ENTRE O AMOR E A FÉ

Da janela do táxi ele observa a cidade que se aproxima.Parece não ter muitas opções.É mesmo uma cidade típica de interior, de poucos habitantes, nem o nome consta nos mapas mais atualizados.

Imagem diferente da cidade que nasceu, da cidade para qual concluiu seus estudos.

Em inicio de carreira sacerdotal, Pedro, ou Pe.Pedro, tinha como desafio substituir um sacerdote, prestes a se aposentar, acamado e que, dirigiu a pequena Paróquia da cidade por décadas.

Descendo do carro, seus pés tocam o chão de poeira vermelha, que ao entrar em seu luxuoso sapato,parece indicar que, a realidade era bem diferente de seus sonhos.

Pedro, tinha na mente e no coração um fé revolucionária, algo que, não seria objeto de interesse daquele povo sofrido e que, só sabia enxergar a Deus como, punidor pelos erros e pecados.

Entrando na igrejinha, bela mas com muita reforma a ser feita, embora suas caracterisiticas barrocas lhe descem um ar de beleza infinita, ele sente que terá força para seu novo desafio, sem sequer sonhar o que o destino havia lhe reservado.

Dias se passaram e o comentário na cidade ja havia se espalhado.

Um padre, novo, belo, estava pronto para dar inicio as suas atividades com a primeira missa do domingo.

A igreja estava lotada, bem mais de curiosos do que devotos.Mas Pedro mostrou a eles, em seu sermão inflamado, a que veio.

As moças, quase sem entender, admiravam sua beleza.

As senhoras, embora se encantassem com a beleza do rapaz, achavam que ele deveria ser mais modesto em suas explicações.

Os homens, que na maioria, iam a Missa por cumprir sua obrigação de cristão, comentaram durante todo a semana no bar do seu Manuel que,o tal "padrezinho" não tinha vocação alguma.

Contudo, o padre dava continuidade a seu trabalho sem muito se preocupar com os comentários.Sabia de tudo, graças a Dona Olinda, uma viúva sem filhos que, "adotou"o pobre padre, auxiliando, assim como fazia ao seu antecessor, em todos os afazeres da igreja.

O jovem padre ja estava acostumado a rotina da cidade pequena, das fofocas, dos contrários e admiradores de seu trabalho, quando, no iniciar da primavera chegou a cidade uma moça, vindo, não se sabe ao certo de onde, para trabalhar na escola recém construída, com ajuda do padre.

Rosário, ou professora Rosário, assim se apresentou a bela moça, de olhos claros, ao prefeito da cidade.

Que, encantado, pediu que a levassem para conhecer a escola, esta púpila do padre Pedro...

Ao chegar, naquela barracão ao lado da Matriz, ela se encanta com o trabalho, mas algo além lhe chama atenção...

O jeito carinhoso e afetuoso daquele jovem em cuidar daquelas crianças tão suas como de seus pais.A batina mostra sua vocação, o olhar, o mais profundo de seu coração...

Ao serem apresentados pelo entusiasmado prefeito, os olhares se cruzam, fazendo os corações sentirem algo além do simples aperto de mão.

-Seja bem vinda, minha jovem?

-Rosario...E o senhor, é o Pe.Pedro, que o nosso prefeito tão bem falou?

-Sou eu mesmo...responde o padre demonstrando certa timidez.

Ambos passeiam pelo barracão. Construído e idealizado pelo jovem padre ao ver a necessidade das crianças daquele cidade.

-Vejo que o senhor, apesar da pouca idade, tem muito pulso e vontade de se fazer valer seus ideais?

-Faz parte da minha vocação minha jovem, ajudar aqueles que precisam,independente do que penso.

-Sim mas, nem sempre determinação caminha com vocação.Concorda?

-Sim, claro.Percebo que você também tem seus ideais, visto a carreira que escolheu e onde veio parar!

Ambos soltam risos, descontraindo aquela conversa iniciada meio sem jeito.

-Sou sim, acho que descobrimos pontos em comum...

Rosário fixa o olhar no jovem sacerdote que, meio sem jeito e já percebendo o olhar diferente da moça, desvia e se retira do local, indo para sua modesta igreja.

Semanas se passam, de muito trabalho, conversas, opiniões, acertos e até mesmo certas discussões.Mas ambos sempre juntos, lutando pelo mesmo ideal.Ampliar a escola, levar a educação e conhecimento aquele povo quase esquecido.

Do lado do sacerdote, além da escola, tinha o empenho de confortar familias necessitadas de uma palavra de fé.

