ROMANCE EM ALTO MAR

ROMANCE EM ALTO MAR

Era começo dos anos 1920. O país vivia o início da emancipação feminina, embalado pelas marchinhas de Chiquinha Gonzaga, que simbolizavam a luta da mulher por novos direitos. Os ecos da Primeira Grande Guerra ainda ressoavam no Velho Mundo, fazendo com que muitos europeus desembarcassem no Brasil em busca de dias melhores. No norte do país, o progresso chegava com os estrangeiros, fascinados pelo desenvolvimento proporcionado pelo ciclo da borracha. Manaus, a segunda cidade brasileira a receber a energia elétrica, experimentava o auge do fausto, com a construção do Teatro Amazonas e do Mercado Adolfo Lisboa, entre outras modernas edificações. Recém-urbanizada, a cidade fervilhava de forasteiros, entre eles grande leva de nordestinos, atraídos pela promessa de riqueza naquelas terras.

No Ceará, uma jovem aguardava no cais o momento de embarcar naquele navio que a levaria para longe, para o norte, onde iria morar com Júlia, sua irmã mais velha. Sua mãe acabara de falecer e não restava a Alice alternativa senão seguir a única irmã. O destino era Manaus, aquela cidade tão progressista, onde já moravam sua irmã e o cunhado. Não sabia ela que, ao embarcar naquele navio, seu destino tomaria um rumo jamais imaginado.

O apito do navio soou, anunciando a hora do embarque. Alice e Júlia, seguidas de Francisco, seu cunhado, subiram as escadas e foram encaminhados às suas cabines. A viagem deveria durar aproximadamente cinco dias, se tudo transcorresse como esperavam. Depois de acomodarem seus pertences, seguiram para o convés, de onde assistiriam à despedida, deixando para trás o Porto do Mucuripe, onde ficaram os parentes acenando com lenços brancos até o completo afastamento do navio.

Ao se dirigirem para o salão onde seria servida a primeira refeição, Alice percebeu o olhar de um belo jovem, alto e muito elegante no seu terno de casimira e chapéu de palheta, que conversava com um pequeno grupo de viajantes. Baixou os olhos, repentinamente ruborizada. Ao ocuparem uma mesa, viu com surpresa o jovem se dirigir ao seu cunhado e se apresentar, de maneira respeitosa e simpática: seu nome era Alberto, era do Rio Grande do Norte, e empreendia viagem para o Acre, onde deixara um tio que, junto com ele, trabalhava no seringal, com exportação de borracha. Convidado a lhes fazer companhia à mesa, a conversa girou sobre a viagem, as dificuldades enfrentadas pelos nordestinos em consequência das repetidas secas e algumas amenidades. Enquanto conversava com seu cunhado, o jovem dirigia-se de vez em quando a Alice, que respondia timidamente às suas perguntas. Terminada a refeição, dirigiram-se às suas cabines para a sesta, mas o coração de Alice estava em sobressalto. A imagem daquele moço parecia haver penetrado em sua mente de uma maneira avassaladora, roubando-lhe todos os pensamentos. E ela ansiava pelo momento em que o encontraria outra vez.

À noite, foram avisados de que seria servido o jantar de gala e, logo após, uma orquestra tocaria para dança. Alice colocou seu melhor vestido, aplicou nas faces o pó de arroz, prendeu em coque seus longos cabelos e preparou-se para aquele encontro com a sobriedade que lhe era peculiar. Quando se deu conta, já estava nos braços de Alberto, embalados ao som das valsas e polcas que a orquestra tocava lindamente. E ela ouviu dele, com surpresa, a proposta que mudaria sua vida:

- Alice, estou à procura de uma esposa, alguém que me faça companhia nas noites solitárias do Acre, e estou encantado com sua beleza e simplicidade.

Pediu-lhe para pensar durante aquela noite, pois no momento em que desembarcassem em Manaus, ele seguiria para aquele território, e muitos meses poderiam se passar até que pudessem se encontrar novamente. Naqueles tempos, as viagens eram difíceis e demoradas, e ele já gostaria de levá-la consigo.

Naquela noite, Alice não conseguiu conciliar o sono: seria uma decisão difícil e arriscada, seguir com ele em busca do desconhecido, enfrentar a longa viagem pelos rios da Amazônia, por entre a floresta, arriscar uma vida nova e certamente bem diferente da que tinha vivido até agora. Viu o dia clarear e resolveu dividir com Júlia e Francisco suas preocupações. A decisão iria depender de alguma informação que pudessem ter do pretendente. Mas isso não seria problema: com ele viajavam parentes que poderiam garantir seu passado ilibado e sua excelente procedência, pois pertencia a família tradicional e de bons antecedentes no vizinho estado. Os quatro dias seguintes seriam de muita conversa, e o casal passou a ser visto sempre juntinhos, num início de namoro que teria como cenário apenas a vastidão do mar e o azul do céu. Alice estava cada vez mais encantada com Alberto, com seus modos educados e carinhosos. Ele, por sua vez, procurava deixá-la tranquila quanto às suas boas intenções, sem deixar, no entanto, de prepará-la para as dificuldades que teriam na longínqua cidade de Sena Madureira, interior do Acre, onde passariam a viver.

Mas Alice estava já decidida a enfrentar qualquer obstáculo para viver ao lado de Alberto. Então, com o consentimento da irmã e do cunhado, ficou acertado que, na véspera da chegada a Manaus, seria realizado o casamento no próprio navio, pois o Comandante tinha prerrogativas para oficializar a cerimônia. Seguiram-se dois dias de expectativa, até a chegada do esperado dia. A cerimônia realizou-se no salão principal do navio, à tardinha, e houve festa até tarde da noite.

No dia seguinte, Alice acordou ao lado daquele homem, um desconhecido até poucos dias atrás. Mas a sensação era de que já se conheciam desde tempos imemoriais, tal a afinidade nascida entre eles. Alice olhou o céu através da janela da cabine, viu pássaros voando serenamente, e percebeu a sintonia entre aquele voar tão sereno e seu coração tão pleno de amor e de esperanças. Olhou o homem deitado ao seu lado e teve a certeza de que nada, nem a vida desconhecida que iria enfrentar, nem os rios caudalosos que iria percorrer, nem os mistérios da imensa floresta que junto a ele iria desbravar, nada seria capaz de afastá-la daquele sonho bom que agora se iniciava.