Pérola Negra

Nos longínquos tempos, muito antes da Grécia ser chamada de antiga, um mendigo grego vagabundo, ou seja, um filósofo da Grécia realmente muito antiga, fazia suas primeiras considerações a respeito da beleza. Os questionamentos deste homem estimularam muitas outras mentes desocupadas, que passaram a vida inteira a questionar sobre as leis que regem a beleza que pode ser observada. Surgiu a estética, inúmeras teorias sobre simetria, equilíbrio geométrico e de cores, com isto, surgiram mais e mais perguntas sobre as regras que decidem o que é realmente belo e o que não.

Nenhum destes incansáveis filósofos e esteticistas teve suas dúvidas totalmente sanadas, isto, pelo simples fato de não conhecerem a Avenida 13.

A Avenida 13 é uma rua empoeirada, de transito muito intenso e engarrafado pelo menos duas horas a cada dia e, de quase nenhum trânsito no restante das horas. As árvores têm as folhas escurecidas pela fuligem dos carros, parecem doentes, nem o mais louco dos pássaros faria seu ninho em uma delas. Suas calçadas largas permitem que muitas pessoas passem por ali e contemplem mais um pouco do sofrimento e angustia visual que ainda hoje é chamado de progresso. Aparentemente é uma avenida como qualquer outra, mas, em nenhuma outra avenida você poderia encontrar a resposta para todas as perguntas sobre beleza já feitas pelo homem:

Pontualmente, as 14:30h ela sai de casa vestindo roupas que são cuidadosamente escolhidas para agradar apenas uma única pessoa: Ela.

Seu jeito de andar é naturalmente sensual, hipnótico, tudo nela se move em sincronismo, como em uma sinfonia onde vários sons diferentes se unem para formar um único e maravilhoso acorde. Nada exagerado, mas sem deixar nada a desejar, perfeita em detalhes assim como no todo. Uma mulher que mesmo sem saber, destruía sólidos relacionamentos pelo simples fato de andar na rua, uma mulher de pele negra, em um tom tão raro e homogêneo que fazia com que racistas de nascimento repensassem sobre seus conceitos. Seu rosto era, uma poesia visual, iluminada por um leve e sempre presente sorriso, com traços e sombras tão diabolicamente perfeitos que faziam com que seus olhos esverdeados consumissem os pensamentos de qualquer aventureiro que se atrevesse a observá-los.

Suas roupas nunca mostravam nada do que os homens estavam acostumados a ver em outras mulheres, eram discretas, elegantes e principalmente, terríveis atiçadoras da imaginação alheia.

Por onde esta mulher passava, o seu perfume rapidamente se misturava com o cheiro tão evidente das fantasias mentais ao seu redor, era difícil não se apaixonar a primeira vista, não admirar ou não morrer de inveja ao vê-la caminhar quase flutuando, totalmente ocupada com sua própria vida e alheia às centenas de olhos que a seguiam no decorrer de seu trajeto, vivendo em um mundo tão diferente e distante que ignorava completamente o fato de que no mundo ao lado, o mundo da imaginação alheia, era constantemente beijada, acariciada e idolatrada.

Muitos dos que lhe viam passar lhe davam nomes imaginários e, passavam o dia a repeti-los, mas, absolutamente ninguém, em nenhuma das vezes em que ela passou por essa avenida, perguntou ou sequer adivinhou seu verdadeiro nome: Pérola.

É difícil imaginar esta mulher com algum problema que não pudesse resolver com sua própria beleza. Sua beleza descomunal, somada com uma boa dose de competência natural para qualquer atividade garantiam a ela um ótimo salário em qualquer emprego que arrumasse, assim como também garantiam que conseguiria um emprego em qualquer local que procurasse. Sua inteligência acima da média lhe tornava uma ótima solucionadora de problemas de qualquer espécie, menos é claro, o seu principal problema existencial: A solidão.

A solidão é o preço que Pérola pagava por sua incomparável beleza, ela era definitivamente “areia demais para qualquer tamanho de caminhão”, a sua simples presença extasiava, bestificava e paralisava todo e qualquer pensamento racional nas proximidades. Aparentemente para ela, o mundo era repleto de retardados, pessoas que não conseguiam formular uma frase simples para perguntar as horas, ou indicar um caminho e, também pessoas vulgares que apesar de conseguirem unir duas palavras, formavam frases que não valiam a pena ouvir.

