MEU PAI, UM BANDIDO!


        Naquela manhã nublada, pois havia chovido na madruga, olho e leio,como sempre faço todos os dias, o jornal diário da minha região. A capa colorida em vários tons e com manchetes sublinhadas, tinha uma noticia, que chamou-me a atenção:
         Morre no Presídio Regional, de parada cardíaca, o famoso assassino J. Silva, aos 54 anos. Seu corpo será sepultado no Cemitério Ecumênico, as dezessete horas deste sábado, porque em face da ausência de familiares ,o corpo não será velado. 
        Não tivesse acompanhado o desenrolar dos fatos e acontecimentos na época, essa manchete não teria me chamado tanto a atenção; ainda mais, que eu conhecia uma das vitimas. O relógio da sala, bateu 8;00 horas , eu tinha um compromisso as 9;00, que por coincidência, seria na secretária da administração do Cemitério . Sai de casa e por grande parte do caminho, estive  com os pensamentos fixos naquela noticia inesperada.  Várias imagens vieram a cena e pareceu-me ver o veredicto do juiz na época: Culpado!
      Ao cruzar o portão do cemitério, incontinente, olhei para o obituário que fica a direita do hall de entrada e, para minha estupefação, ali estava o nome de J. Silva, indicando estar sendo velado na capela n 4.  Dirigindo-me à mesma , fui procurar saber o que tinha acontecido para que houvesse o velório, pois todos que conheciam o fato ,sabiam que ele não tinha mais família ou parentes, para arcar com os custos.       
       Entrei na capela e vi um jovem senhor, debruçado sobre o caixão daquele que fora considerado um criminoso cruel, sanguinário, chamado J. Silva. O choro convulsivo , mas silencioso ,tocou-me fundo n’alma e como não vi mais ninguém , dirigi-me até ele e com voz baixa lhe perguntei:
    - Moço! ...O que ele é seu? ... 
    - Meu querido e amado Pai!
    Impressionado com a resposta e as lágrimas que escorriam do rosto do jovem , retruquei:
     - Eu não sabia que ele tinha filhos, apenas que a mulher havia ido embora do Brasil, logo após o julgamento.
     - E verdade Senhor  eu ,minha mãe e meus dois irmãos, fomos morar no Canadá, assim que papai foi para o presídio, e nunca mais soubemos noticias dele. Aliás,... até o mês passado, quando ela estava ainda no hospital e, antes do derradeiro suspiro, nos falou sobre ele e nos contou onde estava esta carta que tenho uma cópia em minhas mãos.  Vim o mais rápido que pude, prá tentar liberta-lo, mas ao chegar no aeroporto li a noticia da sua morte.  Mostrei a carta autêntica ao diretor do presídio e ele na mesma hora ligou para o Juiz, conseguindo a liberação do corpo  para que eu pudesse ao menos dar-lhe um enterro decente.  Se o Senhor quiser ler a carta eu tenho uma cópia comigo. Mas sinceramente como o Senhor, se mostrou tão gentil e interessado, eu gostaria de lhe contar com detalhes o que realmente aconteceu ,naquela fatídica noite de 14 de maio de 1989.
       Sentei-me ao seu lado, e consenti com um leve acenar da cabeça. Senti,naquele momento,que iria ouvir a versão real, sobre tudo o que havia acontecido. Não me enganei!...Foi sem nenhuma dúvida uma das mais belas histórias de amor e desprendimento que eu já havia ouvido ou lido em toda a minha vida. O silêncio da capela ficou mais sútil quando o jovem Senhor leu a carta entre pausas ,lagrimas e soluços:
    - “Meus queridos filhos, vocês sabem melhor do que ninguém o quanto eu os amo, amei e amarei, por toda a minha vida. Mas,por estar pressentindo o dia da minha morte e conforme a vontade de seu pai, quero confessar -lhes algo de suma importância.  O José, seu pai, é o melhor e mais maravilhoso homem que Deus me privilegiou conhecer. Saibam então, que quando vocês ainda eram pequenos,nós tivemos a nossa casa invadida por dois jovens drogados e um deles me violentou . Enquanto eles foram procurar dinheiro e minhas jóias, aproveitei seu descuido e peguei o revolver que seu pai costumava guardar na gaveta do balcão da lavanderia. Quando eles voltaram ,fingi estar inconsciente e, ao sentir que seria violentada pelo outro marginal, apontei o revolver e atirei . Os dois não tiveram tempo de nada, tal foi a surpresa que tomou conta deles. Foi morte quase instantânea , pois em um deles acertei na jugular, e no outro a bala transfixou o coração.  