Ela

Ela caminhava pela sala vazia da sua casa.

Sabia que logo ele chegaria e ansiava por isso, mas também sentia certo prazer em ser a única por ali naquela hora.

O dia estava terminando e a luz que vinha da janela aberta já ia diminuindo conforme o Sol se escondia pouco a pouco. Caminhava como se estivesse em uma passarela, rebolando a cada passo que dava. Uma passarela onde os móveis eram a platéia e ela, a única top model.

Chegou à janela e se debruçou para olhar as pessoas lá embaixo, cada qual seguindo seu caminho, sua vida... Olhando para elas lá de cima, sentia-se maior e mais poderosa do que aquele amontoado de formigas que se moviam abaixo do seu olhar. Bocejou preguiçosamente, deu as costas ao mundo lá fora, cheio de seus barulhos e cheiros que invadiam o apartamento e voltou a desfilar pela sala.

Logo ele estaria de volta e ela o esperaria do jeito que ele mais gostava. Deitaria no sofá, numa posição que era um misto de fragilidade e ousadia e dispensaria a ele o seu sorriso mais provocante, aquele sorriso que o fazia se ajoelhar ao seu lado e acariciá-la do jeito que adorava.

O dia estava quente e resolveu ir até a cozinha para se refrescar com um pouco de água fresca. Bebeu até se satisfazer e lambeu os lábios, provocante e sensual como sempre fazia questão de ser em cada mínimo gesto que fizesse.

Seu jeito de caminhar, de olhar, tudo era extremamente calculado para ser o mais sensual e sexy possível, afinal ela devia isso a ele, mas também não se escondia atrás de uma falsa modéstia e reconhecia que ver o sorriso dele ao encontrá-la ali, a sua espera, a deixava feliz e se sentindo realmente uma parte importante da vida dele.

Saiu da cozinha e caminhou até o quarto onde havia dividido a cama com ele várias vezes desde que haviam começado a morar juntos. Sentou na beirada da cama e sentiu o edredom macio e se pegou pensando se dormiriam juntos novamente. Gostava de sentir o corpo dele junto ao seu, um corpo quente e protetor, seu braço a protegendo de uma noite solitária.

Ela gostava mesmo de ficar sozinha em casa, livre e preguiçosa, fazendo o que quer que lhe desse vontade, mas gostava muito mais de quando ele estava lá.

Isso era o que chamavam de amor? Carinho? Afeição? Ou era um pouco de tudo isso misturado? Não importava, tudo que ela sabia é que estar com ele a fazia feliz, completa.

Ali sentada, se lembrou de quando começaram a viver juntos. Ela é geniosa, dona de si e não gosta de ser comandada. Ele também é genioso, teimoso e gostava de ser obedecido. E assim os dias foram se passando, discussões, tapas, arranhões, mas sempre depois de tudo isso, as pazes. Mas é assim que os relacionamentos são não é? Cada um impõe suas regras, seus gostos, começam a ceder pouco a pouco até que o equilíbrio seja encontrado e ambos se respeitem.

Deitou-se e se enrolou no edredom, se divertindo com as memórias que o cheiro dele espalhado pela cama, trazia. Lembrou-se de um dia em que ele havia chegado nervoso, estressado e não queria conversa. Ela entendia isso, nem todos estão sempre de bem com a vida, mas ela tinha que fazer algo. Ele deitado, sozinho, triste e lá veio ela caminhando em sua direção, passo a passo, do jeito que ele gostava, firme, sensual, decidida e então subiu na cama e sem dizer nada, se aninhou em seu colo. Olhou para eles com seus grandes olhos castanhos brilhantes e ele soube que ela estava ali por ele, mesmo que fosse para ficar junto dele em silêncio e compartilhar a tristeza que tomava conta de seu coração. E assim dormiram aquela noite...

Era por isso que ela se sentia tão bem sozinha ali, porque na verdade ela nunca estava sozinha. Ele sempre estava junto dela, nos cheiros, momentos e memórias que cada cômodo, cada móvel guardava.

Um sino tocou ao longe a tirando de seus devaneios e ao se sentar na cama, pode ver pela falta de luz que o sol já havia se despedido dando espaço a uma noite cheia de promessas de carinho.

E ele estaria chegando a qualquer momento e ela tinha que esperá-lo daquele jeito que ele era incapaz de resistir.

Ela sabia com certeza que ele já estava próximo. Ela sentia sua aproximação, tão forte era a conexão entre ambos. A ansiedade que tomava conta dela ante o momento do reencontro era como uma corrente elétrica que cruzava todo seu corpo, arrepiando os pelos de sua nuca e isso a excitava.

Saltou rapidamente da cama ao ouvir o barulho característico do chaveiro dele sendo chacoalhado enquanto procurava a chave certa.

Correu, rápida e silenciosa até o sofá onde se deitou e ficou encarando a porta, apenas esperando ela se abrir.

Ouviu a chave sendo colocada na fechadura e foi capaz até de ouvir o som do miolo cedendo a ela e liberando a trava para que ele entrasse. Seus sentidos estavam a toda, mas ela sabia que ele gostava daquele jeito calmo e desafiador que só ela sabia fazer, então se controlou.

A porta se abriu e ele entrou, dando uma olhada descuidada pela sala. Era um jogo e ela sabia como funcionava. Ele fingia ignorá-la na intenção de provocá-la ao ponto dela perder o controle e saltar em seus braços, mas ela sabia jogar.

Ele fechou a porta e se virou para ela. Seus olhos verdes e pequenos cruzaram com os grandes olhos castanhos dela. Olhos tão doces quanto o mel do qual tinham a cor.

- Não vai vir me dar um beijo? – Perguntou ele

Ela continuava deitada, provocante, cada leve movimento que fazia era um convite ao carinho que ela sabia que logo receberia.

Ele continuou parado ao lado da porta, tentando disfarçar o sorriso que tentava fugir de seus lábios e ela apenas o encarava em silêncio.

- Não sei mesmo como é possível gostar de uma garota tão geniosa quanto você

Caminhou em direção a ela e se ajoelhou ao lado do sofá. Acariciou seu nariz e a beijou um beijo leve e carinhoso.

- E agora, não mereço pelo menos um oi? – e sorriu de leve enquanto dizia isso olhando nos olhos dela.

Era o mesmo jogo, todas as noites e ainda assim ela adorava cada noite como se fosse a primeira, a única.

Sim, ele a fazia feliz, cuidava dela, a protegia e com certeza merecia muito mais do que um simples oi, mas era apenas o que ele precisava agora.

- E então? – perguntou ele fingindo uma seriedade que não estava ali.

Sim, ele merecia um oi.

Ela se levantou, se aproximou do rosto dele, sentiu o cheiro do perfume que ele usava e então deu a ele o que ele queria.

- Miauuuuuuuu-..... um ronronar leve, provocante como ele queria e então saltou para seus braços...