A verdade é que Pérola, ainda aos vinte e quatro anos de idade, mesmo tendo sido sempre a mais bonita da família, a mais bela da escola, a mais terrivelmente desejada da faculdade e a mais cobiçada por todos os patrões, mantinha-se virgem. Era virgem sim, mas sem orgulho do fato. Precisava de um homem que conseguisse pelo menos juntar duas frases antes de começar a babar, e em toda a sua vida não havia encontrado nenhum assim. Queria alguém com que pudesse conversar, trocar ideias e piadas, se divertir. Nunca suportou homens com estilo de conquistadores, muito menos os retardados que se atrapalhavam até mesmo na hora de dizer “Bom dia”. Para Pérola, um homem precisava ser culto, seguro, divertido e um pouco rude nos momentos certos. Extremamente determinada, Pérola morreria intocada se não encontrasse ninguém assim.

Todos os dias, pontualmente as 15:00h, Pérola entra no prédio onde trabalha, onde permanece até escurecer o dia. E todas as noites, voltando para casa, encontra um mendigo que ela acredita ser mudo, ele levanta, olha para ela, abre a boca, e fica paralisado esperando ela se afastar.

Se vivesse na Grécia antiga, este homem seria considerado um filósofo, passava os dias e as noites fazendo algo que infelizmente nunca trouxe dinheiro para ninguém: Ele apenas pensava e esperava. Seu nome era Teobaldo, nasceu em uma família muito próspera, estudou, se formou, mas as tragédias do destino acabaram por levá-lo a sarjeta, em poucas palavras, seus pais morreram e ele consumiu com toda a herança fazendo festas.

Foi em uma bela tarde de Abril que Teobaldo nunca esquecerá, neste dia aconteceu de olhar para Pérola pela primeira vez. Desde então, sempre no mesmo horário, Teobaldo esperava ela passar.

Não era burro de segui-la, ele sabia que por estar mal vestido e viver nas ruas, o fato de segui-la poderia ser mal interpretado. Então limitava-se a esperá-la e imaginar. Já havia criado vários nomes fictícios para ela, mas nenhum realmente se encaixava e, quando de olhos fechados Teobaldo a imaginava, não sabia que nome sussurrar em seus ouvidos. Esta dúvida o angustiava, e todos os dias, ele bem que tentava perguntar, mas, não perguntava.

Os dias passavam rápidos, um após o outro, esperando por ela, olhando ela chegar e olhando ela ir embora. Teobaldo já estava disposto a abandonar a filosofia e fazer qualquer coisa útil para si mesmo, mas, não tinha nenhuma ideia que pudesse o ajudar, então continuava sua vida filosófica. E foi assim até que um dia, filosofando com outro vagabundo, a ideia surgiu.

---- Sabe que estão dando sopa de graça ali na praça?

---- É? E daí? Ela não vai estar lá...

---- Cara, você não come a uns dois dias. Vem comigo!

---- Ainda não... Esta quase na hora dela passar...

---- Ela quem porra?

---- Ela... a Tânia, a minha Sara, minha Savana...

---- Nem sei se essa mulher existe, você passa o dia todo falando dela, mas eu nunca vi! Você nem sabe o nome dela! Por que nunca perguntou? Não tem nada a perder, se ela for tão extraordinária assim, nunca vai olhar pra você.

---- Eu não posso... Eu não consigo... Ela me trava...

---- Cara! Vou te fazer um favor. Vou esperar ela passar com você, e então não se mexa, deixe que eu pergunto.

Minutos depois, ela passou e surpreendeu-se com a troca do vagabundo mudo, para ela, um outro mendigo, também mudo, tomou o lugar do mendigo costumeiro. Ela observou a dupla por alguns segundos a mais e foi embora como sempre.

Minutos de silêncio se passaram, até que o amigo de Teobaldo disse uma frase que mudaria para sempre a vida do pobre e apaixonado homem:

---- Cara! Um sujeito precisa vender a alma para o Diabo para ter essa mulher!

