E aí, Santo Antônio?

Naquela noite, Luna pôs um gracioso vestido estampado de flores, enfeitado com babados, rendas e bicos de bordado inglês. Colocou no cabelo uma rosa, combinando com o vestido. Adornou com bijouterias coloridas, o pescoço, os braços e as mãos. Fez uma maquilagem um pouco mais forte que a de costume. Calçou uns tamancos de saltos altos e finos e, diante do espelho, fez alguns passos de dança. _ “Quero estar bem bonita, hoje. Quem sabe, essa festa vai decidir meu destino”... _ Falou, jogando a saia para um lado e para o outro, como fazem as dançarinas espanholas.

Era uma noite junina, com cordões de bandeirinhas enfeitando as ruas e fogueiras ardendo nos terreiros das casas. Para abençoar a noite, o céu exagerou na exposição de brilhantes estrelas que passavam inquietas, semelhante a mísseis, desenhando riscos na escuridão. Fogos de artifício deslumbravam os olhos das pessoas, transformando-as em crianças, diante do espetáculo multicor em homenagem a Santo Antônio, o santo casamenteiro.

Luna dirigiu-se ao local onde ia dançar a quadrilha e durante toda a noite. _ “Desta vez, vou pegar o sol com a mão.” _ Disse, ao sair de casa.

A quadra estava semelhante a um baile na roça, cercada de folhas de palmeira, de onde pendiam balões, flâmulas e lanternas coloridas, dando um ar de festividade e alegria que se refletia no semblante dos dançarinos. No interior, as mesas contornavam a pista de danças e já estavam quase todas ocupadas.

Luna reuniu-se aos pares da quadrilha em companhia de um jovem alto e louro, com quem ia dançar. Já o conhecera durante os ensaios e a pouca convivência fora suficiente para que o seu coração palpitasse mais rápido. Mateus era um cavalheiro: atencioso, educado, sabia tratar bem uma mulher, elogiando-a sempre e com respeito: _ “Você está linda, Luna. Quer dançar a festa toda comigo? Vou ficar muito feliz, se você aceitar.”

Surpresa com o convite inesperado, um pouco relutante, responde com timidez: _”Claro.”

Durante a quadrilha, a jovem usou todo o seu charme, exibindo os passos que ensaiou diante do espelho. Sua alegria era contagiante, e entre os “En avans tous” e os “En arriés, seu olhar ia de encontro ao de Mateus, que recebia com um sorriso, deixando no seu coração uma interrogação: “ Seria ele o seu príncipe encantado?”

Ao som de músicas roceiras, após a quadrilha, divertiram-se por um bom tempo. Já cansados, sentaram-se para beber alguma coisa. Foi então, que Mateus abusou da cerveja, ultrapassando os limites. Luna convidou-o a dançar. Seus passos já não eram os mesmos, estavam pesados e não obedeciam ao ritmo da música. Seu hálito cheirava a álcool, Um forte e desagradável odor exalava de seu corpo. De onde vinha aquele cheiro? Suas mãos estavam unidas às dela, sua fantasia de “cow-boy” estava perfeita: calça “Far-West” camisa quadriculada, um lenço vermelho ao pescoço e um chapéu a “Roy Rogers”. Desapontada, lhe pergunta: _ “Mateus, de onde vem este mau cheiro aqui, entre nós? Já está me causando náuseas.” O rapaz responde com dificuldade: _“Ah! Sim. Eu guardei aqui... É tira-gosto.” Meteu a mão no bolso da calça e tirou um peixinho assado envolto em farinha, que pôs na boca e comeu de repente. _ “Não! Isso é demais!” _ falou a moça decepcionada.

A jovem pensou em deixá-lo. Ele parecia não enxergar o seu vestido, os seus enfeites, toda aquela produção em que tanto caprichara! Uma tristeza ocupou-lhe o coração. Tão feliz que estava! Quem sabe, poderia aquela amizade transformar-se em namoro, em noivado, em casamento até. Mas ele era um bom rapaz. Numa cidade de interior, todos se conhecem e aquele pequeno acidente, não deformava o caráter de um homem. Resolveu perdoá-lo. Afinal, beber socialmente, com moderação, não faz mal. De volta à mesa, pediu-lhe para que não bebesse mais. Continuaram conversando, na esperança de aproveitarem, melhor, o restante da festa. A noite estava maravilhosa. Uma verdadeira noite junina com um céu pontilhado de estrelas, fogos de artifício dando um “show” de beleza e luminosidade, o cheiro de pipocas no ar e as verdadeiras músicas sertanejas acelerando o coração da mocidade.

Pelas duas horas da manhã, a alegria contagiante, que dominava o recinto, deu lugar a um clima desequilibrado movido a álcool, em que as pessoas se desconhecem, se agridem, os ânimos se alteram e coisas desagradáveis acontecem. Em dado momento, surge um burburinho a um canto da pista. Alguns jovens discutem, resultando em brigas, empurrões, palavrões, arremessos de garrafas e num corre-corre, pessoas procuram fugir. Nesta ocasião, um rapaz moreno, com fantasia de vaqueiro, tendo um chapéu de couro quase a cobrir-lhe os olhos, caiu sentado no colo de Luna. Encorajado pelo álcool, olha para ela e pergunta: _” Quer casar comigo?” Sem responder, a jovem o empurra. Mateus dá-lhe um soco e joga-o para fora da pista. Para eles, a festa que poderia ter sido tão agradável, já estava terminada.

Diante desses transtornos, já em casa, a jovem decepcionada, fala diante do espelho, enquanto tira os adornos que colocara sobre si: _ “Uma amiga me disse a algum tempo, que Santo Antônio traz um marido rapidamente, mas não escolhe o tipo. Dessa vez, o santinho exagerou, trouxe em dose dupla: um louro “cow-boy” à americana e um moreno “vaqueiro” à nordestina. Estou confusa...”

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Maria de Jesus. Fortaleza, 11/06/2011.

Maria de Jesus
Enviado por Maria de Jesus em 11/06/2011
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