O SILÊNCIO DE JOÃOZINHO

Joãozinho, beirando seus oito anos, seguido, pergunta a seu pai:

- Falta muito tempo para chegar o Natal?

- Falta sim, meu filho, mas porquê, quer tanto saber?

- Por nada não, papai!

Passaram-se vários natais e seu desejo não se concretizava. Revoltado, tornou-se um menino triste, infeliz. Não acreditava mais nas pessoas e nem tampouco sentia-se motivado a aceitar qualquer convite dos amigos. Estes também se tornavam, cada dia, mais raros.

O pai sempre preocupado com o silêncio e as atitudes do filho, inventava mil maneiras, para lhe agradar, mas nada o satisfazia. Até que um dia, tornou a dizer:

- Meu filho, se você, não falar o que está sentindo e não manifestar o que tanto deseja, ninguém conseguirá adivinhar:

(O sonho de Joãozinho, era passar o Natal em companhia de Letícia, a vizinha, filha de Caetano, o melhor amigo de seu pai.)

São colegas de escola. Um mais retraído que o outro. Trocam olhares tímidos e cheios de interrogações. Mas, nem sempre foi assim. Quando mais jovens brincavam juntos, menos no natal, quando Letícia e sua família viajavam para a casa dos avós.

Lembro-me, como se fosse hoje, do último encontro que tiveram. Os dois sorriam muito, correndo pelo bosque, caçando borboletas, escondendo-se atrás das árvores, abraçando-se cada vez que se encontravam. Numa dessas, Letícia empolgada pela emoção do momento, tomou Joãozinho entre suas mãos e roubou-lhe um beijo. Mal tocou-lhe os lábios, mas Joãozinho, sentiu o sangue ferver e sem jeito tratou logo de arrumar uma desculpa, para se safar da situação. Preciso ir, disse ele, voltaremos outra hora.

O que teria acontecido, ao menino, para não mais retornar...?

Letícia, continua se perguntando e voltando, todos os dias, ao bosque na esperança de reencontrá-lo.

Ao mesmo tempo sufoca-lhe o remorso de ter se excedido, naquele rompante eufórico. Teria ele se ofendido, a tal ponto, de romper um relacionamento tão lindo? Essas e outras indagações lhe corroem a alma, enquanto percorre mentalmente, todos os passos e ações, que possam lhe remeter a algum indício, que justifique uma atitude tão drástica. Mas o que seria? E se lhe perguntasse diretamente: Mas, qual nada, ele jamais abriria o jogo. E a situação poderia piorar ainda mais. Pelo menos, na escola ainda pode contar com seu sorriso e o brilho do seu olhar, mesmo que à distância.

Letícia percebe um abismo cada vez maior entre o que ela deseja transmitir e aquilo que Joãozinho, manifesta entender.

Quando Letícia se reúne com os amigos, Joãozinho fica olhando e demonstra ciúmes ao vê-los juntos. Acabando as pedras, atira tudo o que encontra pelo chão, em direção às nuvens, com tanta fúria, que consegue deixar a pobre Letícia, que disfarçadamente o observa à distância, sem ação e mais que isso, vai lhe abrindo uma cratera em seu coração, que na verdade só tem olhos para ele, mas, Joãozinho nem se dá conta, envenenado que está, pelos fantasmas, frutos, de sua própria imaginação.

Otávio, filho do Padeiro, o qual Letícia se encontra, todos os dias quando vai comprar o pão, também arrasta uma asa, por ela. Ele já é mais direto, vai logo falando tudo o que sente e não tem medo de ser mal interpretado. Ela também, se sente à vontade e juntos brincam até de formar um casal feliz, com filho e tudo, quando crescerem. Fantasias... Apenas fantasias... e isso os dois estão conscientes, mesmo porque Letícia, não pára de pensar no seu Joãozinho; mas como revelar isso a ele, se quando lhe roubou um beijo, ele se afastou e nunca mais a procurou?

Letícia tantas vezes, pediu a mãe que lhe preparasse o melhor lanche, deixava de comer, para colocá-lo, sorrateiramente, na merendeira de Joãozinho, só para vê-lo feliz!

Outras vezes o defendia com unhas e dentes diante de alguma injustiça.

Nas brincadeiras de roda fazia-lhe versos e os declamava com tanta veemência e emoção, que os colegas, chegavam a se emocionar.

- E ele o que sentia?

- Ninguém jamais soube... Nem mesmo Letícia!