---- O que? Repete isso.

---- Vender a alma para o Diabo pra ter essa mulher.

---- É isso!!! – Teobaldo expressava uma alegria insana – Como não pensei nisso?

---- Isso não funciona. É besteira para assustar crianças.

---- É... – Teobaldo fingia um pouco de desânimo – Vamos comer.

Após este incidente, a convencional rotina de Pérola foi alterada. O mendigo mudo havia desaparecido e, mal podia ela imaginar, que por causa dela, um homem estava diariamente fazendo uma grande besteira.

Todas as noites, a meia noite, Teobaldo partia do cemitério, e passava por sete encruzilhadas, chamando sete vezes pelo demônio em cada uma. Quando chegava na última encruzilhada, acendia uma vela preta e fazia uma rápida e inventada na hora oração satânica. Ele estava crente que se repetisse o processo por sete semanas, o Diabo viria ao seu encontro e negociaria com ele a sua completamente inútil alma em troca do amor daquela mulher cujo nome ele ainda não conhecia.

Nas noites frias e chuvosas, assim como nas noites abafadas e repletas de olhares góticos curiosos, Teobaldo prosseguia seu ritual com a exatidão de um relógio inglês, e ao chegar no último dia, da ultima semana, no momento em que invocou o gramunhão pela última vez, ouviu-se um trovão ensurdecedor, o vento começou a soprar com violência e... começou a chover.

Decepcionado, Teobaldo invadiu o cemitério para se abrigar da chuva, entrou em um mausoléu e sentou-se sobre a lápide mal cuidada.

Para passar o tempo, começou a ler e a se divertir com os nomes das pessoas que ali estavam sepultadas e, antes que pudesse parar de rir do Boleslaw foi interrompido por uma voz em suas costas.

---- Era uma família muito rica, hoje não possui mais nenhum descendente vivo.

---- Que susto homem! – Fala Teobaldo que aparentemente não precisava mais se preocupar em morrer de problemas cardíacos.

---- Desculpe... Sou coveiro e zelador do cemitério, vi quando você entrou.

---- Eu não queria invadir, mas a chuva...

---- Tudo bem, eu só vim aqui para me proteger da chuva e conversar.

A conversa durou a noite toda, Teobaldo contou sobre sua amada, comentou sobre seu ritual satânico, e descobriu que o coveiro entendia muito de ocultismo. Quando o sol nasceu, uma grande amizade havia surgido para Teobaldo e, animado pelas orientações de seu novo amigo, Teobaldo estava convencido de que seu ritual estava correto. Porém sete semanas não seriam suficientes para invocar o capeta, segundo seu amigo ocultista, necessitaria de sete vezes sete semanas.

E assim fez. As onze horas, ia até o cemitério, conversava com seu amigo, chorava, ria, aprendia, ensinava. E a meia noite, do cemitério saía e ao demônio invocava...

Novamente, no último dia de seu ritual, após tanto tempo sem nem mesmo olhar para sua amada, devido a enorme distancia entre a Avenida 13 e o cemitério, Teobaldo invocava à Satã com todas as suas forças:

---- Porra Teobaldo! Você não desiste! Mais que saco!

---- Não! Eu a quero! E faço qualquer coisa! –Teobaldo olhava chateado para seu amigo coveiro. Há quase um ano Teobaldo passava diariamente no cemitério antes de seu ritual para conversar, e nunca antes seu amigo havia o seguido. Justo naquele dia, em que tudo deveria acontecer, ele aparece no meio do ritual e estraga tudo.

---- Eu te dou ela, mas pare de me importunar!

---- Não brinque comigo! Você sabe que isto é sério!

---- Eu sei. Desde que você me chamou a primeira vez eu tenho te observado.

A segurança no tom de voz de seu amigo, fazia com que Teobaldo suasse frio, de um momento para o outro imaginou que esteve conversando com o demônio todos os dias desde a sétima semana de seu ritual.

---- Eu não iria te ajudar se não soubesse que você realmente merecia minha ajuda. – O sorriso demoníaco do coveiro acabou com as dúvidas de Teobaldo – Você foi leal a mim até mesmo enquanto estava doente, e agora aceitarei sua alma em troca do que você quer.

