A DAMA DA BEIRA DO CAIS

Era uma senhora de meia idade, semblante triste e olhar penetrante. As vestes simples, mas bem cuidadas, unidas à sua postura altiva, dispensavam-lhe elegância e segurança. Mesmo liberta dos lampejos da vaidade, deixava à mostra atributos de beleza e encanto pessoais perturbadores. Suas poucas palavras não a impediam de brindar a todos com um sorriso enigmático repleto de ternura e mistérios.

Cumpria a rotina diária de caminhar pelas ruas da velha Ribeira, no mesmo percurso e horário costumeiros. Surgia do nada nas cercanias da rodoviária velha, iniciando a sua romaria silenciosa até à beira do cais, onde passava horas a fio imóvel, com o olhar fixo no encontro das águas do rio com o mar. Ao cair da tarde fazia o caminho inverso e, da mesma forma como havia surgido, desaparecia em meio a multidão espremida na rodoviária velha.

Os segredos guardados a sete chaves por aquela distinta senhora me encheram de curiosidade. Quanta coisa havia silenciado! Fui impelido a segui-la rotineiramente na mesma romaria e, pela força de repetição e observação, tomado subitamente por um profundo sentimento de admiração e respeito aos mistérios de sua vida. Desejei invadir o labirinto de seus pensamentos e me perder nas suas divagações misteriosas.

Lenta e cautelosamente angariei a sua confiança plena e, abertos os canais da comunicação,tornei-me confidente e invadi a sua intimidade, revelando os seus mais íntimos segredos. Desnudei a sua vida e os seus amores, descobrindo que alguém a quem amou de verdade embarcou para sempre nesse mesmo porto, descumprindo promessas e juras de amor eterno. O tempo passou e nada mais soube do seu amado. A certeza da volta daquele amor mantinha acesa a esperança de que um dia dariam continuidade àquela união interrompida tão bruscamente.

O carinho inicial transformou-se. Se antes me fascinava a sua estória, hoje me fascina a sua companhia, o seu afeto. Nossos encontros seguiram-se por algum tempo e, em cada despedida, crescia a angústia pelo amanhã. Eu precisava estar com ela novamente, o mais breve possível. Um sentimento forte e diferente da simples amizade brotara entre nós. Eu me atrevia, ela relutava mas, aos poucos, cedia às minhas investidas. E nos amamos.

Tudo parecia caminhar rumo ao nosso entendimento, mas ela sumiu de repente sem nada dizer. A minha vida mudou, na espera de sua volta. Sei que voltará. Perdi a minha paz. Nada mais soube a seu respeito. Ora imagino que poderia ter morrido, ora que o amor do passado teria ressurgido, pondo fim à sua espera. A saudade me consome, a sua ausência é um martírio e a procura incansável. Eu sei que ela me ama e que ainda viverá ao meu lado. Vou lhe esperar o tempo que for necessário, refazendo passo a passo aquele mesmo percurso diário da rodoviária velha à beira do cais, alimentado o sonho de que ela surgirá radiante, como uma deusa, sobre uma onda que quebra no encontro das águas do Potengi com o mar e se atire em meus braços, dessa vez para sempre. Não posso e nem vou desistir dessa busca. Tenho que tentar, porque já não sei viver distante dela. Até a sua volta estarei com o olhar fixo sobre as águas que refletem o meu sofrimento, aguardando o retorno da minha dama da beira do cais. Eu sei que um dia ela vai voltar...

Heliodoro Morais
Enviado por Heliodoro Morais em 13/07/2009
Reeditado em 14/07/2009
Código do texto: T1697294