O Buquê de Flores

Completava o décimo sexto aniversário sem muitas pompas. Joana, filha de um modesto artesão de Todos os Santos, acostumara-se desde pequenina à rigorosa economia familiar. Para a festa, Seu Mariano havia encomendado para a filha um belíssimo vestido de renda, todo estampado com flores que se desenhava harmonicamente à frágil e delgada silhueta da moça. Não obstante, a sala rendeu-lhe copiosos elogios que viam de familiares e de alguns amigos da vizinhança. A festa em si, ao exemplo dos anos anteriores, dava-se ao redor de uma pequena mesa sobreposta com alguns quitutes e um suculento bolo de chocolate, feito especialmente pela menina. E ela, garbosa com seu vestido esvoaçante, recebia os convidados com uma satisfação desmedida que mesclava graça e alegria nos seus olhos.

- Veja como é bela, meu pai! – sussurrou Rodrigo com os olhos na pequena.

- Comedimento, meu filho. Comedimento. Respeite a casa de Seu Mariano.

Seu Vicente, em seu íntimo, dava razão ao filho. Joana tinha uma dessas belezas dotadas de virtude e candura. Era uma moreninha cujo frescor da juventude mostrava um halo intenso, mágico sob a vista do mais descrido homem.

Lá pelas tantas, antes de se consumar os vivas da comemoração, bate a porta um rapazote com um buque de flores em punho. Era ainda um menino com seus onze, doze anos. Ao se abrir a porta, pediu licença e dirigiu-se atabalhoadamente à moça de vestido rendado.

- Dona Joana?

- Sim, menino! O que foi?

- Trago essas flores do...para ti.

Deixando o buquê, o menino franzino saiu pela porta como um raio, vermelho de vergonha. A pequena recebera graciosamente as flores, como era de seu espírito e, longe dos outros, procurou o bilhete. Achou um pequeno rolinho sem assinatura: - “Morro de amores por ti”.

Não desconfiara por um segundo de que se tratasse de uma peça do moleque. Pensou em Rodrigo que, sabia ela, tinha seus delírios amorosos. Suas suspeitas foram por água abaixo assim que voltou à sala e viu o pobre Rodrigo com um olhar de ódio. Em poucos instantes, o rapaz levanta-se e se vai sentar junto à aniversariante.

- É Joana, parece que você tem um admirador secreto...

- E eu tenho certeza que foi você quem escreveu tamanha...

- Não tente disfarçar. Eu sei que você gosta de outro. Eu sei! –

Sentenciou o menino inconformado, atirando fogo pelas ventas.

Seu Vicente, que vigiava o filho prudentemente, inventou um motivo para irem embora. Não queria ver uma briga no aniversário da filha de um amigo.

Dia seguinte, na escola, ouve de Clemente, seu professor de História: - “Você recebeu as flores?” A pequena empalideceu. Não sabia o que responder a um admirador tão mais velho. A verdade é que Joana nunca havia namorado. Se em alguma circunstância tivera um beijo roubado foi ainda nas claras inocências dos anos. Um homem, como homem, nunca tinha cogitado. Virou a cara para o professor na primeira oportunidade.

O tempo foi passando e a idéia de tão lustrosa pretensão parecia-lhe tentar os miolos. Ela tinha sonhos. Casar, fazer a faculdade e ter seus filhos. Ora, o professor já não mais era um menino. O que poderia ela esperar?

Passaram-se meses deste ocorrido e tudo parecia voltar à normalidade. Eram a mesma escola, os mesmos amigos, os mesmos professores. Mas Joana não mais era a mesma. O professor, após recusa tão direta, contivera-se no silêncio que lhe cabia. Mas ela, ela não. Fixara a idéia de namorar seu professor com tanto afinco que sonhava com o casamento. Certo dia, ao término da aula, foi direta:

- O senhor é casado?

- Joana, creio que este não é o momento apropriado de...

- É ou não casado? – berrou a menina sem paciência.

- Sou casado.

A menina, com os olhos lacrimosos sequer esperou a resposta do pobre professor para arrancar-lhe à força um beijo daqueles. Assim, desmanchada e chorosa sob seus próprios sentimentos, Joana disse que não o haveria de lhe esquecer. Que aquele buquê, que aquele bilhete faziam parte de sua vida. Clemente, quase ciente de seu dever, tratou de rejeitá-la, mas com tão pouca veemência que a menina deu cabo de um segundo beijo. Com mais fome do que o primeiro, fome de amores.

Não tardou e ambos saíram da escola para conversar num local apropriado. Ele contou tudo. Disse que era casado, que possuía uma filha, e todas estas conversas de cafajeste arrependido. Ela, perturbada pelo doloroso sentir que trazia consigo, tratou de cortar-lhe as palavras. Disse que não se importava. E que queria tê-lo do mesmo modo.

Confuso, o pobre homem não sabia mais se expressar. Em palavras lânguidas e desconexas, disse que anularia o casamento. Disse que esperaria a menina terminar os estudos e que se casariam na primeira oportunidade. Contudo, por hora, pediu discrição. Era imperioso que se mantivessem as aparências.

Passaram a se encontrar às escondidas, depois da aula. Ao pai, a moça inventava trabalhos, provas, estudos. À mulher, Clemente inventava trabalhos, provas, estudos. Eram as mesmas desculpas. Ao ver-se pressionado, o mestre aceitou um capricho da moça: foi falar de suas intenções com Seu Mariano.

O pai, zeloso com a filha, tratou de enxovalhar o rapaz porta afora. Não aceitaria ter uma filha que fosse amante de um homem com o dobro de sua idade. Não obstante, tirou-a da escola sem tornar público os motivos que lhe levaram a tamanha decisão.

O professor, com medo do que daí se seguiria, pediu afastamento. Manteve-se casado e, segundo ele, feliz. A pobre Joana não teve a mesma sorte. Rendeu-se aos caprichos de Rodrigo, seu velho pretendente, e com ele se casou, grávida de três meses.

Hoje, dizem, tem uma vida normal. Após o terceiro filho, dedica-se inteiramente à família. Rodrigo, graças a Deus, tornou-se funcionário público. Conheceu Inês, conheceu Beatriz, conheceu Natacha. Mas não conheceu ainda – e talvez não venha a conhecer – o frágil coração de sua esposa. Aquele buquê de flores havia-lho emoldurado. Não era nada. Não foi nada.

Apenas a recordação dos anos.