Auxiliar aqueles que nele buscavam apoio.

Em seus sermões, cada vez mais inflamados, fazia crescer na cidade admiradores e opositores.A cidade estava dividida entre aqueles que o amavam e aqueles que o odiavam.Assim como ele, a seus seguidores não existia meio termo.

A ela, reserva muito trabalho, dedicação, aos alunos que amava e ja a paixão que pelo padre cultivava.

Tempos passados, não suportando mais o sentimento, ela resolve entrar na fila das beatas que todos os dias faziam sua confissão.Sem nada mais a ter o que dizer, mas sempre ali.

Ao vê-la ao banco, ele solta um sorriso, sem entender porque fizera isso, mas sentia que seu coração se alegrava com aquela imagem.

Já não ouvia mais o que as beatas lhe dizia.Certo também que era sempre a mesma coisa, determinou as mesmas penitências.

Finalmente ela se aproxima.Senta ao seu lado, com a cabeça baixa, olhar fixo ao chão, ouve a voz suave de seu amado...

-O que lhe traz aqui?Você quer confessar ou apenas conversar?

-Preciso confessar, há muito preciso dizer isso, não suporto mais esconder.

Ele a olhou, sentido com as palavras que ela o direcionava.Passou a mão sobre sua cabeça, ainda baixa e bem baixou se pôs a falar...

-Seja lá o que for minha querida que lhe aflige tanto, não tenha medo em dizer.Nosso pai é rico em misericórdia e certamente já lhe perdoou.

-Será mesmo?Será que Ele seria mesmo capaz de perdoar algo que Ele mesmo fez?

-Não estou entendendo!Como algo que ele fez?

-Sim, foi Ele que fez!Ele que fez com que eu viesse aqui e encontrasse...

Ela então desaba em um choro aflito.

Ele sem entender nada, ajoelha-se diante dela e procura acalma-la.Procurando contornar aquela situação.

-Mas Rosário, parece ser algo sério...Porém, se você sentir que não é o momento, fique em paz.Outro dia conversamos!

-Não, eu tenho que falar, já segurei isso demais!

Ele volta, senta na cadeira, segura a mão dela e diz...-"O que esta acontecendo?Pode me contar, confia em mim!"

Tomando um fôlego imenso ela diz de uma vez só...

-Estou completamente apaixonada por alguém que sei que não pode ser meu...

Ele, com receio da resposta e com o coração quase saindo pela boca, arrisca mais uma frase...-Mas amar não é nenhum pecado.E porque vocês não podem viver esse amor.Ele tem algum compromisso?

-Sim...ela respondeu agora ja contendo as lágrimas.

Ele com as mãos já suando, a fala difícil, ainda arrisca.

-Mas se ele é casado, você deve se afastar mesmo dele.Não se pode destruir uma familia, um lar.E certamente,Deus colocará outra pessoa em seu caminho.

-Deus?..responde ela com ar irônico.

Será mesmo que Ele, o todo poderoso me ajudaria?Pois o que quero a Ele pertence.

Nesse momento, ele solta as mãos dela, entende o que ela quer dizer, mas não quer acreditar.Precisa manter a postura de sacerdote e pastor acolhedor, independente do que ela tem para dizer.

-Desculpa Rosário mas não estou conseguindo entender.Fica difícil assim lhe ajudar...

Finalmente ela respira e consegue olhar para ele.Ao encontrar o olhar ele sente sua alma parecer gelar, fazendo seu corpo tremer.

-Eu amo você.Não consigo mais fugir disso!Não tenho culpa se você escolheu a solidão da sua vocação, a mim você é um homem, um homem pelo qual me apaixonei!

Sem terminar as palavras, ela sai correndo pela igreja, num choro ainda mais alto.

-Rosário!Ele grita alto, chamando a atenção daqueles fiéis que ainda esperam para serem atendidos por ele.

Sem poder correr atraz, ele vê a jovem saindo pela porta de sua igreja, parecendo sem direção.

Por vários dias ambos evitaram se encontrar.Ela, pela vergonha de confessar, ele por medo de sentir o mesmo.

Correu o tempo e as festividades natalinas se aproximavam.

Ambos se dedicavam ao coral com as crianças.Tudo para abrilhantar a Missa do Galo.

E assim se fez...

A igreja cheia, principalmente daqueles que querem cumprir sua obrigação e que, olham para o relógio no desespero de avançar as horas,das beatas desejosas da palavra , e de alguns que buscavam naquela noite festiva, paz aos seus corações.

