. Os olhos da misericórdia. Uma nova vida estará descortinada para você.

Pense em sua mãe com saudade, mas não deixe de ser feliz. Enfrente aos problemas da vida com coragem e sabedoria. Valorize os seus companheiros de jornada e conte sempre com a proteção de Deus.

Todo o esplendor que você viu enquanto para cá se dirigia, existe na terra; existem as estrelas que cintilam, você as vê. Flores diversas, pássaros, borboletas multicores, animaizinhos de estimação...Praticamente a tudo isso você pode ver, tocar, acariciar... são alguns motivos de felicidade se o nosso coração escolhe ser feliz. Agora, levá-la-ei nesta linda nuvem cor-de-rosa, posto que seu pai não tarde a chegar.

Mãe e filha fazem o caminho de volta. A menina divide com a mãe todo o seu encantamento.

QUANTO TEMPO TERÁ PASSADO?

Janine acorda abraçada ao seu travesseiro bordado simbolizando a abóboda celeste. Abre os seus lindos olhos e permanece deitada. Lembra-se do sonho que acabara de ter. Sorri feliz. Pensa que tudo havia mesmo se passado da maneira que a mãe lhe revelara em sonho. Posteriormente ficaria sabendo toda a verdade.

Sente-se confiante num futuro menos sombrio, estranhamente leve e em paz. Levanta-se e vai à janela. Já pode abri-la. O sol conseguira fazer o seu ritual. Nem faz o frio de antes.

Janine resolve deixar um bilhete para a prima que dela cuidara após a morte de sua mãe. Tia Lica, como carinhosamente a menina a trata, não quis ver a menina partir. E assim a menina escreveu:

“Tia Lica, a senhora sabe do medo que eu sentia ao aproximar-se o momento de partir com o meu pai. Confesso-lhe que eu estou feliz. Sabe o que aconteceu? Tive um lindo sonho com a minha mãe. Através dele fiquei sabendo muita coisa que eu desconhecia. É claro que eu vou checar as informações vindas de um sonho, mas, a princípio meu coração as tem como verdades. Brotou uma esperança enorme em meu coração. Quem sabe Deus levou a minha mãe para que eu tivesse a chance de conhecer e amar ao meu pai. Muito amei a minha mãezinha, quero amar de igual maneira ao meu pai.

Ninguém pode amar sem conhecer, através da vida, meu pai e eu, faremos um lindo e mesmo aprendizado de amor. Enfrentarei com coragem os problemas que a vida tem e quero ter os olhos bem abertos para enxergar a felicidade.

Desejo tudo de mais lindo para você que tanto me ajudou nos momentos mais difíceis da minha vida. Agradeço a Deus por existir uma pessoa tão valiosa quanto você. Sua amiga para sempre, Janine.

Um carro estaciona à sua porta. Janine olha pela janela. Vê aquele homem... O seu pai. Sai à rua. Dirige-se a ele:

- O senhor procura Janine? Sou eu.

Janine fica por uns instantes imersa naqueles olhos azuis, iguais aos seus. Os olhos do seu pai, azuis? Percebe aqueles olhos marejados de lágrimas. Os dois se abraçam. Dois corações num só compasso.

De algum lugar, uma mulher sorri.