Ângela e Álvaro.

Era sem dúvidas uma mulher forte de tão frágil, enorme em solidão

e miúda em sua força. Caminhava pela rua tranquila de uma quase madrugada de verão, lua cheia de fora clareando os passos que a levariam á casa.

Abriu o portão lentamente, se sentou no jardim entre jasmins e roseiras,olhou o céu coagulado de estrelas, suspirou e decidiu que á

partir daquele instante iria se desvendar/desnudar e quem sabe não seria aquele o momento derradeiro de renascer?...

Sim, sabia com verdadeira convicção que toda mudança leva a dores/lágrimas/renovação nunca acontece sem sofrimento.

Mas foi em frente,pegou o telefone, uma antiga agenda já meio amarelada e meio que torporosa sentiu os dedos deslizando suaves e

apreensivos pelo teclado e no mínimo segundo de silêncio, antes de se

ouvir os primeiros toques do outro lado da linha, suspirou tentando acalmar seu coração em verdadeira revolução dentro do peito.

Pensou em desligar, antes da chamada ser completada, mas para sua esperada surpresa uma voz respondeu quase perguntando o já

tradicional alô.

No primeiro momento ficou silente, apenas ouvindo e se relembrando do timbre daquela voz tão conhecida e por vezes agora meio ruidosa nas lembranças.

Mas sabia que se não falasse a ligação se perderia e tinha certeza de que não conseguiria se municiar de coragem para repetir seu ato.

Respirou fundo e falou um ofegante olà, como a esperar que o outro soubesse quem estava falando,na verdade quase sussurando. È

óbvio que não dá para esquecer uma voz que já sussurou devotamente

palavras de amor e desejo ao pé do ouvido.

Por sua vez, do outro lado do sinal de satélite um ligeiro tremor, uma espécie de frio na boca do estômago( engraçado lembrar que ao falarmos de amor o corpo todo parece ganhar vida própria não é? Pé de ouvido, boca do estômago) como a prever/pré vendo algo que sabia em seu íntimo iria um dia acontecer.

Chegou a hora? Não sabia ao certo, apenas espreitava se perguntando se tinha certeza de que era aquela voz.

Apenas algumas palavras bastaram para revolucionar toda uma vida.

- Alô ?! Quem está falando?

- Oi, sou eu Ângela , como vai Álvaro?

O silêncio tenso crescia na proporção que a taquicardia, mas já não dava para fugir/desligar e sair correndo,não . Não podia, não iria voltar atrás de novo.

- Ângela, há quanto tempo, como você está, como achou meu telefone, o que você quer? Perguntava atônito.

- Álvaro, muito tempo mesmo, vou indo e você? Liguei apenas porque não pude resistir as lembranças que hoje vieram tão intensas.

- Vou indo também, sinto saudades por vezes, mas a vida seguiu em frente e mesmo guardando lembranças, é preciso viver cada novo dia.

-Precisava te falar meu querido amigo ( como é difícil chamar de amigo a quem só chamava de amor em maneira de afeto e proximidade)

que as aulas terminaram, a faculdade se findou, o mercado de trabalho

abriu e fechou portas, ganhei e perdi, me achei e me perdi, mas hoje Álvaro não pude calar minha alma que precisava te ouvir e te dizer que se eu pudesse voltar no tempo, não teria bebido aquele martini, não teria ficado de porre e não teria perdido você.

- Pois é Ângela, foram 17 garrafas de martini em meio a uma enorme turma de universitários, vários porres e muitos risos e lágrimas, agora já se passaram 10 anos, nos perdemos de nós dois e nos buscamos por todos os nossos caminhos, mas já é tarde e amanhã preciso trabalhar.

- Vamos sair, conversar, beber alguma coisa, menos martini. Matar as saudades, quem sabe relembrar?!!!

- Não acho que valha á pena remexer em um passado que ainda que moribundo suspira algumas vezes, tomar porres de solidão e lembrar que muito amamos e bastante sofremos...,melhor não arriscar,mas gostei de falar com você, ligue quando quiser,um beijo. Boa- noite.

- Boa noite Álvaro,quem sabe um dia ainda viraremos madrugadas

dando risadas, contando estrelas e...boa noite.

Desligaram cada um do seu lado.

Ângela finalmente acordou no final da madrugada e refeita/desfeita de forma estranha se perguntou o que fazia recostada

no banco do jardim,com uma velha agenda nas mãos,procurava o número de quem?

Acordou de um sonho que a alma queria real? Dormiu insanamente

se esvaindo pela noite de verão? Quem poderia saber?

Mas levou o dia inteiro pensando, onde andará Álvaro? Queria ouvir a voz dele, quem sabe um dia eu ligo e podemos nos encontrar,conversar,beber um martini...sonho estranho que tivera,que

a realidade chegava doer.

Obs. Conto em homeagem a dois amigos queridos que trilharam comigo

linhas e pautas da faculdade de jornalismo.

Márcia Barcelos.

Márcia Barcelos
Enviado por Márcia Barcelos em 07/04/2011
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