CENÁRIO

Cenário

Escolhiam sempre aquela montanha para namorar ao pôr-do-sol. Cada um vinha de um lugar oposto: sua própria casa. Ela vinha de bicicleta, ele vinha de moto. Chegava ele sempre primeiro, mas, ela ainda,quando subia a entrada íngreme, podia ouvir o ronco da sua moto riscando o silêncio da tarde queda. Sorria-lhe logo o avistava, cansada arfante, iluminada pelos raios do sol. Abandonava a bicicleta, jogando-a com violência pelo chão, chegava mais para junto dele na moto, e admirada da sua beleza, entregava-se a seus braços.

----Lembra-se quando éramos criança?

Perguntou ele, com olhos diretos no sol que parecia descer por trás das montanhas azuis longínquas.

----E vínhamos aqui, fugindo ambos da ira de nossos pais.

Ela suspirou, aconchegando e ainda mais em seus braços, não respondendo nada, encantada por estar confortada nesses, longe de casa, do barulho da rua. Ele continuou falando, com terna simpatia sobre a beleza do acaso, sobre seus momentos de infância. Mas parecia que só ela assistia ao pôr - do- sol, por que ele destinava-se a falar.

--- Diga-me, sua mãe... O que ainda pensa de mim?

Agora ela pareceu com alguém que havia ouvido uma pergunta.

--- O que me indagas?

Ele virou-se para ela, com cenho franzido, embora sorrindo.

---Então não ouvistes o que te perguntei?

---Desculpe-me, mas ando meio aérea, deve ser... Olhou-o com languidez, as faces coradas (desculpa-me o dourado do sol fugindo)... Paixão.

Beijou-a de imediato pegando-a de supetão. Então não eram namorados? Agora já eram. Esqueceram o cenário, o cenário vivendo e os envolvendo de luz o beijo longo e duradouro. Mesmo satisfeitos de felicidade era preciso parar, porque o sol descera por trás das montanhas enchendo a atmosfera da sua luz crepuscular.

Ainda abraçados, ele segurando-a pela cintura, ela segurando-o pelas espáduas assim ofegaram satisfeitos talvez.

Afastaram - se com parcimônia como que com medo de se separarem para sempre.

---Não se esqueças de me ligar: --- falou ele com brandura já subindo na moto. Ela erguendo a bicicleta montando sobre ela, equilibrada no celim, olhou-o mais uma vez e partiu sorrindo,descendo a estrada íngreme e um pouco escura, ouvindo já distante cair, sabendo ser do outro lado o ronco da moto dele.

Ele sabe que mal chegará a casa e o telefone dele tocará, nem dando tempo de ele terminar seu banho, beijar sua esposa que fizera uma torta de frango e seus dois filhinhos que choravam para não jantar

RODNEY ARAGÃO