ENZO

Amava aquele menino magro, pálido, de cabelos claros ali sempre quietinho sentado no ultimo degrau da escada, com um saco de pipoca que parecia nunca acabar enquanto o recreio não acabasse. Um corre-corre para lá, um sobe-desce escada, e ele se encolhia no seu cantinho, em seu uniforme colegial como todos os meninos: camisa branca tipo jalequinho, bermuda azul tergal, aqueles meiões brancos quase até os joelhos; as congas feias e pretas.

Tanto o olhou, tanto o olhava, passando, fingindo que aquele bambolê serviria. Um dia deixou-o com a amiga, sentou-se ao lado dele naquele ultimo degrau. Os olhos dourados dele se espantaram com aquela audácia, mas sorriu embora se encolhesse, até ofereceu da pipoca do saquinho que nunca acabava. Às vezes ele voltava para a sala de aula ainda com o saquinho, colocava-o dentro da mochila preta.

_ Oi – para sempre começar, pegando daquela pipoca.

Apenas um sorriso frouxo nos lábios finos. Por que um menininho tão bonito assim e tão tristinho, perguntava-se embora percebendo as orelhas pontudas e de abano; ainda mastigando a pipoca, engolindo em seco, voltando a oferecê-la. E. Ela aceitou alegre-aceitando, mas pegava pouco para ele sempre voltar, guardar na mochila, sentando-se lá na fileira da frente; cabeça baixa, copiando a lição.

_ Enzo que exemplo de menino – a professora dizia sempre para os outros tão peraltas, afagando-lhe os cabelinhos dourados, e ele enrubescendo, com o semblante baixo, cismado. Não faz assim ‘fessora, encolhia mais os ombros.

_ Se todos pudessem ser como Enzo, ela repetia.

Sabia que havia meninos ruins que gostava de implicar com Enzo. Estava ali para protegê-lo se fosse possível. Como?

Em casa, deitada na cama de colchão de mola, escrevia em seu caderninho amarelo; de bruços, pernas cruzadas para cima. “Enzo, Enzo...”. Da onde saiu esse nome? Nunca antes ouvira nome assim. Italiano, respondera a mãe pendurando roupas no varal ao fundo do quintal, dando de ombros, sem certeza talvez.

No quintal tinha um poço, quando estava aberto, sentava-se a sua extremidade e gostava de jogar uma pedrinha lá no fundo e ouvir o “tibum”, mas a mão da mãe a afastando, Sai daí menina, e tapava o poço, fazendo um eco seco e demorado, parecia trancando alguém lá dentro. Uma vozinha triste e final lá no abismo daquela água reservada. Uma vozinha pedindo socorro...

Enzo corado como as romãs. Romãs vermelhinhas na arvore à frente do quintal.

Sentou-se novamente ao lado dele no degrau ultimo da escada, e ele a ofereceu da pipoca do saquinho, ainda se encolhendo, os olhinhos dourados ainda assustadinhos.

O corre-corre, o sobe-desce, a mãozinha ousou tocar o joelho dele. Ele deixou, mas uma voz que passou como vento “Enzo, Mariquinha”, “Mariquinha, Mariquinha”, mas ele nem ouvia, os olhos vidrados naquela mãozinha em seu joelho, o saco esquecido numa mão, mastigando, mastigando.

Quente o joelho dele, imaginou com a mão alisando agora. Queria contar para ele que a pedra caindo no fundo do poço faz “tibum”!

Rodney Aragão