O desconhecido

Fiz chapinha, coloquei um batom vermelho-sangue nos lábios e fui para a janela. Ele iria passar dali a pouquinho. Preparei toda uma pose de mulher fatal, joguei os cabelos para o lado, ensaiei um olhar misterioso, de felina pronta para o ataque.

Meu amor obsessivo, minha paixão avassaladora. Eu nem sabia o nome dele. Só sabia que era lindo. Dias e noites sonhando acordada com um homem que não sabia que eu existia. Nunca havíamos nos cruzado na rua e nem o olhar do moço jamais havia cruzado com o meu.

Até aquela tarde. Pois naquela tarde, o olhar daquele príncipe perdido iria ser atraído direto para a minha direção e ele seguramente - eu não tinha a menor dúvida - se apaixonaria enlouquecidamente por mim.

Enquanto eu contava os minutos para que ele apontasse na esquina, lembrei de quando eu o vira da primeira vez... Eu estava ali, no mesmo lugar, na bendita janela. Lixava minhas unhas (eu sei, não é muito chique fazer as unhas em público), mas eu pouco me importava com isto até então. Aí ele apareceu do nada. Assim, do nada. Atirei a lixa para o chão, esbugalhei os olhos e o meu deus grego passou por debaixo da minha janela, com a cabeça erguida, olhando para frente, sem se dar conta da minha existência.

Desde então ensandeci. Elegi-o para homem da minha vida, mesmo sendo uma mulher invisível para ele. Tive sonhos incríveis com minha paixão platônica, fantasias mirabolantes, formei família, criamos nossos filhos, enfim, todas estas coisas que nós mulheres independentes sonhamos mas que não contamos para ninguém para não parecermos ridículas. E eu nunca mais o esquecí.

Passadas algumas semanas de amor platônico, eu decidi partir para o ataque. E o ataque seria naquela tarde.

Aí ele surgiu. Apareceu na minha esquina preferida, lindo como nunca. Ops! Fiquei pálida. Desta vez ele não estava sozinho. Ao seu lado, vinha uma loira exuberante. Mãos dadas, olhares carinhosos entre eles.

Meus primeiros segundos foram paralisantes. Os próximos foram de ação. Arranquei o batom vermelho-sangue dos lábios com a manga da minha blusinha transparente e reativei a minha falecida lixa que estava ainda jogada no chão. Quando ele passou pela janela, eu estava lixando minhas longas unhas de mulher-gato, enfurecidamente. Talvez finalmente eu tenha chamado atenção dele (seria pelos lábios ligeiramente borrados?) tal o olhar intrigante que o desconhecido me lançou. Não tive duvidas. Virei o rosto, arrogantemente, como se ele fosse um nada, um verme. Porque, afinal de contas, eu sou mais eu.

Só tenho a declarar que minha arrogância valeu a pena. Ele largou a loira da coxa grossa e hoje faz serenatas de amor na minha sacada. E eu nem precisei mais fazer a chapinha.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 29/08/2009
Código do texto: T1781763