Cobertuta de Nozes

Cobertura de Nozes

A água estava fria,o Sol ainda não aparecera por completo,ao fundo da orla marítima alguns barquinhos pesqueiros deslizavam pelas ondas do mar cinzento.Eram oito horas da manhã ,praia deserta, alguns ciclistas percorriam a margem, solitários andarilhos seguiam as trilhas deixadas pelo trator que todas as manhãs acertava o caminho que separava os carros dos veranistas fazendo pequenos morrinhos de areia que percorriam a orla da praia imensa.Mais tarde, com a chegada população da vila e da cidade aquilo seria o limite entre o passeio dos carros e os jogos dos veranistas .

Olhei o relógio ,o Sol continuava dormindo,até ele deixara-se vencer pela preguiça de um Domingo abafado pós baile de Carnaval.Meus pés doíam ,minha cabeça latejava entre as lembranças da festa e o que bebera que deveria ter sido cerveja e caipirinha.Tudo era tão distante e ao mesmo tempo dolorido.O canto de uma gaivota me fez fechar os olhos e prometer a mim mesma que já era tempo de diminuir com as rodadas.O que me doía na verdade não era a bebedeira e sim a bobagem da noite que fora na madrugada uma reação em cadeia de deslizes. Virei-me de bruço e deixei o Sol tímido bater nas minhas costas,as nuvens ainda continuavam lá, assim como a minha latejante dorzinha nas têmporas latejando cada frase,cada gesto,mesmo que quisesse o meu inconsciente faria de tudo para me cutucar o orgulho.Fechei os olhos e visualizei o salão, pessoas suadas ,coloridas em suas vestes, o garçom simpático a me alcançar mais uma cerveja ,e claro ele.....A dor alfinetou mais o meu coração,naquela madrugada eu ficara o tempo todo na volta dele como uma borboleta perdida ,uma mariposa cega ,ele com aquele sorriso delicioso a piscar os olhos e me evitar,algo que eu curava com a cerveja e a caipirinha....

Ele quem menciono ,é o que nunca deveria ter acontecido,ou mesmo nem ter percebido,mas como não se comanda o coração,maldito seja!...

Apareceu no meu caminho como uma aparição,numa tarde de inverno vestindo uma camisa branca,uma calça tradicional,destas que os gaudérios usam e uma boina preta a la Che Guevara, simplesmente lindo...Estava apressada ia pela rua com sacolas de super e com a cabeça cheia de idéias , ele vinha em minha direção,o notei quando passou por mim e vi aqueles olhos castanhos,enormes,zombando do meu jeito atrapalhado na esquina ,carros,carroças,bicicletas tudo estava contra mim e minha sacolas de super...Foi quando ele disse-me,”Posso ajudá-la?”Eu mal acreditava que aquele deus podia estar falando comigo. Consegui pronunciar um ”Oh!Obrigada...”Atravessamos a rua movimentada e conversamos um pouco,ele falava e eu flutuava,observando sua boca carnuda,a pele morena,os olhos enormes sorridentes,matreiros.Não lembro do que falávamos,somente o que ele disse”Estou indo buscar minha noiva,amanhã iremos ensaiar na igreja...”A palavra noiva ficou retumbando na minha mente, senti um mal estar, fiquei sonsa e desejei que a tal noiva tivesse qualquer coisa e não conseguisse casar...não que costumasse rogar pragas a torto e direito,mas realmente meus instintos assassinos ali se manifestaram.Depois de um “Poxa que legal” desajeitado me despedi,indo em direção a minha vida tão solitária e infeliz ....

O fato é que embora estivesse só ,na época não me importava com a ausência de uma companhia fixa,as poucas paqueras rendiam o que queria e nada me atrapalhava a boa liberdade da solteirice,até aquele dia , pois depois deste encontro a minha vida alegre ,tornou-se um mar de suspiros,desejos e sonhos.

Quando virei de barriga para cima,o Sol já estava a pino e iluminava a água,um verdadeiro espelho .Os barquinhos estavam distanciados uns dos outros e alguns banhistas brincavam no mar,minha cabeça parara de rodar,bebi uma água ,coloquei o chapéu resolvi caminhar.Queria que as vozes e os sons dos axés parassem de me perturbar.Segui pela beira da praia ,brincando com o mar,ele vinha e eu ia num ziguezague tentando não cair...-“Porque você não me disse que o Gil viria ao baile ?”Indaguei a uma amiga quando descíamos as escadas que levavam ao banheiro do clube onde estávamos na noite passada.Eu sabia que poderia encontrá-lo,mas ele me garantira que não iria,dissera ter um compromisso de família e estaria com a esposa.Lembro-me bem enquanto eu vestia a calcinha ele me dava um beijo demorado e me falara que no próximo final de semana teríamos mais tempo.Já faziam uns meses que nos encontrávamos alternadamente no meu apartamento.A esposa viajava,estava fazendo um curso fora,às vezes ficava mais de uma semana,então ele me ligava e passávamos nossos momentos juntos.No início me sentia insegura ,mas com o tempo aprendera a lidar com o fato de que ele não iria deixá-la e eu também não queria um compromisso sério,algo me dizia que Gil não era o homem certo e sim uma paixão a qual eu não conseguia me libertar.Bastava ele chegar e o meu corpo vibrava,bastava ele me tocar e o mundo poderia sumir,ele estava ali e pronto.