Os pensamentos e reações de Teobaldo estavam tão travados quanto ficariam se Pérola aparecesse de biquíni em sua frente pedindo para passar o bronzeador.

---- Tome isso – diz entregando um pacote embrulhado para presente nas mãos de Teobaldo – Você deve entregar a ela, e depois conseguirá falar com ela da mesma forma que sempre conversou comigo.

---- O...Ob... – Teobaldo tentava agradecer.

---- E quando for entregar, vista isso. – Entregou um outro pacote, contendo um caríssimo terno Italiano.

---- Eu... Eu... – Teobaldo continuava tentando agradecer.

---- E tome um banho. Você está fedendo. – Franzindo o rosto ele continua – Nem com todo o meu poder, posso fazer uma mulher como ela gostar de um homem fedorento.

Teobaldo sentia-se vazio, e ao mesmo tempo feliz, lutou tanto por aquele momento, desejou tanto, e, agora sentia medo.

---- Agora vá e não olhe para trás! – Disse de forma tão imperativa que Teobaldo virou-se prontamente e começou a andar, antes que pudesse pensar em tudo o que havia ocorrido ainda pode escutar o diabo lhe dizer – O que está feito, feito está, não há como mudar.

No dia seguinte Teobaldo tomou um realmente necessário banho. Vestiu seu terno Italiano, colocou todos os seus trocados no bolso, pegou o embrulho satânico e esperou. Os segundos demoravam a passar mais do que os meses de ritual haviam demorado. Porém Teobaldo estava seguro de que naquele dia sua vida se transformaria.

Um momento de tensão, o jeito hipnótico de andar podia ser reconhecido a distancia, Teobaldo sentia medo de ficar paralisado e não poder entregar o pacote, mas, tentava manter firme em sua mente que era impossível algo sair errado, pois o Diabo em pessoa estaria cuidando dos detalhes.

Ela estava passando por ele, achou seu rosto familiar, mas não o reconheceu, parou e sorriu daquela forma que as pessoas sorriem para perguntar “eu te conheço?”

Teobaldo sorriu em resposta, em seus pensamentos agradecia a Satã por ter feito ela reparar que ele existia. Um pouco trêmulo e ansioso, Teobaldo estende o pacote para a mulher de seus sonhos.

---- Para mim? – Pérola estava surpresa. Não lembrava de onde conhecia aquele homem, e realmente não esperava ganhar nenhum presente.

Pegou o pacote com carinho, tentando adivinhar o que seria. Pelas roupas do sujeito, e pelo formato do pacote, poderia ser um colar de perolas negras do Taiti, talvez uma tiara com brilhantes, imaginava que ele provavelmente era um admirador secreto que resolveu aparecer. Olhou para Teobaldo antes de abrir o pacote, e percebeu que apesar de um pouco tenso, era o homem mais seguro e confiante em sua presença que observara em anos...

---- Mas o que é isso? – Pergunta aos risos Pérola que após abrir o pacote encontra uma mascará, com óculos, nariz e bigode.

Tão surpreso quanto ela, Teobaldo começou a rir, e rindo conseguiu falar apenas por sua lealdade em Satã.

---- Coloque.

Pérola se sentia ridícula, mas estava gostando. Para ela parecia um jogo. Colocou a máscara e começou a fazer caretas enquanto ria.

Por algum motivo que provavelmente os estudiosos da psicologia um dia ainda conseguirão explicar com mais clareza, usando aquela mascara ridícula, e fazendo caretas, Pérola não causava mais o efeito bestificador em Teobaldo.

---- Ficou bem em mim? – Pergunta Pérola brincando.

---- Ficou ótimo! Bem melhor do que eu imaginei que ficaria.

Ele havia juntado duas frases sem gaguejar ou babar, Pérola nunca antes havia visto tamanha demonstração de inteligência em um único homem.

---- Mas por que você me deu essa mascara? – Pérola tinha esperança de que a resposta fosse simples e plausível.

---- Você não iria acreditar se eu te contasse...

---- Tenta. – Fala Pérola tirando a mascara, e exibindo novamente toda a sua beleza.

