TRAIÇÕES E ESPECULAÇÕES

- Você não me ama mais!

- Ah, pare de bobeiras...

- Mas o que você quer que eu pense? Todas as noites você sai com seus amigos, e volta tarde pra casa!

- Fique quieta! Eu tenho direito de sair dessa rotina inútil! E você ainda fala como se me amasse... Então pare de reclamar porque eu já estou indo... e não procure por mim! – e então fecha a porta com violência.

Agora ele estava ali tentando esquecê-la em um cabaré.

Ele não sentia mais aquele sentimento de começo de namoro entre cartas, flores e beijos. Agora era tudo fingido: mais um casal tentando disfarçar seu relacionamento acabado, demonstrando boa aparência para a sociedade. Mais um dentre muitos outros.

Começou a sonhar, e por influência de alguns amigos, passou a frequentar um cabaré à 3 quadras de sua casa.

A única regra desse cabaré era que todos usassem máscaras para não serem reconhecidos: assim suas identidades não eram prejudicadas e podiam levar sua vida social normalmente caso encontrassem alguma pessoa comprometedora.

O lugar tinha mulheres lindas, que faziam qualquer homem enlouquecer.

Porém seu motivo fosse mais nobre do que apenas uma fantasia ou desejo sexual: ele procurava lá não apenas uma amante, e sim o grande amor que um dia havia perdido para jóias, dinheiro, rotina, afazeres domésticos e até televisão.

Perguntava-se se também tinha errado, se em algum momento deixara de amá-la, e ela por sua vez tivera se afastado sentindo-se trocada pelo trabalho, negócios, jogos de cartas, bebidas e noitada com os amigos.

Toda noite ele saia de casa, ia ao cabaré e sentava-se no mesmo lugar em frente ao balcão, onde tomava altas doses de seu daiquiri de pêssego e limão, de onde observava as lindas mulheres em seus provocantes trajes, servindo os clientes e colocando o dinheiro que recebiam no meio de seus decotes arrojados, ao som de um piano animado. Também observava o frequentador veterano que estava dois assentos ao lado, sorrindo enquanto bebia e admirava as mulheres do clube de strip jogando suas peças íntimas para a platéia.

Enquanto isso, pensava: e não era ali onde sua esposa gostaria que ele estivesse? Se não podia achar o que queria dentro de casa, procuraria fora. Ela não havia o amado o suficiente e agora estava colhendo o que havia plantado. Talvez estivesse tendo um caso com outro, ou quisesse logo que o casamento acabasse para se ver livre dele, talvez não mais o desejasse. E ainda posava de vítima, reclamando de suas saídas e dizendo que o amava... Amava??! Isso ele não podia aguentar... era a gota d’água... esta noite a trairia... não somente de corpo, mais de alma também. E a oportunidade acabava de surgir diante de seus olhos.

Uma bela mulher começava a se aproximar... era alta, com cabelos castanhos presos e com finas mechas levemente onduladas caindo por suas costas e seu rosto. Usava luvas negras, trajava um vestido vermelho muito sensual, meia arrastão com cinta-liga, e as jóias realçavam ainda mais sua beleza natural. Seus lábios carnudos cobertos pelo vermelho sangue do batom, despertavam-lhe certo interesse. Como todos os que se encontravam lá, usava uma máscara para tampar-lhe a parte dos olhos, acrescentando uma dose a mais de mistério.

Não sabia dizer se já a tinha visto ou se era a primeira noite que a reparava.

Ela passou normalmente por ele, escondendo a face entre o leque, jogando um certo charme discretamente, e o seduzindo com os olhos.

Por um impulso, ele a seguiu, e quando se deu por conta já estava subindo as escadas para o segundo andar.

Ela abriu a porta sem dizer uma só palavra, ele sentou-se na cama. Ela o beijou e ele sentira o que não sentia há anos. Mas ainda estava curioso... queria ver o rosto daquela mulher que talvez jamais tornaria a ver... aquela mulher que, de certo modo, mexeu com os sentimentos dele, que o fez por um segundo acreditar em amor a primeira vista...

No entanto, foi ela quem tirou a máscara dele. E qual foi seu espanto ao descobrir quem era... pois também já o conhecia.

Sem hesitar, deu um tapa em se rosto, e saiu correndo. Ele, sem entender nada saiu para fora do aposento a procurando com os olhos, quando a viu tirando a máscara e arrancando a peruca, revelando-se loira de cabelos cacheados... mas o que estava acontecendo não podia ser verdade... a mulher por qual se interessara era... sua própria esposa!

O que estaria fazendo ela por ali?

Ele pôs-se a correr atrás dela, ainda abismado por ter se interessado justo por ela. Agora, também queria uma explicação! Aliás, ela lhe devia ao menos isso.

Saindo do cabaré, a noite estava gélida, e antes que ela fugisse, ele a agarrou fortemente pelos braços.

- Por que isso...? Você... Você tem trabalhado aqui enquanto não estou em casa?

- Não, eu não trabalho aqui.

- Então o que faz num cabaré a essa hora vestida DESSE jeito?!!

- Eu estranhei você não estar dormindo mais em casa. Certa noite, decidi te seguir... e descobri que vinha aqui, mas continuei agindo normalmente como se nada tivesse acontecido.

- Por quê? Você não se importa mais com a nossa relação? Ainda achou normal o que ando fazendo??!

- Me importo tanto quanto você... Mas ao contrário... eu ainda via esperanças em nosso casamento. Era só questão de apimentar as coisas... Resolvi então jogar o seu jogo: se procurava uma mulher de cabaré... iria ter uma... resumindo: queria provar para você que ainda tenho seu coração na palma de minhas mãos e que ainda tenho tudo aquilo que te conquistou há 7 anos atrás...

Ele ficou pasmo. Nunca percebera que sua mulher era tão esperta. E de repente se deu conta: aquele mulherão na frente dele era DELE! Sua mulher! Apenas dele e de mais ninguém. Nem mesmo ele sabia ao certo quando havia perdido esse sentimento por ela... Mas tinha total certeza de que ele acabava de renascer aquele instante.

- Mas por que o tapa?

- Oras, você mereceu...

Ele faz um breve silêncio, deixando os murmúrios da noite tomarem conta do lugar... Mas não podia guardar aquilo para si mesmo... tinha que tirar a agonia de seu peito:

- Você ainda senti por mim am...

Ela colocou os dois dedos em sua boca, impedindo que terminasse a frase.

- Não pense que não me machucou com isso tudo...você me abandonou por um bom tempo, me excluindo da sua vida e fazendo me se sentir como um fantasma, uma inútil... Embora muitas coisas tenham acontecido... eu ainda acredito em você, naquela pessoa que conheci no passado, e naquele homem que encontrei no cabaré há alguns momentos atrás... mesmo assim... Não diga ESSA palavra...pode ser cedo demais para menciona-la... agora devemos viver em busca constante dela, para que jamais morra... Além disso, não é preciso que digamos com a boca aquilo que é dito apenas com o silêncio do coração.

Ele não aguentou mais e a trouxe para perto de seu corpo a envolvendo: fazia tempo que seus corações não se juntavam em uma única batida... Talvez nem tudo estivesse perdido...

Mariana Ayala
Enviado por Mariana Ayala em 09/11/2009
Reeditado em 25/03/2022
Código do texto: T1912967
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