“Calma Luíza!Você sabia que isto poderia acontecer...a esposa dele voltou,é Carnaval...vamos lá fora !Quero ver se um cara que conheci semana passada veio...foi me levando pelos braços enquanto eu tentava me equilibrar na sandália nova ao subir os degraus.Um grupo de jovens passou por nós e nos jogaram uma espécie de líquido luminoso,meu cabelo ficou roxo,azul e um líquido gelado escorria dele,Peguei uma garrafa de água joguei por cima,pior não ficaria.Quando virei-me para falar com minha amiga,a esposa do Gil estava me fitando,olhou-me inteira,senti uma dor ,algo como “é o meu fim”,sorri desajeitada e fui em sua direção.”Olá Verônica! Tua fantasia é belíssima...estava usando uma de bailarina,tinha o corpo esbelto,um coque bonito e uma postura de rainha.Um espelho numa coluna me entregava,minha fantasia de melindrosa estava amassada, meu cabelo pegajoso não ajudava muito, além disto algo colara na minha sandália cuja ponta estendia-se até a outra...”Pensei que vocês estariam na cidade”comentei tentando esconder a tal tira da sandália.”Resolvemos aproveitar o baile,Gil irá ficar fora por um bom tempo...Sim ele me falara,um novo escritório estava sendo aberto na capital,o que ele desejara há tempos ,se fosse para lá teria uma promoção Verônica poderia arrumar um emprego ,comprariam uma casa...planos aos quais eu estaria de fora.

Conhecera Verônica por acaso,na época fazíamos um curso juntas e um dia na saída uma chuva desabou,ela me ofereceu carona e daí e diante iniciamos uma amizade ,quando comecei a ter um caso com Gil ainda não sabia quem era ela.Uma noite num jantar ,ela me convidou junto com um primo distante e aí recebi a surpresa,foi uma noite inusitada para ambos,ele com um olhar fixo ,preocupado eu constrangida,mal conversei com o tal primo,nem aproveitei as músicas,o cardápio, a noite.

Um ciclista passou por mim ,ouvi um oi,era Murilo,um amigo em comum,não era bonito,loiro,olhos verdes ,simpático,jogava basquete com Gil e gostava muito de minha amiga Antônia.”Então Lu ,já acordada? Como foi ontem? Antônia divertiu-se muito? Lentamente ia me indagando,como se soubesse do efeito pós bebedeira...eu gostava dele,era um rapaz bom,companheiro,sabia não ser atraente,mas quando conversava possuía um charme Antônia o esnobava,de acordo com ela,era muito simplesinho...

“A festa foi divertida,pelo menos para Antônia,Gil e a esposa..”Murilo sabia do nosso caso,na verdade várias vezes ele me falara que pensava que logo eu iria perceber o erro e iria largá-lo.O que eu ouvia e sorria,seria difícil pelo menos por agora.Resolvemos voltar e ele me deu uma carona no bagageiro da bicicleta,peguei minha saída de banho e fui com ele de volta a casa de verão dos pais de Antônia.

“Você quer entrar?Perguntei a ele fazendo uma careta,ele me olhou com aquela expressão irônica e me disse “Só se você me deixar entrar no quarto dela....”dei uma gargalhada,pois sabia que ele não o faria ,não só por cavalheirismo ,mas por respeitar os pais de minha amiga.Murilo conhecia-os desde seus cinco anos.Despedimos ,entrei pela lateral,retirei a areia do corpo no pequeno chuveirinho,passando pela cozinha,aproveitei para roubar um pedaço da pitza do forno.Antônia roncava debaixo do lençol,entrei no chuveiro,a água escorria e com ela as vozes que me assolavam.Vesti um short e uma blusa ,silenciosamente sai,no celular haviam três chamadas,nenhuma era dele..Peguei a bolsa e fui em direção a rua central do vilarejo,já passara do meio dia,não tinha fome,a dor diminuíra,ficara uma sensação de sonolência,que um bom café iria me auxiliar.Sentei na cafeteria ,fiz o pedido e peguei um jornalzinho,enquanto lia ,alguém entrara no estabelecimento.”Dois cafés por favor!”A voz sonora,acabou por mandar minha sonolência embora,Gil sentara junto com Verônica na minha frente.Com suas pernas morenas,a minha frente,cobertas por uma bermuda branca e uma camisa vermelha,simplesmente olhava uma revista de esportes .Verônica me sorriu e veio em minha direção.”Você está melhor querida?Deve ter sido difícil chegar em casa não foi?Dando um sorrisinho de lado.O que ela estava tentando me dizer?!,Nem lembrava como chegara em casa a não ser de um rapazinho brigando com Antônia por causa do estacionamento.Combinara com ela que nesta noite ela iria com o carro.Fiz um olhar indeciso ,sacudi os ombros e dirigi um”Coisas de Carnaval ... Ela voltou-se a mesa e levou a xícara delicadamente a boca,era uma rainha ,a seu lado sua majestade em pessoa,impressionante como o baile não o havia afetado,sua face estava intacta,nenhum sinal da noite se via ali,nem mesmo a desfaçatez que presenciei no final do salão embaixo da escadaria ,ele totalmente debruçado numa jovem alta ,de cabelos compridos com seu corpo de dezenove anos.Enquanto eu ia silenciosamente rastejando até os seus braços pensando que enquanto Verônica estivesse no banheiro presa pela extensa fila de mulheres suadas e bêbadas ,nós poderíamos nos tocar.Ao vê-lo com a garota esguia meu estômago fez um giro e tudo rodou,só lembro de uma senhora segurar minha cabeça enquanto Antônia me dizia põe tudo para fora....a noite fora sim um círculo de gafes,aos quais não irei lembrar e matarei quem me obrigar lembrá-las..