Ele por sua vez, buscou em seu sermão, cumprimentar a todos.Mais que um sermão inflamado, ele usou de poucas palavras, talvez para deixar que as crianças descem um recado maior.

A apresentação delas foi dita como maravilhosa.Não foi raro ver pessoas chorando, emocionadas, até por que isso nunca havia sido feito, e também porque, seus filhos estavam a se apresentar.

Ele, sentado em sua cadeira central, olhava para aquela bela moça a coordenar as crianças.Aos seus olhos, ela parecia exalar as notas da canção.Sentia que seu coração sorria, pelo simples fato dela estar ali, na sua frente.Muito mais que realizando seus sonhos sacerdotais naquela noite, mas estava ali a embalar o coração do jovem Pedro.

Terminando a Missa, muitas abraços de votos natalinos se espalharam pela igreja, fora dela e na sacristia, onde o padre recebeu seus admiradores, as beatas e as crianças do Coral.

Rodeado de carinho, presentes, ele vê se aproximando que ele mais queria saldar nessa noite.

-Posso lhe dar meu abraço Padre?

Soltando uma criança de seu colo, ele com largo sorriso, responde:

-Mas é claro Rosário!

Abrindo os braços como quem chama pra si, recebe o abraço carinhoso que tanto desejava.

Unidos num abraço fraterno, ambos sentem que algo dizia além.Seria os corações alertando sentimentos inoportunos?

Sem saber como agir diante do que sentia, ele se afasta, olha nos olhos dela, e passando a mão pelo seu rosto, parabeniza.

-Estava lindo!Você fez um belo trabalho!

Sentindo as mãos suave em seu rosto, ela fica sem reação, sem palavras, apenas consegue responder:

-Tenho muito que agradecer ao senhor também.Acima de tudo pela confiança.Feliz Natal!

E sem que ele pudesse responder, ela saiu, deixando-o ainda mais sem entender e, sem poder dizer mais.

A noite de natal que para ele sempre foi, desde a infância, a mais linda do ano.Sempre desejou realizar uma bela Missa e depois ir para a casa comemorar com a família.

Porém, essa noite estava tudo diferente.

Havia realizado uma bela Missa sim, mas a família estava longe.Em uma ligação pode ouvir a voz saudosa da mãe.

Mas não era somente isso que o perturbava essa noite.Tinha ele agora a certeza do sentia pela jovem Rosário.

Mas esse sentimento era absurdo.Sabia que havia escolhido a vocação correta, aliás, desde pequeno todos diziam sobre sua vocação.

Filho de mãe solteira, a acompanhava em todas as Missas, rezas, novenas e tudo mais que a igreja de sua rua oferecesse.

Claro, aquele sentimento iria passar.Era só uma tentação.Ele não estava se enganando, sabia bem.

Ela por sua vez, também sozinha na cidade e por conta do Coral, não viajou para seus familiares, assistia da janela de seu quarto, a noite mais triste de sua vida...

A semana passou, pela cidade comentários da bela apresentação do Coral durante a Missa.

Ouvia-se de tudo!

Pais dizendo que o filho foi o melhor, críticos achando absurdo uma apresentação em meio a Missa.Enfim, elogios e criticas que o padre ja nem fazia mais questão de ouvir.

Seu pensamento estava distante.Desde a noite do Natal não via Rosário.Será que ela viria para a Missa de Ação de Graças?

Mas porque ele pensava isso?

Caminhando pela cidade, passou em frente a casa da moça que estava lhe tirando o sono.Fez menção em bater, mas preferiu continuar a caminhar...

Na Missa de Ação de Graças, a igreja cheia, mas a ele parecia tão vazia pois, não conseguia ver entre tantos rostos, quem ele mais gostaria.

Ao término ele constatou, infelizmente ela não veio...O que teria acontecido?Será que ela havia viajado sem ao menos se despedir?

Em meio aos cumprimento em frente a igreja, quase a meia noite, já sobre barulhos de fogos de artifícios, ele toma a decisão de ir até a casa dela para ao menos entender o que estava acontecendo.

Caminhando, ele pensa no que iria dizer.Sabia que ela poderia entender mal a sua visita, naquela hora.Mas eram amigos, ele só queria cumprimenta-la pela passagem do ano.Eram amigos, ele devia isso.

Caminhava, pensava, enganava a si mesmo.

Chegando, ele vai até a porta, pensa em bater, pensa em voltar.Mas não tem muito tempo para pensar, da janela ela já o via chegar, e correu para abrir a porta, sem ao menos ele bater.