Por ser filha de militar e enfermeira, posso lhes garantir que : os dois estavam mortos quando seu pai chegou. Mas ele com a maior tranqüilidade pegou o revolver e deu mais dois tiros na direçao de cada um sem acertá-los. Sabia que os vizinhos chamariam a policia e enquanto ela não chegou, fez com que eu jurasse em nome de Deus, e do nosso amor, que eu não iria assumir a morte dos jovens, pois para todos os efeitos ,ele tinha matado os dois. Sabia ele também que, por serem filhos de um famoso agente policial, os problemas seriam terríveis e com possiveis represálias.  Fui obrigada a esconder vocês , mudar de país e em última instância, dizer-lhes que ele havia morrido. Ah!...não poderia tocar no assunto em hipótese alguma, mesmo que seu pai fosse condenado. Para todos os efeitos, ele é quem havia matado os dois rapazes. Disse-me também que vocês precisariam mais de mim, como mãe, porque eu poderia criá-los melhor do que ele. O resultado do julgamento foi o esperado, pois de nada adiantou a argumentação do nosso advogado. Os pais dos jovens eram muito influentes na comunidade e o que menos contava era, a invasão, o estupro que cometeram, ou se estavam sob efeito de drogas. Todos queriam justiça pelo “bárbaro crime”. Eu quiz confessar a verdade durante o julgamento, mas seu pai me implorou e me proibiu de contar ao nosso próprio advogado. Em nosso ultimo encontro ,já no presídio, pediu-me que viéssemos para a casa de seu irmão aqui em Toronto, Canadá.   Pedi perdão a Deus e rezei durante todos estes anos ,mantendo-me fiel à seu pai, na espera de que ele fosse libertado e pudesse vir para cá , pois veria os grandes homens que seus filhos se tornaram. Lamento muito meus amados, se isso não foi possível, mas agora vocês podem saber a verdade: a promessa de amor entre nós foi inquebrantável e só com a minha morte poderá ser revelada”. Assinado Mary A. Silva.
     Ao terminar sua leitura , as lágrimas haviam tomado conta de seu rosto e escorriam ao chão da capela.  Abracei-o e juntos rezamos um Pai Nosso. Foi nesse momento que começaram a chegar várias pessoas  que se identificaram como envolvidos com o caso J. Silva. Como eram inúmeras, posso citar alguns: O diretor do presídio com uma comitiva de guardas; o Juiz do processo e assessores da época; os advogados de defesa e acusação; os repórteres do jornal e grande parte daqueles que ainda vivos podiam prestar suas desculpas ao filho ou aos filhos e netos que acabavam de chegar unindo-se a nós em reverência a um grande homem e a uma bela e sublime história de amor, verdadeiro. Um amor capaz de sacrificar a liberdade pelo ser amado . Um amor como o de Jesus ,que deu a própria vida pela dos seus irmãos . Um exemplo de fidelidade e desprendimento material.
        Acabei ficando por ali e perdi a reunião marcada, mas valeu a pena , pois foi um balsamo para minha alma. Além disso fiz uma grande amizade com o Junior.   Após o enterro sai, e ao sair, pareceu-me ver a imagem dos dois amados, sorrindo  e me abanando. Voltei pra casa assoviando a musica: "Pai"  de Fabio Junior.

     José Silva, teve um funeral digno,e seu espírito, junto ao de Mary, assistiram tudo no outro plano,... de mãos dadas.  
 

            Esta é uma história de ficção e os episódios aqui narrados são mera coincidência com quaisquer nomes ou fatos . Mas bem que poderiam ser reais,como o amor de Jesus por nós e tantos casos assemelhados.   
Gildo G Oliveira
Enviado por Gildo G Oliveira em 11/09/2009
Reeditado em 23/02/2017
Código do texto: T1804308
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