Aos Vinte Anos

O dia estava lindo: o sol, com seus raios dourados, entrava pelas janelas da chácara, com delicioso perfume de flores, resedás e laranjeiras. As borboletas sobrevoando as roseiras completavam o quadro.

Tomou o seu cafezinho e acendeu um cigarro. Caminhando para uma poltrona, a fim de fazer a leitura dos jornais do dia, viu um par de belos olhos sorridentes, que ele correspondeu, fazendo-lhe um cumprimento quase involuntário. Disse-lhe chamar-se Ester, sua vizinha. Esbelta; bonita; afável, sem ser vulgar; cabelos tão lindos que fariam inveja a Eva, se ainda existisse. Tinha apenas dezesseis anos.

Ficou embevecido, parado, a contemplá-la. Enlouqueceu. Precisava ardentemente tê-la só para si. Passaram a conversar todos os dias da janela. Disse-lhe que era solteira e que vivia com o seu tutor: um homem de cinqüenta anos, capitalista, comendador, chamava-se José Bento Furtado.

Precisava entrar em contato com esse homem. Pedir a mão daquela deusa encantadora em casamento. Explicou-lhe que era impossível, pois o seu tutor esperava que ela completasse vinte anos para casar com ela. Tinha-lhe muita afeição e o adorava como pai, porém não conseguia imaginar-se sua mulher, sua esposa. Era difícil, embora aceitasse, porque era órfã de pai e mãe e não tinha ninguém.

Ficou desesperado. Não tinha outro pensamento senão o de tirá-la de lá. Arquitetava sozinho, planos de fuga (roubá-la) e até de matá-lo.

Analisou que seria uma loucura se o matasse. Deveria procurá-lo, conscientizá-lo do seu grande amor pela sua pupila e convencê-lo a lhe conceder a sua mão. Caso não conseguisse, aí sim, ele o mataria.

Munido de esperanças vai ao seu encontro. Veste-se com esmero: casaca e gravata branca. Manda-lhe um cartão e se apresenta. Vendo-o tão bem vestido ficou meio desconcertado e quis saber a que deveria a honra de sua visita. Entusiasmado, respondeu:

“ – Trata-se da minha felicidade! Do meu futuro! Trata-se da minha própria vida!...”

Sem nada entender, pediu-lhe explicações. E ele esclareceu:

“ – Venho pedir-lhe a mão de sua filha...”

“ – Filha?”

“ – Quer dizer: sua pupila...”

“ – Pupila?!”

E ele acrescenta, que a ama, a idolatra e que é correspondido com igual ardor. E que ela ainda, não lhe declarou por receio de contrariá-lo.

O comendador responde que não tem nenhuma pupila. E o apaixonado desnorteado quase gritando:

“ – Como? E D. Ester?...”

“ – Ester?!...”

“ – Sim! A encantadora, a minha Ester! Ah! Ei-la!”

Muito tranqüila olha para ambos, e ele pensando que aquela batalha estava ganha, o homem a sua frente balbucia:

- Esta é minha mulher!...

“ - ?!...”

by Aluisio Azevedo

Poeta Dom Casmurro
Enviado por Poeta Dom Casmurro em 19/08/2010
Reeditado em 19/08/2010
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