Mais uma vez os olhares se cruzam, não há muito o que dizer, ela, envolvendo-o num abraço caloroso, beija-o sem esperar qualquer reação.

Ele, também sem querer pensar, corresponde aquele beijo tão esperado.Aquele abraço tão desejado.Não tinha o que dizer, tão pouco o que fazer.Era deixar acontecer e nada mais, sem mais nada a pensar.

Assim, em meio aos sons, aos fogos, que anunciavam o ano vindouro, ambos se entregam ao amor.Deixando que seus corações e seus corpos, falem por eles.

O amanhecer do novo ano traz a eles a realidade do amor.

Um café a dois.Beijos que não cessam.Carinhos intensos que levam ao amor.

Ela estava totalmente entregue aquele amor, ele mesmo sem querer assumir, sabendo que a amava, busca sempre se firmar na vocação.

O ano trouxe a eles ainda mais tantos outros encontros.Cada vez mais recheados de desejos e muito amor.

Embora ele se mantesse firme no comando da igreja local, tinha todas as tardes o amor e o carinho daquele mulher linda, fogosa e sempre sua.

A noite, sozinho, pensava na sua vocação e no seu amor por Rosário.Eram duas paixões distintas e ao mesmo tempo tão semelhantes.Não conseguia viver sem nenhuma delas.Mas sabia que uma hora haveria de escolher.

Do outro lado, ela se permitia viver isolada, apenas com seu trabalho.Pois, cada tarde ao lado não de seu sacerdote, mas do seu amor, valia a pena qualquer sacrifico...

Em uma das tardes de amor, ele começa um comentário que não agrada muito.Entre beijos , ele se dispõe a falar....

-Tenho uma viagem a fazer, não muito demorada, coisa de poucos dias dias.Devo me apresentar ao Senhor Bispo, quanto antes, questões da Paróquia, nada demais.

Ela percebendo o nervosismo nas palavras dele, senti um certo frio na alma, um medo sem explicação.Mesmo assim, conforta seu amado:

-Se você esta dizendo que é breve, eu espero e entendo...Voltando a beija-lo ainda com mais desejo.

Passados 15 dias desde a partida do padre, a igreja fechada e os fiéis já desesperados com o sumiço sem razão de seu pastor.Não entendiam,se perguntavam, mas não encontravam respostas.

Rosário por sua vez, mantinha seu trabalho na escola, agora ja mais ampliada e com mais professores.Sentia saudade, mas confiava em seu amado.Ele disse que seria breve, portanto, logo ele voltaria.

A tarde, em sua casa, pensando em como poderia ser bom se seu amado chegasse naquele momento e, ambos pudessem se entregar novamente ao amor, ouve uma correria na praça central. Ela não entende muito bem mas, parece que o povo gritava pela volta do padre.Seu coração disparado, sai correndo pela porta entre aberta, chega até a praça onde vê um senhor, de batina negra, descendo de um táxi.

O povo que aguardava Pedro, não entendem o que faz aquele senhor na frente da igreja.Este por sua vez, sobe a pequena escada de frente a igreja e, como parecer adivinhar os pensamentos, exclama em alta voz:

-Sou padre Borges, venho a mando do senhor bispo, substituir padre Pedro que, na última semana embarcou para a Espanha, a fim de concluir seus estudos e por lá fixar sua missão.

Sem mais ter o que dizer, ele entra na igreja, acompanhado de duas beatas.O povo, sem nada entender comentam, reclamam e se afastam.

Ela porém, paralisada com o que acabara de ouvir, sente que não há mais chão entre seus pés.Não consegue encontrar ar para respirar.O céu parecia cair sobre sua cabeça.

Passos incertos ela caminha de volta a casa.Casa essa onde muitas vezes se entregou ao amor...

Não podia acreditar no que ouvirá.Ele a deixou, sua vocação foi maior que seu amor por ela?

Como continuar naquela cidade?Estava ali acima de qualquer coisa por ele, para ele! E agora, ele não estava mais lá, nem mais voltaria.Foi sem ao menos lhe dizer se tudo teve valor.

Pensa em desistir, mas sua garra a impede.

Pensa, chora, reclama, mas aceita a condição.Ele não a amou tanto amou e ama sua igreja.E assim como ele, resolve partir.Voltar as suas origens, começar do zero.

Deixando para traz aquela cidade, que tanto lhe ensinou, onde conheceu e viveu um grande amor, e que, levava com ela, muita coisa conquistada, mas a dura e fria realidade de não poder ser amada por quem mais amou na vida....

Viviane Alves
Enviado por Viviane Alves em 10/03/2011
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