Nas Esquinas da Noite, Memórias de Ti

Ontem descobri que certamente temos algo em comum, o sempre gostar do inusitado que uma noite qualquer pode oferecer ao acaso num ocaso do dia.

Por assim ser sai ao teu encontro, ora no brilho das estrelas, ora no luar que acena em sua quase plenitude. Sei que de nada adianta, pois no deslizar do tempo continua forte no silencio do meu íntimo.

Encontros que agora precisam de novas ambientações, sons, cores, é certo que as sensações mudaram, mas é ingável, as lembranças são ainda devastadoras.

Sinto o desejo de viver novas emoções e me ponho pronta para isso, tento perceber as belezas, a leveza que por certo se abrigam nos superficiais encontros.

Ainda é um tempo que o olhar navega nos espaços da mente muito mais que naqueles que se cruzam. Inúmeras vezes procuro afastar o que emerge da memória, nem sequer ainda ensaio sorrisos, apenas rio para constar nos momentos que vivencio.

Ontem naquela esquina, eu contemplei o mundo, as coincidências que por certo me fazem sentir tão perto de vocé e me pergunto: quem ousará me despertar em tudo isso de novo? Hoje tenho quase certo que nunca mais conseguirão, e isso nada tem a ver com o permitir ou não, mas são tantos os requisitos que preciso ver preenchidos, afinal de quantos vazios se fazem uma perca? Imagino que sejam incontáveis.

A despeito disso ponho-me a disposição do ter que recomeçar, do ter que enxergar as belezas antes sentidas apenas ao imaginar seu sorriso e seus olhos cinzas presos no éter a lembrar de mim.

Continuamos nesta esquina da vida em comum, porque sei que só você por agora e neste instante enxergaria a vida e as pessoas com a profundidade que as advinho sem que necessariamente isso fosse de suma importância, mas tão somente pelo prazer de mergulhar no âmago das pessoas.

Lembra do nosso interpretar de maquiagens borradas, e toda a vida que desenhávamos daquelas mulheres que por certo dedilhavam nos copos as lembranças da vida nos bares transeuntes onde íamos

E dos velhos que sentavam a nossa volta contando histórias de seus tempos e impressões de suas trajetórias, da admiração que sentia por mim por eles logo perceberem-serem tão cúmplices do meu jeito enternecido ao ouvi-los?

Lembrei-me também daquela moça que uma vez pediu um drink, e que depois de conversarem sobre o tudo e o nada você fugiu do momento, e erguendo-me um brinde de longe , diante do olhar estupefato da moça, gritou ao mundo: existo, você existe e que sejas você meu eterno amanhã.

O que faço desta paixão, eterna caminhante do meu ser? Ponte que me liga a você e sempre me faz retornar aos seus momentos?

Embrutecida ainda pelo silêncio do adeus, na quase mágoa que nunca permiti se instalar de todo, busco os porquês, na verdade sem nunca entender que vício é este que alimento e que me leva sucumbir em alguns instantes, você vive? E se vive como ousa continuar sem mim?

Que fez do amar despudorado, em que colo descansa sua infernal forma de viver, quem ou o que o machucou e que para tão longe o levou?

Que faço agora com as lágrimas que não deito à sarjeta? Escuto seu eco desesperado, dedilhando nas esquinas do seu mundo um violão e meu nome, sim, pensa em mim, eu sei que sim.

E só neste momento cúmplice ao abrigo livre de um céu negro, não como aquele deserto de veludo, não mais, mas sei que não gosta de saber, mas tenho aquele velho medo do caminhar sinuoso sem você nas esquinas da vida, mais eis-me aqui mais uma vez, esgueirando-me nas sombras da noite.

E você dizia para não sentir medo porque sempre estaria por perto segurando minha mão, mesmo na ausência a me guiar e a lembrar que nos abrigava o cheiro dos campos de hortelãs onde antes parávamos o carro e alucinadamente ouvíamos o barulho do mar, ensandecíamos embriagados em nossa própria paixão de amar ao relento.

Que faço de tudo isso que se esvai em palavras? Já não sei como sublimar. A sua ausência é feito chaga aberta, não há tecido que ela não rejeite, insiste apenas para lembrar que permance em mim assim. Só você em seus sopros milagrosos e a minha vontade inescrupulosa de nunca desertar, que me faz i

seguir, mas como me custa.

Ainda continuo feito vulto da última janela onde dizias, dança comigo, enquanto tentava apagar no calor gelado da tequila as cenas grotescas que me fazia ver, através de seu olhar ante o cenário catastrófico que vivia.

Que saudades de sua voz gritando alhures o meu nome e dizendo do seu incrível amor por mim, eu era, como dizias A TAL, ou estava para ser e isso era amanhã eternamente.

Contemplo o céu mais uma vez e vejo a lua, como nós, imperfeita e inteira a compor esta paisagem celestial, abrigando este insustentável instante. Que geografia é esta que abriga nossos encontros assim, de olhares ternos e cúmplices, mas perdidos no nada, que seria nosso tudo.

Penso calada a imaginar sua voz, ocorre-.me que é mesmo assim, riscos no silêncio do meu ser, mas que me mantém incrivelmente viva para você, porque ainda acredito no tempo e no local em que viveremos, embora que apenas aqui dentro de mim.

Acode-me agora do quase soluço, o acalento do violão, lembra daquela música em que dizia? "Imaginei-te toda feita de areia e mar,..."

Tudo é talvez em minha vida, mas você não, por que será que a solidão que abriga o mundo não é assim dentro de mim, quando nesse momento o encontro?

Será que é a tal afinidade que sei que temos? Afinal somos atados por qual compromisso? Quando nunca mais, nunca mesmo nos prometemos nada um ao outro a despeito de nossa capacidade de inteira doação mútua? Por isso dizia somos feitos e refeitos em cada manhã.

Sei que neste adormecer de sentidos a que me permito lentamente, você não dorme nas minhas lembranças, e quando me lembro disso paro?

Prefiro despertar a pele com palavras evocadas das recordações, construo com maestria a nossa sinfonia, lembra da orquestra inteira, onde tocávamos todas as grandes obras e, invariavelmente, nós nunca precisávamos de um primeiro violino, porque ele era os tantos acordes do brilho, olhar e sorrisos que a nossa simples presença sentenciava ao instante, a maior sinfonia era a nossa, éramos nós em comunhão com o próprio universo.

Que pontes me ligam a você? Talvez nunca venhamos, a saber, não é?

Então foi assim, isso ontem quando a noite chora por dias indeterminados pela manhã que lhe fora roubada.