Apaixone-se

Era um duende como outro qualquer. Sua enorme barba grisalha não era mais brilhante e nem mais destacável que as outras tantas barbas. Seu gorro, em forma quase cônica, também não era mais vermelho que o dos outros, e nem mais bonito. Era apenas mais um duende entre tantos outros.

Seguindo seu caminho de todos os dias, com todos os outros duendes, viu um lindo pássaro passar em sua frente e erguer vôo. Instintivamente, ergueu os olhos e levantou a cabeça, deparando-se com algo diferente, algo que nunca tinha visto antes.

Na enorme árvore em que o pássaro e seus olhos tinham pousado, havia uma corda. A corda balançava, presa a um dos galhos, e refletia a luz do Sol.

Aquilo o impressionou. Uma corda, presa a uma árvore, e amarrada em si mesma formando o que parecia ser um círculo.

Olhou para os lados, verificou se alguns olhares curiosos o seguiam, e decidiu mudar o seu caminho.

Com muita dificuldade, começou a subir o gigantesco tronco. Devido ao seu minúsculo tamanho, horas e horas se passaram até que ele chegasse ao galho desejado. O galho com a corda.

Teve medo de se aproximar. Ficou apenas observando-a, refletindo agora a luz da enorme Lua Cheia que se formava acima do pequeno ser.

Era apenas uma corda, como outra qualquer, em uma árvore, como outra qualquer.

Mas, quando a olhava, sentia um mistério pairando entre os dois. Não conseguia se aproximar. Ficava apenas maravilhado, observando.

Pensou em chamar os amigos, mostrar sua descoberta, fazer com que todos vissem que, naquele caminho tedioso de todos os dias, havia algo extraordinário. Uma corda, em uma árvore.

Mas se ele contasse, ele deixaria de ser especial. Deixaria de ser o único que havia reparado a beleza daquela corda, o único que havia sofrido para chegar até o galho em que ela estava. Ele seria apenas mais um duende, que havia conhecido a corda, na árvore.

Ficou ali, fitando a corda, esquecendo da noite que caía, dos animais que poderiam aparecer, esquecendo do resto do mundo.

Em um entardecer, decidiu que precisava aproximar-se. Tocá-la. Desvendar que mistérios o alucinavam daquela forma.

Chegou perto. Sentia seus membros tremerem e a espinha esfriar-se. Não importava se o galho poderia dividir-se e derrubá-lo de dezenas de metros diretamente no chão.

Aproximou-se o suficiente para sentir o cheiro dela.

Ahh, aquele cheiro. Se pudesse compará-lo com qualquer coisa no mundo, escolheria um cheiro único, que havia sentido há décadas, talvez séculos.

Encantou-se instantaneamente com aquilo. Era uma corda, em uma árvore, com um cheiro único.

Hipnotizado, aproximou-se cada vez mais. Não sabia o que uma corda poderia fazer, não sabia nada sobre aquilo, mas sabia que deveria confiar naquele momento.

Pulou, confiando nos “braços” da corda.

A corda se deslocou para baixo do seu rosto, e, perdida entre toda aquela barba, apertou o nó sobre seu pescoço.

Mesmo que seu ar tivesse parado de circular entre as vias respiratórias, paradoxalmente, ele era feliz, pela primeira vez.

Ele não era mais um duende qualquer, era o duende mais feliz do mundo. E a corda que o estrangulava, não era mais uma corda qualquer, em uma árvore qualquer.

Àquela corda, naquela árvore, ele chamou amor.

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