MEU CARNAVAL

José Arnaldo Lisboa Martins

Confetes e serpentinas caiam ao derredor da mesa, enquanto o garçom me trazia um outro litro da bebida que me distanciava do torvelinho da folia. Tudo já estava girando em torno de mim, como se eu estivesse num dos carrosséis da minha infância. Naqueles momentos, eu sentia a falta da minha mocidade e queria que o tempo recuasse até ela, quando tudo era alegria e os gritos simbolizavam o vigor e a liberdade. O sofrimento me atormentava. Estava no Clube Fênix e era o último dia de carnaval. Meu ardente desejo, era que meu amor também “renascesse das cinzas”, como a Fênix dos desertos. Eu queria fugir daquela realidade e cada dose que eu tomava, sentia meu coração palpitar com mais intensidade, como querendo me levar com pressa, para o inferno. A orquestra tocava o “alá...lá ô”, “o vassourinha”, o “máscara negra” e outras músicas, mas, nenhuma me trazia a Letícia para minha mesa. A bebida me mostrava pessoas fantasiadas de satanás, como se estivessem zombando de mim. Onde estaria a minha deusa que, rompeu nosso namoro, poucos dias antes do carnaval ? Ninguém me dizia ! O amigo que estava comigo, queria me levar para casa, onde eu poderia diminuir meu sofrimento. Eu insistia em ficar ali, pra ver se a Letícia passava. Mesmo mascarada, eu a conheceria pelos cabelos, pelas mãos macias, pelos lábios e pelos seus bonitos olhos. Onde estaria ela ? Ninguém me dizia !

Senti um jato frio de lança-perfume nas minhas costas e vi que foi um outro diabo como eu, na mesma situação etílica. Eu via o salão rodar e as máscaras se misturarem, como se estivessem na entrada do inferno, para me recepcionarem. Baixei a cabeça e procurei apoio para ela nos meus braços. Por sob a mesa, enfeitada por bebidas, confetes e serpentinas, eu vi no chão uma foto e me baixei para apanhá-la. Era a foto de Letícia, caída do meu bolso. Foi um lenitivo, mas, eu queria ela em pessoa, bela, sorridente e me fitando, como fazia antes. Eu queria que aquela última noite de carnaval, se transformasse na minha entrada triunfal no paraíso. Beijei seu retrato várias vezes e me deu vontade de pular e sair derrubando mesas, cadeiras e empurrando os foliões, felizes com seus amores.

Peguei um lança-perfume e ensopei o lenço. Cheirei profundamente, enquanto via o salão continuar girando. Eu via as máscaras se voltarem todas para mim, numa zombaria infernal. Tomei outro porre, depois outros e via o mundo desabar sobre mim. Amigos que passavam, me cumprimentavam, sem saberem do drama pelo qual eu passava. Eu queria encontrar Letícia, para voltar a ser feliz. Ao tomar outro porre do lança-perfume, no lenço já encharcado, eu senti uma mão em meus ombros. Eu não queria ajuda de ninguém, principalmente, daqueles focinhos risonhos, mas, levantei a cabeça pesada e, no meio daquela balbúrdia, deu para ouvir uma suave e melodiosa voz, dizer no meu ouvido: -“Arnaldo, isso ofende ao coração”. Pensei comigo: -“Pra que quero mais coração, se ele já está despedaçado ?”. Abri totalmente os olhos, tentei me equilibrar e me virei para ver quem era aquela médica de corações. Era Letícia, de corpo e alma. Olhei bem para seu lindo rosto que, mesmo suado e enfeitado por confetes, mostrava um sorriso angelical. Inicialmente não acreditei, mas, era mesmo Letícia ! Segurou-me para eu não cair, me deu um beijo e sentou-se comigo até o amanhecer. Dalí em diante, aquele que estava sendo o último dia, passou a ser o primeiro do MEU CARNAVAL.

Em tempo: Agradeço os aplausos e incentivos: do matagrandense Hercílio Freitas, do Dr. Gustavo Cruz e da minha queridíssima irmã, Maria Cleone.

Obs: Este conto foi publicado hoje, 11/2/10, no Jornal EXTRA

José Arnaldo Lisboa Martins
Enviado por José Arnaldo Lisboa Martins em 11/02/2010
Código do texto: T2082443