Amor ao próximo

Amigos:

Porque hoje é o dia da criança, e porque ser criança significa muito mais do que aquilo que aqui possamos escrever, peço desculpa aos administradores do grupo, bem como a todos vós, e permito-me aqui deixar um texto em prosa que é um hino ao amor pelas crianças

Amor ao próximo

Ninguém que olhasse para o David, e não soubesse a sua idade, lhe daria apenas os seus catorze anos. De facto David era um jovem africano de grande porte físico, o que, para além de enganar os mais incautos, lhe tinha servido, durante os últimos anos, como escudo de protecção.

David era um jovem que tinha vindo a cometer alguns actos menos lícitos e, por isso mesmo, se encontrava agora à guarda da justiça, numa escola de recuperação social. Não se tratava de um jovem muito bem visto, antes pelo contrário, o seu cadastro contemplava vários castigos, parecia tratar-se de um caso de difícil solução.

Quando Martinho assumiu o seu novo cargo, precisamente como professor naquela escola, foram-no logo alertando para o feitio muito especifico dos seus novos alunos, de onde se salientava a recomendação muito especial sobre o David, um jovem de relações pessoais muito difíceis e que facilmente partia para a violência física. Martinho acreditava que os muitos anos que levava de ensino lhe valeriam de alguma coisa, não se deixando intimidar ao primeiro alerta.

A apresentação não foi lá muito animadora, os seus jovens alunos, um pouco instigados por David, procuraram criar algum clima de intimidação, mas ele não se deixaria levar no jogo, afinal não era a primeira vez que os seus alunos o testavam, e embora aqueles fossem alunos de características diferentes de todos os outros seus alunos, ele iria tentar vencer.

Os dias foram passando, Martinho foi conseguindo estabelecer relações de grande empatia com todos os seus novos alunos, David incluindo, até que chegou um momento de grande tensão. David não acatara uma ordem de um dos responsáveis pela segurança da escola e ameaçava quem o tentasse agarrar para lhe aplicar o castigo entendido como devido.

Martinho tentou intervir como mediador, mas viu a sua disponibilidade ser de imediato rejeitada pelo responsável máximo da escola, de um modo que o deixou, mesmo, magoado:

- Saia daqui, a sua missão aqui é dar aulas. Deixe este serviço para quem o sabe fazer.

Martinho retirou-se. David acabou por ser dominado pela força, bruta e colectiva, da equipa da escola, sendo encerrado no quarto destinado ao castigo. Lá ficaria uns oito dias.

O fim do ano escolar ainda está longe, mas David terminou o seu período de internamento, pelo que a escola lhe prepara uma festa de despedida.

- Professor, amanhã vem à minha festa?

- David, peço-te que me desculpes mas não poderei vir, já assumi compromissos dos quais não posso abdicar. Lamento imenso.

Martinho não quis estar com mais pormenores, não tinha qualquer impedimento, mas também não sentia vontade nenhuma de estar presente numa festa que não sentia como sua, afinal era só mais um professor daquela escola e não era homem de participar em acções de pura hipocrisia.

Terminou as aulas e dirigiu-se para a saída, avistou o responsável máximo ao fundo do corredor e pressentiu que vinham aí chatices:

- Então Dr. Martinho, amanhã não vem à festa do seu menino?

- Saiba, sr. Director que se fosse a festa do meu menino, eu viria com todo o prazer, só que esta, será a festa de quem nada fez para o recuperar e, agora, quer dar a entender que fez um trabalho formidável com esse jovem. Desejo-lhe toda a sorte do mundo.

- Eu também lhe desejo toda a sorte do mundo, só quero o bem dele.

- O senhor está enganado, eu desejo toda a sorte do mundo mas é ao senhor, porque ele, já nasceu sem sorte nenhuma. Talvez um dia o senhor se lembre que houve um David na sua vida e reconheça de como o julgou pelo seu passado, em vez de se preocupar com o seu futuro.

Martinho jurou a si mesmo, naquele momento, que seria a última vez que passaria o portão principal. Assim o fez.

Marinho é hoje um homem feliz por continuar a ajudar os meninos da rua que precisam da sua ajuda e David vive encantado por ser o seu adjunto, impedindo que outros jovens corram o risco de cair nas escolas de recuperação que só servem para continuar a fazer crescer o ego de quem só pensa nas crianças no dia 1 de Junho de cada ano.

Francis Raposo Ferreira

FrancisFerreira
Enviado por FrancisFerreira em 01/06/2011
Código do texto: T3007856