---- Bem... quer que eu comece do início? – Passado o trauma inicial de falar a primeira frase, e sabendo que Satã estaria o ajudando em tudo o que precisasse, Teobaldo estava disposto a contar toda a sua história.

---- Pode ser.

---- Bom... Quando eu nasci...

---- Não! – Fala Pérola rindo novamente – Não precisa contar toda a história...

---- Na verdade eu queria falar com você e não conseguia encontrar nenhum pretexto.

---- E... – Pérola ainda tentava lembrar de onde aquele rosto era familiar.

---- E eu sou muito tímido – Teobaldo pensou melhor e preferiu não falar nada sobre seu pacto com o Tinhoso. – Achei que se eu lhe desse um presente facilitaria de conversarmos.

---- E por que a mascara? – Pérola tinha entendido as segundas intenções do presente, mas ainda nem imaginava o por que da mascara em sí.

---- E também não tenho muito dinheiro para lhe dar um bom presente, e eu queria que fosse algo marcante. Inesquecível.

---- Realmente. – Pérola dizia para si mesma em seus pensamentos: “não é nada fácil esquecer um presente tão bobo como este...” – Mas agora que já estamos conversando, o que você quer falar?

---- Tem uma coisa... Eu nunca soube seu nome... – Teobaldo estava surpreso com a própria capacidade de elaborar frases diante da mulher mais extraordinária que já havia visto.

---- Meu nome é Pérola, e eu conheço você! – Finalmente havia se lembrado onde já havia visto aquele rosto. Estava difícil de reconhecer por causa das roupas, mas era ele, o mudinho...

---- Pérola – Suspirou – É um nome perfeito, mais bonito e precioso do que todos os que eu imaginei.

---- Eu pensei que você não falasse.

---- Eu sei. É que eu sou um pouco tímido.

Perola ria, estava se sentindo a vontade, também um pouco confusa. Dos milhares de tipos de abordagens aos quais já havia sido submetida, aquela era sem dúvida a mais original. Teobaldo era o tipo de sujeito que merecia uma chance.

Caminharam até uma lanchonete e durante o lanche muita conversa foi jogada fora. Uma experiência completamente nova para Pérola e uma experiência completamente extraordinária para Teobaldo.

Mais incrível que isso, só o fato de Pérola ter se apaixonado. Teobaldo explicou a ela sua situação de morador de rua, e ela o acolheu em sua casa, em seu quarto, e principalmente em sua cama. Teobaldo era uma fantasia realizada para Pérola, culto, livre-pensador, engraçado, e rude como só um morador das ruas consegue ser. Uma mistura rústica com a qual sonhava à muito tempo.

Teobaldo passou meses sem conseguir tirar o sorriso do rosto.

Com a ajuda de Pérola, nos dias seguintes Teobaldo conseguiu o primeiro emprego de sua vida, começou a trabalhar e abandonou completamente a filosofia. Talvez por sua imensa experiência em pedir coisas na rua, Teobaldo conseguiu grande sucesso trabalhando com vendas. E com o passar dos anos, enquanto o sucesso e a prosperidade rodeavam sua vida, esqueceu-se completamente do sacrifício que fez para conseguir tanta felicidade.

Um dia, Pérola encontra em seu armário a velha mascara com óculos, nariz e bigode, mostra para Teobaldo, que pela primeira vez em tantos anos se recorda de quem havia recebido aquele sinistro e ridículo artefato.

Talvez por peso na consciência, talvez apenas para pensar melhor sobre sua vida, Teobaldo foi naquela tarde até o cemitério, caminhou pelos corredores, e observava com certo receio para os crucifixos fixados nas tumbas. Após uma curta procura, encontrou o mausoléu em que um dia se abrigou da chuva e conversou com Satã pela primeira vez. Voltou a ler aqueles nomes engraçados, e tentava voltar a achar graça no Boleslaw, quando foi interrompido por uma voz que vinha às suas costas.

---- Teobaldo!!! Pensei que você nunca mais voltaria.

---- É... Eu também... – Teobaldo tinha um coração realmente forte.

---- Desculpe aquele dia pela minha brincadeira...

---- Que brincadeira?

---- Aquela na encruzilhada, a anos atrás. Eu sei que você ficou magoado, nunca mais apareceu para conversar depois disso...

