A Sua Voz...

Sua voz começa... você me liga, e sua voz começa... somente sua voz é suficiente... Sua voz parece mel quente derramado no interior do meu ouvido, enchendo minha cabeça com pensamentos sobre você, expulsando todo o resto. Sua voz doce e quente desce, acaricia meu tímpano com vogais quentes, derrete-se dentro da minha cabeça. Agora todo meu cérebro está envolto pelo mel quente de sua voz, não há espaço para mais nada, mas você continua derramando sua voz sobre meu ouvido. Então começa...

Sua voz ganha passagem, encontra uma forma de escorrer pelo interior do meu corpo. Desce suavemente pela espinha, como um mel descendo por uma colher. Vai acendendo cada parte do meu corpo, meu sangue esquenta, meu coração acelera e meu corpo pulsa. Você está perto, tomou minha imaginação, meus olhos procuram por você, mas eu não te vejo, meu corpo quer te sentir, mas você está no celular. Fico violento! Meu corpo não aceita mais sua falta, exige a sua presença! Tento dialogar com ele, explicar que você está longe, mas é em vão. Meu corpo está irredutível, exige a sua presença, ameaça matar o refém, esbraveja e grita. Eu não tenho outra escolha, vou ao seu encontro. No celular ouço seu riso, você e seu comparsa sempre ganham. Então começa...

Seiscentos quilômetros depois, amarrado durante horas em um carro e ainda refém, chego perto de você, quero que me liberte, mas você quer receber o resgate. Tudo piora quando te vejo, sua imagem ofusca tudo em volta, nada mais existe, sua beleza consumiu tudo. O universo foi vencido por você, sua vontade foi mais forte do que tudo que existe, e a sua vontade agora sou eu. Cada passo que dou em sua direção aumenta essa febre, os milésimos antes do beijo nunca são os mesmos, mas sempre fez parte de mim guardá-los. Esse gosto, essa textura, esse cheiro. Então começa...

Subir as escadas até o seu apartamento parece tarefa deliciosamente impossível. Você sobe um degrau eu te puxo, te beijo, tento subir, você não deixa, basta um olhar pra descermos mais dois, cada movimento só funciona se for a dois, uma mordida: “desculpe não comi nada na viagem.” Chegamos à porta, “cadê a chave? Está com você? Deixa que eu procuro no seu bolso... tomara que não encontre, cadê? Ache logo! Demore mais... beije mais... achei a chave”, a porta se abre, a porta se fecha. Então começa...

O quarto está muito longe, o sofá está mais perto. Você quase rasgou minha blusa, quase arranquei seu colar, meu sapato saiu voando para a cozinha, logo depois foi o seu, deviam estar com fome também. A calça sentou na mesa e a blusa sentou à mesma, ainda não chegamos no sofá? Quase que esse tapete me seduz, você me agarra e arrasta ate o sofá, missão de salvamento, queria me afogar no tapete e você quer boca-a-boca no sofá, uma luta! Nadamos, nadamos e chegamos à almofada cor de areia. Então começa...

Delineado no seu corpo está a perfeição da natureza, escrita com letras Calibri (Corpo), disposta em síntese ou em detalhes. Cada mudança de cor cuidadosamente pensada, cada relevo esculpido, cada centímetro de pele um conto, qual eu vou ter o prazer de ler hoje? Minha atenção é consumida pelos seus olhos, você fala algo no meu umbigo, um soneto pretérito, poesia perfeita, calor e calafrio. Minha mente está fechada, só cabe você e eu aqui dentro. Espio da porta nossos corpos se esbaldando, observo nosso frenesi do teto ou escondido atrás da televisão, imaginar nossa cena só aumenta meu desejo. Sua pele tem um gosto salgado, sua boca tem várias texturas: explorar e catalogar cada uma delas é meu hobby preferido, é quando um sentir quente e molhado me interrompe. Então começa...

Evolução, milhões de anos, a natureza pensou em tudo, pensou em cada movimento meu, pensou em cada beijo seu, pensou no quebra-cabeça que só nós dois resolvemos, mas acima de tudo, pensou nos seus olhos que eu devoro enquanto sinto sua pele inflando cada veia do meu corpo. Uma onça que agarra minhas costas, você quer mais da minha boca no seu pescoço, eu desejo o que você quer, você deseja o que eu tenho. Intensidade, prazer, explosão! Piso no céu, estou no paraíso, por um tempo fico aqui... Agora estou sentindo, estou voltando para a terra. Então começa...

Recobro meus sentidos, você foi ao banheiro molhar o seu corpo, estou com sede. Não tem uma gota de água na minha boca, você roubou tudo. Na cozinha mais sintomas da superdose de você: algumas das minhas partes não acordaram, tudo gira devagar, sorrio até para o garrafão de água, que parece sorrir de volta. Minha mente agarra com unhas e dentes este momento, luta pra que ele não se perca. Estou muito bem, estou satisfeito, até quando chego à sala. A televisão está sintonizada em algum programa de domingo. Então começa...

Não queria ver aquilo, você insiste, aceito contrariado. Você quer conversar enquanto passa meu filme. Queria um de ação, não aguento mais novela. Seu ódio por me ver jogando a mala na cama me assusta. Quero que você troque essa roupa, não vou sair com você assim! Não quero pizza, quero dançar! Não aguento tomar mais sorvete! Qual o problema com o meu sapato em cima da mesa? Não quero dançar, quero sair pra comer! Não te aguento mais! Entre as palavras de raiva da nossa ultima discussão faço minha mala. Nossa munição não acaba, no meio do tiroteio a porta se fecha, entro no ônibus, na poltrona me sento. Sozinho agora com meus pensamentos. Raiva, frustração sentam do meu lado na viagem. Vejo a lua iluminar a minha cidade, as ruas vazias da madrugada, então eu tomo o primeiro gole. O primeiro gole de solidão é amargo. Então começa...

Meses se passaram nesta semana, minha vida está rasgada. Sou o mais chato entre os meus amigos, não acho graça em nada. A televisão é um câncer, na verdade sempre foi, mas agora invadiu a internet. A internet está um lixo. Nesta cidade não tem uma mulher que me chame atenção. Esse maldito despertador me acorda com um soco na cabeça, me tira desse sono mal dormido, levanto dessa cama torta nesse quarto bagunçado, vou tomar banho naquele banheiro sujo, pra andar nessa cidade desinteressante a caminho daquele trabalho maçante. A sua voz... Estou no meio do caminho dessa rotina amaldiçoada, desse martírio humilhante, atrás daquela mixaria mensal quando o celular toca! A sua voz... Toda minha raiva e frustração agora se materializaram, agora sei que você é o motivo de todos os erros da minha vida! Vou derramar sobre você tudo o que me fez passar! Eu... Eu... escuto sua voz, me perco na sua voz, me acho pela sua voz,... sua voz no meu ouvido... sua voz na minha alma... A, sua, voz...Então começa...