Nem tão doce amor - Parte II

Evacuei do recinto, saí apressado deixando as chaves na porta, não tinha mais nada a temer e minha única companhia era o medo.

ATENÇÃO

Caro leitor, se você como um humano típico conserva algum tipo de escrúpulo, simpatia pelo amor ou mesmo está apaixonado, é melhor que não leia este conto, pois é um conto de desamor e eu, o escritor desprovido deste sentimento incógnito que a vós subscreve este amontoado de letras que formam palavras que formam sentenças, sentenças que podem escandalizar o caro leitor, lhes recomendo não ler este texto.

Eram 23:43 do dia 29 de fevereiro de um ano que eu prefiro não lembrar, já que lembranças me causam dor. Era uma noite chuvosa, a rua estava deserta, deserta exceto pelo insistente humano (eu) que continuava a caminhar lutando contra a tempestade. Eu caminhava a passos largos, como se a chuva fosse apenas uma garoa fina de uma tarde veranesca.

Meu nome? Não, eu não sei. Sou apenas um jovem classe média-alta qualquer entre 20 e 25 anos que perdeu seu direito de ter nome após atender um telefonema, perdi minha honra, perdi meu mundo (embora ainda não saiba disso). É tarde demais para mim, estou caminhando apressadamente por esta chuva apenas para confirmar minhas suspeitas, mas eu já a perdi. Vejo borrões das casas do bairro onde moro passarem rapidamente pelos meus olhos. Meu coração está batendo acelerado como se quisesse romper os ossos e as camadas de músculos, gordura e pele que o envolvem, as batidas ritmadas criam uma espécie de música fúnebre no meu peito, meu corpo sedentário começa a reclamar do longo percurso feito.

Estou com pressa, quero chegar logo, preciso vê-la uma vez mais. Minha doce Silvia. A criatura mais meiga e apaixonante que conquistara meu coração como nenhuma outra havia conseguido, destruíra meus medos e traumas e colocara no lugar uma montanha imensa de amor. Eu sabia que eu era exagerado, mas negava prontamente quando minha namorada tentava me convencer que eu era mesmo exagerado.

Nove meses de namoro, os nove melhores meses da minha vida. Conheci Silvia de uma maneira muito especial. Todos os dias eu saía com o meu cachorro para caminhadas vespertinas, quando fui abordado pela menina mais linda que eu jamais tinha visto, seu sorriso era angelical e ela estava acariciando meu cachorro, sim, ela era especial. Eu a pedi em namoro. Hoje minha mente recorda cada momento como se estes tivessem acabado de acontecer e eu percebo o quanto ela me faz falta, mesmo hoje depois de muitos anos, sua ausência ainda dói.

Finalmente eu conseguia distinguir os contornos das árvores no parque, os quiosques com alguns casais de namorados aos beijos, ainda mais perto as flores, as ervas daninhas, e a areia encharcada, na verdade olhando mais atentamente viam-se pequenas poças e os novos pingos que caíam nas poças faziam soldadinhos de água e areia que logo se desmanchavam para que outros surgissem, mas isso eram apenas acontecimentos sem importância qualquer, eu estava demasiado concentrado em um quiosque específico, que ficava no centro do parque. Quando me aproximei o suficiente consegui distinguir os contornos antes mal feitos de duas pessoas, mas eu não queria ver.

Minha namorada, minha amada namorada ali...

Morta, MORTA, ele pensou. Naquele momento, nosso garoto estava tomado por ódio e palavras lhe faltavam, seu ódio era denominado DOR. Sua namorada e seu melhor amigo, uma traição dupla. As duas pessoas que eram sua família por escolha, diferente daqueles que carregavam o seu sangue e o mimavam por obrigação, aqueles com quem ele se importava o suficiente para denominar família.

O garoto estava paralisado ali como se colado ao concreto, nem o fato de ter sido visto pelo casalzinho traidor o fez se mover, ficou ali por alguns minutos e após recuperar uma pequena porcentagem de sua sanidade, forçou seus pés a saírem do local. A única palavra mal pronunciada pelo menino sem nome foi “Obrigada!”.

Após conseguir se retirar do local, ele andou durante horas, sem saber para onde ia, sem saber porque fizeram aquilo com ele, sem saber porque seu Deus era tão cruel. Sua vida que antes era plena havia acabado em questão de minutos. Depois desta desventura, vieram as drogas, as mulheres fáceis e as tentativas de suicídio tudo para tentar recuperar um coração aos pedaços.

Muitos dizem que homem não chora, então talvez nosso garoto seja apenas um maricas. Um maricas que apesar de tudo conservava a devoção por sua amada. Um maricas que só conhecia a dor, a dor de não tê-la.

Depois de pensar muitas vezes em suicídio, finalmente ele tomou coragem, pegou drogas de ação diversa e misturou ao uísque roubado de seu pai, tomou tudo em um só gole, se sentou e começou a escrever uma carta de despedida destinada não aos seus pais ou amigos, mas à sua amada desilusão. Aquela a qual ele se recusava a viver sem. Mal sabia nosso garoto que Ela salvaria sua vida, aquela que era a responsável pela sua tentativa de suicídio.

Hoje, o ex-menino é um homem que tem pesadelos com a palavra amor e dificuldades de se relacionar, na verdade seus relacionamentos não duram mais que três encontros até que um dia ele encontrará sua verdadeira Silvia, a Silvia que irá reconstruir seu eu para depois destruí-lo novamente. Todas somos Silvias, o que nos difere umas das outras é a intensidade que nos entregamos aos diversos garotos sem nome por ai.

Sindelll
Enviado por Sindelll em 13/04/2011
Reeditado em 21/06/2011
Código do texto: T2906640
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