Amor...com Amor se paga

Amor …com Amor se paga

António acabou de proferir aquela que era a derradeira martelada na construção de tão bonito banco de jardim, limpou o suor que lhe escorria rosto abaixo, pousou o martelo e sentou-se, fazia questão de ser ele a estrear o seu banco. Há quanto tempo não se sentia tão cansado e, em simultâneo, tão feliz.

Sentou-se mesmo no meio do banco, recostou-se e abriu os braços sobre a tábua que servia de encosto, inlinou a cabeça para trás e saboreou a leve brisa que se começava a fazer sentir, fechou os olhos e recordou o que acabava de viver, nunca se imaginara capaz de tão grande ousadia, as recordações começaram a aflui-lhe à mente como se ainda estivesse a dizer:

- Minhas filhas! Deve haver aí um engano, eu não tenho filhas, aliás, eu não tenho qualquer familia, ou a Dra acha que se eu tivesse familia, estava aqui no lar? É claro que não, estaria lá na casa de uma delas, a ver os meus netos a crescer. Mas deixe-me que lhe diga, Dra., sinto-me aqui maravilhosamente bem. Agora por favor, vá lá dizer a essas senhoras que se devem ter enganado.

António abriu os olhos, quis certificar-se que tudo aquilo não passava de simples recordações da conversa que tivera há pouco com a proprietária do lar onde vive, recorda os argumentos dela:

- Oh senhor António, então o não tem duas lindas filhas? Vá lá, não esteja assim, já sabe como eu não gosto dessas coisas.

Voltou a abrir os olhos e certificou-se de que a Dra. Não estava mesmo ali, voltou a fechá-los e recuou alguns meses nas suas recordações:

- Pai, eu compreendo a sua tristeza, mas não há como dar a volta a este assunto, o pai não pode estar aqui sozinho, e tanto eu como a minha irmã não temos nem vida, nem possibilidades, de o ter lá em nossa casa. Há muita gente de boas posses que também vai para o lar.

- Está bem, se vocês assim o querem.

- Pai, não é uma questão de querermos, mas sim de não podermos. Meta isso na sua cabeça.

António lá se resignou à sua sorte, acabou por se adaptar ao lar, ao lar e à ausencia das filhas, das filhas, dos genros e dos netos, naqueles quase oito meses só o tinham ido visitar duas vezes, logo ao inicio, depois era como se em vez de estar num lar, estivesse num cemitério, e agora…

…agora ali estavam as duas, segundo as palavras da Dra. Cheias de saudades do seu pobre pai, seriam mesmo saudades, é lógico que não, António sabia muito porque é que elas ali estavam, tinham caído na armadilha que eles lhes preparara.

António abriu os olhos, fincou os braços na tábua e riu-se, tinham acreditado na história que ele pusera a circular de que lhe havia saído a sorte grande e vieram logo a correr, mas agora seria ele quem se riria, disse-lhes que não tinha filhas nenhumas, imaginava como deveriam estar assustadas que ele não lhes desse dinheiro nenhum, sempre tinham sido umas interesseiras, eram suas filhas mas ele conheci-as melhor que ninguém.

Levantou-se, agarrou no martelo e contemplou a sua obra de arte, aquela sim, era a sua fortuna, seria para ali que passaria a vil ler o jornal, sabia que elas não iam desistir, mas ele é que nunca lhes perdoaria.

Continuou a recordar, parecia-lhe estar a ouvir aqueles passos:

- Sr. António, preciso que me acompanhe à secretaria do lar. Está lá uma pessoa para falar consigo.

António calculava quem era, não se enganou:

- Sr. António, eu sou advogado e estou aqui em representação das suas duas filhas, elas…

- Ouça Sr. Dr. Advogado, mas ouça bem isto que lhe vou dizer, diga às suas clientes que o pai delas morreu há oito meses, ou melhor, diga-lhes que as minhas filhas morreram há oito meses, sim, porque foram elas é que morreram, eu estou bem vivo. Já que se deu ao trabalho de vir até aqui, faça-me o favor de lhes dizer que me vou.hoje mesmo, embora deste lar, vou comprar uma casa junto ao mar e realizar o grande sonho que sempre partilhei com a minha mulher e que, por ironia do destino, só agora poderei concretizar.

O advogado compreendeu que não conseguiria fazer António regressar com ele, a prpoprietária do lar apercebeu-se da grande mentira do Sr. António, piscou-lhe o olho, retirou-se e fez sinal ao advogado para que a seguisse:

- Dr., eu não posso continuar a pactuar com toda esta farsa.

- Farsa, qual farsa? Dra.

- O sr. António inventou toda esta história para fazer sofrer as filhas, ele não lhes perdoa terem-no mandado para o lar.

O advogado foi-se embora, contou a verdade às suas clientes e manifestou vontade de receber o acordado.

Ao jantar, as duas filhas contavam aos maridos toda a trama do pai:

- Só mesmo da cabeça daquele velho maluco. Que morra lá no lar e os outros velhos que lhe façam companhia no funeral.

Entretanto no lar, a Dra. brincava com António.

- Então Sr. António, que vai fazer à sua fortuna?

- Vou dividi-la com aqueles que me têm sabido amar.

- Sério Sr. António. Bem vamos deixar-nos disto, já conseguiu o que queria, as suas filhas devem estar extremamente fulas consigo. Agora chega de brincadeira.

António meteu uma mão no bolso, depois meteu a outra e:

- Dra. Peço-lhe que me desculpe, mas é mesmo verdade, saiu-me a sorte grande.

- O quê?

- É verdade Dra., vir para este lar foi a minha sorte, se tivesse ficado em minha casa já me teria suicidado, não aguentaria a solidão a que as minhas filhas me jogariam.

- Oh senhor António, o senhor tem sido uma pessoa magnifica, vou até confessar-lhe uma coisa, desde que o meu marido morreu que eu nunca mais tinha olhado para nenhum homem, mas depois você apareceu e…

…António casou com a proprietária do lar, investiu nele a sorte grande que ganhara de verdade e ainda hoje ali vive. Será que as filhas o julgam já morto, ou vivo. Nunca o saberá.

Francis Raposo Ferreira

FrancisFerreira
Enviado por FrancisFerreira em 28/02/2011
Código do texto: T2820391