Nos Anos 60

Da fila do lotação, via os cartazes coloridos e iluminados do cinema Metro-Passeio. E via também aumentar o númerro de pessoas que, à espera de uma condução mais amena, preferia curtir um pouco do friozinho gostoso do cinema e a beleza de Kim Novak.

“Férias de Amor”. Já as vira, há cerca de 15 dias, no Cine Santa Alice no Engenho Novo. Cinema bonito, recentemente inaugurado, com paredes forradas de vermelho e poltronaa macias. Um luxo para o que era, então, quase subúrbio.

Um, dois, três lotações e a fila parecia não diminuir. Também, eram só 20 passageiros em cada um, e ainda tinha a fila paralela, porque quando só restavam lugares no último banco, muita gente preferia esperar o próximo carro para não ir se acotovelando no caminho com os vizinhos.

Será que Márcia já teria visto Férias de Amor ?

Quantas vezes, durante o dia, se pegava olhando disfarçadamente para a colega de seção. Era tão bonita, parecia até a estrela do filme.

Dela, Sérgio sabia apenas que morava em Irajá. A fila do ônibus, no Passeio Público, era logo atrás da dele, mas as semelhanças paravam aí. Imaginava que, para chegar em casa, ela deceria passar pelo menos uma hora e meia de sufoco, enquanto ele, com sorte, não passaria mais de 40 minutos até o Lins de Vasconcelos, bairro em que morava.

Gostaria de ter coragem para convidar Márcia a ir a um cinema, a um passeio. Ela, como ele, sempre estava sozinha, e durante a sua vigília durante o expediente, não a via recebendo telefonemas ou conversando, com as colegas, assuntos que envolvessem namoros ou namorados.

Puxa, o trânsito hoje está enrolado, pensava ele enquanto a larga avenida parecia um mar de faróis e lanternas imóveis. Logo hoje, que o Maurício ia me pedir para explicar aquela dúvida de Matemática...

Aos trancos e barrancos, o lotação avança. Sérgio olha para o letreiro luminoso no topo daquele edifício. O nome Chevrolet vai acendendo letra por letra. Mas o que Sérgio vê, com toda a clareza, na sequência de letras, é M...Á...R...C...

Exatos cinquenta e cinco minutos depois do início da viagem, Sérgio gira a chave no velho cadeado do portão.

Dito e feito. A primeira pessoa que aparece é Maurício.

- E aí, mano ? Não esquece que você ficou de me ajudar naquele problema...

Claro que não ia esquecer. O irmão era seu amigo de fé, malgrado a distância de quase cinco anos que os separava. Sérgio, 24 anos, Maurício, quase 19.

E Márcia, quantos anos teria ?

Ficou sabendo no dia seguinte quando Jairo, o mais animado da seção, chegou junto à sua mesa:

- Tem uma vaquinha pra comprar um presente para a Márcia, que está fazendo 19 anos depois de amanhã. Vai entrar ?

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Às vezes, Maurício ia se encontrar com ele no trabalho, quando resolviam jogar uma sinuca ali no Salão Palácio, bem perto de onde Sérgio trabalhava. O irmão era realmente simpático e comunicativo, falava com todo mundo na seção - inclusive com Márcia, que ele via muitas vezes sorrindo de alguma coisa que Maurício lhe dizia.

E a vida ia seguindo seu curso: trabalho, fila do lotação, trânsito, os meses voando, o irmaõ se formando e seguindo, cada vez mais, seus próprios caminhos.

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Quanto tempo teria se passado ?

De olhos fechados, Sérgio procurava recriar, na memória, aquelas cenas, aquele letreiro da Chevrolet soletrando M...Á...R...C...

Sentiu o toque leve no braço. Abriu os olhos. E viu à sua frente o mesmo sorriso tímido, o mesmo ar de Kim Novak que nunca esqueceria. Só que na figura de uma menina: Marcília.

- Acorda, tio. Tá na hora do almoço !

Amaury Nicolini
Enviado por Amaury Nicolini em 28/09/2010
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