Aquela noite...

Aquela noite foi inesquecível...

Na verdade, não passava de uma enfadonha sexta-feira, daquelas em que o desgaste da semana sugava qualquer resquício de energia pra adentrar o sábado em algum barzinho, boate, o que fosse. No máximo, umas cervejinhas e uns petiscos, sozinho mesmo. Foi o que fiz, já estava de bom tamanho. Mas haviam motivos...

Entre um gole e outro, lembrava de nossas conversas, ela indecisa, até um pouco constrangida face o meu interrogatório, não queria, juro, mas não pude controlar, era desejo de saber tudo sobre ela.

Dei outro gole, petisquei um salame e gargalhei ao lembrar do quão conturbado fora o nosso primeiro contato, lia o "petulante" em sua mente quando eu a chamava de querida em tom muito mais que irônico; e eu me divertia... não havia jeito, estávamos unidos por uma causa maior, o encontro quase que diário era inevitável. Resolvi fazer dela o meu recreio; aquele seu jeito patricinha-nariz-em-pé das primeiras semanas, querendo me esganar, mas ao invés disso, abria um sorriso, eu pensava: "Ah, aquela fingida...".

Gostaria de lembrar do momento que ela deixou de ser a "fingida", mas não consigo, o que me faz pensar que, desde o início, aquela implicanciazinha não passava de amor enrustido. Engraçado, físicamente não fazia muito o meu tipo, mas sempre achei isso uma palhaçada, só havia estereotipado minha opinião de "mulher perfeita pra mim" porque me perguntavam. Geralmente o amor escolhe exatamente o oposto da mulher que você considerava perfeita pra ti. Faz pra sacanear mesmo...

Recordei do momento que resolvi apresentar-me de fato, com intuito de deixar aquela imagem de filho da puta, feito por ela acerca de mim, pra trás. Tarefa das mais complicadas... mesmo sem querer, já havia logrado êxito em minha autodestruição, mas estava disposto a correr atrás do prejuízo. Não sabia onde ela morava, seu time, sua cor preferida... resumindo, estava zerado. Ah, que linda cara de assustada ela fez ao reparar o diferente tom da minha conversa, dessa vez, sem "petulâncias". Arisca, pouco me dizia, talvez assustada com meu bombardeio de informações, o "interrogatório" citado anteriormente.

Mas tudo bem. Educada como sempre, soube conduzir. Disse que gostava de MPB, e que frequentava um barzinho próximo de sua casa, famoso por sempre ter um cantor deste gênero.

Ali estava a minha chance... convidei-a a ir comigo, mas me disse que, de repente, poderíamos nos esbarrar por lá, mas não me dava certeza, estava cansada. Perguntei a probabilidade, e ouvi como resposta: uma em mil. Tudo bem, pra quem até dez minutos atrás era petulante, já estava no lucro, e sabia que o jogo duro fazia parte de suas artimanhas.

Não sobraram alternativas senão render-me às cervejas e aos petiscos, com os meus pensamentos monopolizados por ela. O cansaço acumulado da semana me dominava, e já conseguia enxergar Morfeu me chamando para o seu reino, quando, do nada, parei pra pensar na resposta que ouvi: uma em mil...

Uma em mil...

Dava tempo...

É, aquela "enfadonha" noite foi realmente inesquecível...