---- Calma! – O raciocínio de Teobaldo tentava lhe mostrar alguma coisa, mas ao mesmo tempo, ele não queria ver.

---- Satã... Você gosta de brincar comigo. Vai levar minha alma agora?

---- HAHAHAHAHAHAHA – A risada do coveiro poderia facilmente ser classificada como uma risada satânica, mas na verdade era puro sarcasmo. - E o que é que eu vou fazer com uma alma tão imprestável meu amigo?

De um momento para o outro, Teobaldo concebeu a hipótese de tudo não ter passado de uma brincadeira de seu amigo enquanto estava bêbado.

---- Não vai me dizer que você pensou mesmo que eu era o Diabo?

---- Desde o começo eu achei que você fosse. – Teobaldo tentava provar para si mesmo que estava conversando com o demônio e que o demônio estava o enganando por algum motivo suficientemente justo para ele – E a mascara mágica?

---- Comprei muito barato em uma loja de brincadeiras de mal gosto.

---- E... – Não era possível, ele TINHA que ser o capeta – E o terno? Era um terno caríssimo, você não poderia comprar...

---- HAHAHAHA... Eu tirei o terno de um defunto rico... Achei que ele não fosse notar a falta.

---- Mas por que você... – Teobaldo foi interrompido.

---- Eu queria ver o que você iria me contar no dia seguinte, desculpe, eu estava bêbado quando tive a ideia, e de qualquer forma, você nunca iria conseguir aquela mulher.

---- Então quer dizer que eu não lhe devo minha alma?

---- Depende, só se você conseguiu ficar ela.

---- Ops...

---- Não... Fala sério! Você ficou com ela? – O coveiro não podia acreditar, chegou a cogitar a hipótese do Diabo ter realmente se manifestado de alguma maneira, mas preferiu ficar quieto. - O negócio da alma era brincadeira. – O coveiro desmentiu-se ao ver o olhar preocupado de Teobaldo que também estava fazendo suposições demoníacas - mas eu aceito uma pinguinha para colocarmos a conversa em dia.

Teobaldo abraçou o seu amigo, e agradeceu com toda a sua alma, que agora era dele novamente.

Tomou uma última pinga com seu amigo, e a partir daquele dia, apenas por precaução, converteu-se ao cristianismo até o fim de sua vida, guardando em seu peito uma história tão real, e tão fantástica, que não deve ser contada pois ninguém iria acreditar.

Hoje em dia, enquanto caminha com sua esposa pela Avenida 13, percebe que ela envelheceu e não causa mais a admiração do mundo ao seu redor, também percebe que ao contrário do que os gregos, filósofos e esteticistas sempre pensaram, a beleza não segue regras e sim as cria. E por mais que hoje o mundo não enxergue a deslumbrante Perola Negra que enfeitiçava a todos em sua volta, o feitiço continua no coração de todos os que a conheceram como pessoa. Depois de trinta anos casados, Teobaldo continua achando ela a mais linda jóia já produzida pela natureza, uma jóia tão cara, e tão rara, que ninguém poderia ter sem estar disposto a vender a própria alma.

=NuNuNO==

( Querendo saber quanto vale uma alma e para que serve a dita cuja )

PC (Póst Contum): Desculpem-me os filósofos de platão, digo, de plantão. Eu não quis dizer nada tão cruel e terrível como pode ter parecido...

PC2: Provavelmente, se o coveiro não tivesse atrapalhado, o Diabo teria aparecido e o conto seria mais interessante.

PC3: O Coveiro é só um figurante tentando aparecer pra conseguir um conto só pra ele... Ele já foi devidamente advertido para não interferir novamente no rumo das histórias.

PC4: Desculpem-me também hahaha, todos os Boleslaws de plantão, hahaha, o nome nem é, hahahaha, tão engraçado assim... hahahaha...

PC5: Esta é uma história fictícia, qualquer semelhança com a vida real envolvendo fatos e nomes, além de ser uma baita coincidência vai ser difícil de alguém acreditar...

NuNuNO Griesbach
Enviado por NuNuNO Griesbach em 04/10/2010
Código do texto: T2537000
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