As classes se encontram (o amor)

A madrugada era longa, solitária e melancólica. Diversos pensamentos passavam na cabeça de Jurandir. Iam desde o período da infância, quando era perseguido pelos colegas, passando pela adolescência esquecido pelas garotas e na fase adulta, confuso com tudo que acontecia na sua vida.

Esse emprego em uma cervejaria no setor de carregamento de caminhão lhe deixava inquieto. Sua estória justifica isso. Filho de pais de classe média, com bons estudos, chegando até cursar a universidade na área de matemática e tendo tentado vários concursos em empregos públicos. Era um moço cheio de regalias, que com a queda do padrão de vida de seus genitores, teve que se virar para sobreviver.

Ele trabalhou com venda de picolé, salgados, peão de gráfica e outros. Teve um tempo em que de carteira assinada, exercia a função de aux. de contabilidade, sendo bem elogiado por seu superior, o Senhor Kleber.

***

A semana do desfile de moda da coleção outono/inverno estava chegando e Rafaelly se preparava dá melhor forma possível, fazendo regime, malhando. O seu instrutor se preocupava com cada detalhe, por isso tratava de ensinar a moça de apenas 16 anos a melhor forma de se portar diante de possíveis entrevistas com a imprensa, a maneira de andar na passarela, de comer a mesa, etc.

Ela sempre humilde, apesar de pertencer a elite alencarina, não sabia o que era sofrer, nem sentia sensibilidade pelos mais carentes. Porém tinha dentro de si um espírito alegre, descontraído.

Pedro filho do dono da cervejaria, era amigo de Jurandir. No fim do expediente trocaram algumas palavras. Pedro, sorrindo diz:- Jurandir, venha cá, por favor.

- O senhor quer alguma coisa? Pergunta Jurandir um pouco nervoso.

- Quero sim. Queria lhe fazer um convite, e não aceito um não como resposta, você me deve uma. Vamos para o desfile de modas no Centro de Convenções?

- Quando é? Essa pergunta Jurandir faz com raiva, por está cansado e ter acabado de sair do trabalho.

- Amanhã. Se você for lhe dou dois dias de folga.

- Já que você insistiu e é de seu agrado. Jurandir aceita pela proposta.

Pedro estava feliz por sua amiga de faculdade desfilar na primeira noite e antes de tudo eles batem um papo:- Rafaelly, estou torcendo que tudo vai dá certo.

- Você vêm só? Pergunta Rafaelly curiosa.

- Vou com um amigo. Responde Pedro preocupado com a pergunta.

- É gato?

- Acho que você não vai gostar. Aliás, você deveria está preocupada com o desfile. Ele é gente boa, porém é de outro nível, do jeito que lhe conheço.

- É verdade, mas vou gostar da sua presença e da dele também.

Sem saber ao certo que roupar usar, Jurandir teve que pedir uma roupa emprestada ao amigo desenhista Newton. Depois já todo no estilo, foi para o local do desfile, onde o esperava Pedro.

***

Tudo aconteceu muito rápido. Rafaelly se apresentou com roupas de frio e foi aplaudida de pé por todos os presentes. Jurandir não sabia da amizade entre Pedro e a jovem modelo. Com seus 23 anos e já sofrido e sem esperança de nada de muito novo acontecer na sua vida.

Ele permanecia com certo conformismo enrustido. Tendo o desejo de liberdade dentro de si e ao mesmo tempo sem forças pra lutar e medo de lutar por medo de perder.

Têm coisas na vida que programamos, outras acontecem por puro acaso da natureza. Rafaelly indo ao toalete e se depara com Jurandir, são segundos de olhares que se cruzam e se eternizam.

O magnetismo é tão grande que as bocas se encontram e as mãos se acariciam, os corpos se envolvendo docemente num clima de amor que explode em alegria.

Na volta ao trabalho de peão, Jurandir é só animação. Parece que um raio caiu na sua cabeça e ele acordou em um planeta estranho. Assim aconteceu o inesperado, uma das suas ferramentas de trabalho cai e quebra sua perna em pedaços.

Logo aparece a ambulância e o leva ao pronto socorro, onde é operado e colocado pinos nos locais onde aconteceu o deslocamento.

Pedro, atendendo ao pedido de seu amigo e funcionário Jurandir, passa na casa de Newton e o leva ao hospital. Rafaelly que em breve vai viajar para Paris aproveita a carona e vai junto.

Newton é o primeiro a entrar na sala e alegrar seu amigo com suas piadas e molecagens. Pedro junto com Rafaelly entram na sala logo em seguida. Parece até um filme de romance, ou uma cena de novela, ou até uma ficção interplanetária.

Os mesmos olhares,as caras assustadas, dúvida, o medo, um olhar de carinho e mistura de sentimentos dos mais complexos. Jurandir e Rafaelly se desejam e se descobrem:- Você é o amigo de Pedro do dia do desfile? Pergunta a jovem modelo.

- Sou eu. Responde Jurandir ainda em estado de exaltação.

- É já se conhecemos há bastante tempo. Que coincidência, ele me falou de alguém que levaria ao evento de modas e nem imaginava que era você. Fala Rafaelly muito emocionada.

- Nem eu, que coisa diferente.

A conversa continuava e dentro dos seus corações e pensamentos, a certeza de que havia um longo caminho a percorrer, barreiras a derrubar. Será que a família de Rafaelly, aceitaria um romance com um peão?