Final Feliz

Cantar... é o que ela sempre quis. Ser um escritor sempre foi o meu sonho. Engraçado como as coisas acontecem... Estava brincando de escrever um poema em um domingo desses na beira do rio e o vento levou a folha das minhas mãos (de propósito, talvez) e ela acabou pegando.

Fiquei muito sem jeito quando ela começou a ler, mas depois de passar alguns segundos concentrada no papel, sorriu para mim e me devolveu, depois pegou o violão que estava nas suas costas e começou a cantar a poesia que eu acabara de escrever.

A letra parecia muito mais significativa daquele jeito. Foi naquele momento que percebi o quanto era sozinho e o quanto viver sem ninguém do meu lado me incomodava. A voz dela me deixava arrepiado. Nunca senti algo assim.

Quando parou de tocar, ela murmurou algumas coisas para si mesma e depois voltou a atenção para mim:

- Ficou legal, não ficou?

Minha voz parecia que não ia sair:

- É... Ficou lindo.

- Precisava de uma letra para essa música. Que acha de fazermos uma parceria?

Mostramos o resultado, um tempo depois, para um produtor amigo dela e ele ficou fascinado. Queria mais e queria já. Já sonhava com vendas de CDs, DVDs, shows, programas de rádio e TV.

Fomos contratados e virei compositor. Ela fez um sucesso estrondoso. Milhões de fãs. Shows em toda a América Latina, indicada como a revelação do ano. Ficávamos cada dia mais próximos. Eu compunha as letras e ela a melodia. Nos completávamos.

Mas, eu nunca aprendi a me expressar fora do papel. Não conseguia olhar nos olhos dela e dizer uma simples frase: “Olívia, eu te amo”. Então, escrevia músicas cada vez mais apaixonadas. As melodias ficavam cada vez mais envolventes também. Acho que ela tentava me dizer algo também. Ficamos por muito tempo nesse diálogo estranho, mas apaixonado.

Então, chegou o grande dia. O maior show de todos, no Morumbi. Lotado, nem mesmo um mísero assento sobrando. Estávamos eufóricos. Em uma semana, seria anunciada a premiação do Grammy. Olívia era a maior favorita para o prêmio.

Foi aí que aconteceu... Ela começou a tocar nossa primeira música. Tinha um solo de violão no início, que fez muita gente deixar escapar algumas lágrimas (eu, principalmente). Quando ela abriu a boca, no entanto, a voz não saiu. No instante seguinte, ela estava caída no chão.

No hospital, disseram que ela teve um ataque cardíaco. Os médicos não falavam muito e pediam para todos ficarem calmos. Estava em pânico, mas me fingia de forte. Escondi minhas mãos nos bolsos para ninguém notar que estava tremendo.

Ela pediu para falar comigo. A enfermeira e o médico não queriam autorizar, mas Olívia sempre foi muito cabeça dura. Dificilmente pedia algo, quando pedia, não aceitava um não.

Entrei no quarto e ela pediu que me aproximasse. Ela segurou minha mão com força e disse baixinho:

- Você escreve muito bem, sabia?

- É... e você é mais do que fantástica.

Ela sorriu e respirou fundo. Era obviamente um esforço enorme continuar falando:

- Olívia...

- Não me mande calar a boca. Sabe que detesto isso.

- Cabeça dura.

- Coração de manteiga.

Ela inspirou o ar com toda a força e se esforçou para dizer:

- Minhas melodias... minha música... sempre foi para você.

Eu ia dizer que a amava. Que ela era tudo para mim. Que todas as letras que escrevia eram em homenagem a ela.... mas não dava mais tempo. Depois de dizer aquilo, ela fechou os olhos e nunca mais escutei sua voz.

***

Um ano depois, publicava meu primeiro livro. Fez um sucesso razoável. Os críticos elogiavam o estilo, mas todos diziam que ficaram chocados com o final. Queriam um final feliz, diziam que os personagens mereciam um. Quando uma repórter de uma revista me questionou sobre o assunto, eu respondi:

- Concordo. Eles mereciam.

Uns poucos meses depois, lancei outro livro, com um final bem parecido com o outro. Foi tão bem vendido como o outro. E a mesma repórter fez a mesma pergunta e recebeu a mesma resposta. Aí, prometi escrever um conto para a revista dela. Realmente, meus personagens mereciam um final feliz... E acho que eu também.