“Pensei que depois de ontem você estivesse na cama medicada..”mencionou ele num tom irônico,com aqueles enormes olhos brilhantes .Só conseguia vê-lo beijando a garota.”Sempre consegui me recuperar a tempo...”respondi atrevida,algo mexera dentro do meu estômago e não fora a mistura de bebidas.Devia ser meu orgulho machucado.Levantei me despedi e fui em direção as lojinhas,precisava gastar,me sentir controladora e esquecer de tudo pelo menos até a Segunda ,nosso dia .Ele não almoçava em casa,ela ia para a mãe e na Terça viajava ,ficávamos até tarde juntos, então cada um voltava a sua rotina.Mas ao pagar uma das comprinhas um sentimento me veio ,Verônica havia falado da viagem a capital,ele dissera que semana que vem teríamos o nosso final de semana.

Enviei uma mensagem a ele pelo celular,sempre que podíamos usávamos um número diferente .Fui para outra loja,comprei mais algumas bobagens ,paguei e voltei a casa de Antônia.Murilo estava lá jogando cartas com os pais dela,enquanto ela ronronava no celular para um “gatinho”.Fui para o quarto,despejei as compras em cima da cama,sentei num puff amarelado e o celular continuava mudo.

A segunda amanheceu quente,eram sete horas resolvi caminhar na beira da praia,a luminosidade convidava a um bom passeio e logo depois a um mergulho,o mar calmo,verde,com ondas fracas brilhantes.Entre o revoar dos pássaros ,casais de namorados andavam de bicicletas ou caminhavam de mãos dadas,uma segunda-feira bonita na praia extensa ,serena.Deveria estar na cidade após o almoço,o apartamento deveria ser arejado,os lençóis trocados a geladeira abastecida.Gil gostava de cozinhar,organização e limpeza.Tudo como vossa majestade necessitasse e sua serva obedeceria não só por devoção ,mas principalmente por paixão.Ele chegaria e passaríamos boas horas na cama,depois ele faria sua janta,trabalharia e novamente cairíamos na cama.Tudo o que sempre me fazia feliz,calma ,e amada....

Peguei o ônibus segui a cidade acompanhada por uma velhinha que conversava o tempo todo sobre dores lombares,doenças de familiares e netos crescidos.Olhava a janela e pensava que daria tempo para comprar um vinho branco.A cidade estava quente,o vento fora embora e deixara um aroma carregado de suores,odores de gases tóxicos e outros desconhecidos.Fui direto ao super,enchi o carrinho,segui até ao apartamento.No meio do caminho parei numa padaria lembrei de uma torta de maçã que ele adorava,estava indecisa entre a com molho de vinho ou a com cobertura de nozes...do outro lado da vitrine um carro estacionou e dele desceu um casal,a moça alta,esguia usava um vestido florido,sem alças carregava uma maleta o seu acompanhante,usava um boné ,bermudas brancas e uma camisa vermelha,atravessaram a rua em direção a padaria,escondi-me atrás de uma enorme geladeira repleta de refrigerantes.O casal entrou escolheram doces,salgados e uma torta de maçã regada a molho de cereja.Gil abraçava a moça e cochichava-lhe ao ouvido,ao que ela respondia com sorrisinhos,saíram em direção a uma loja de vinhos.Sorridentes,beijando-se Deixando-me com as compras do super e uma torta enorme de maçã com cobertura de nozes .

Violetta

Violetta
Enviado por Violetta em 16/01/2011
Reeditado em 29/04/2011
Código do texto: T2732197
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.