A Carta

Oi meu amor, tudo bom? Espero que depois desta carta tudo se resolva:

Dava a impressão que eu era feliz, porque sorria e fazia muitas brincadeiras... Eu sei, sei que dava, porque realmente era... quando estava contigo. Lembra-se de quando nós ficávamos horas a fio conversando pelo telefone? Graças a Tim, né? Nossa... Eu me recordo de cada momento! Em um de nossos primeiros diálogos eu lhe perguntei o seu nome e “foi lindo ouvir você dizer” como diz o Silvera em uma de suas canções:

- Solange. – Você me disse com doçura.

Talvez seja especulações da minha mente, porque cá com nós, ela é criativa: naquele momento eu nos imaginei frente a frente, você sorrindo para mim sem mágoa no coração. Fantasiei. Retribuía o gesto alegre. Depois de algumas madrugadas você já não era a Solange de outrora e sim a Sol. A princípio, lembro-me como se fosse hoje, você não quis o apelido carinhoso que havia ganhado de mim, mas depois de uma semana parecia ser uma coisa vinda da infância, impregnada pelo tempo e tão natural quanto o sobrenome desconhecido por muitos.

Encontramo-nos a primeira vez após um mês de conversas contínuas às madrugadas, numa estação de metrô. A satisfação fora imensa para ambos. Você me dera uma abraço, que posso lhe dizer sem sombras de dúvidas, inefável. Foi ali naquele instante que eu me encantei e me apaixonei. Céticos irão dizer que fui insano, mas todo mundo se apaixona repentinamente pelo menos uma vez na vida. E como eu poderia deixar uma pequena igual a você escapar por entre os dedos? Jamais! “Vou lutar até o último momento”, pensei naquele átimo. Sentamos em um banco da praça próximo à estação por questão de segurança:

- Você se protege de mim e eu de você. Não que eu tenha algum tipo de medo ou seja perigoso, mas é que ambos poderemos ficar mis a vontade. – Eu lhe dissera, porque queria que confiasse em mim e lugares ermos não seriam bons para um primeiro encontro.

Em certo momento em que escutávamos música romântica seus olhos cintilaram no brilho frenético dos apaixonados. Senti a vibração vinda de você, o desejo, o fulgor... Nunca me esqueci daquele momento. Eu, homem da idade de Cristo, separado, pai, conversando com uma garota de 22 anos que não tivera mais que um namoro... Acha mesmo que não saberia? Meu desejo se intensificou juntamente com o seu e nós nos beijamos suavemente escutando “me põe no bolso, me leva contigo, grudar em ti que nem tatuagem no teu corpo...”. Pareceu-me que eu voltara no tempo e que você tinha todas as qualidades inesquecíveis de todas as mulheres que passaram em minha vida pregressa.

Meus amigos tinham vontade de conhecer a Sol, porque era Sol pra cá e Sol pra lá. Queriam saber quem era a garota que fazia meus olhos, sorrisos e vida inteira brilharem com mais vigor.

- Pô! Eu num guento mais! Será que você num tá sendo rápido demais, Julho? – Meu melhor amigo, Rodrigo, o primeiro que lhe apresentei com toda a satisfação me disse certa feita. – Cara, não faz tanto tempo assim que seu casamento terminou. Cê tem que ir devagar. A mina é nova...

- Eu já fiz muitas garotas sofrerem, Rodrigo; e você é testemunha! – Exclamei naquela ocasião. – Elas sempre se entregaram, e eu? Diga aí! Eu as fazia sofrer, certo? Agora quero me entregar, ser só da Sol. Cara, minha vida estava escura como um breu, e você é prova – eu apontava o dedo indicador no peito dele como se aquilo fosse dar mais ênfase para as minhas palavras – e agora – continuei – ela é a minha luz. Por que a deixaria ir embora dessa maneira? Por que iria ficar com medo da paixão? Tá sendo recíproco e eu não tenho que temer.

Rodrigo meneava a cabeça em sinal de desaprovação para a minha atitude. Enquanto eu não aceitava aquilo, porque ele nunca havia passado por uma separação, não sabia o que era perder uma família e ficar sozinho por sentir saudade e o rompimento de anos de convivência. É Sol... perder uma família não é fácil, sabia? O homem não aceita. Mas quando eu lhe conheci tudo desanuviou e eu vi a luz. Ou talvez o Rodrigo visse naquele tempo o que vejo agora.

Ou, então, eu dizia para minha mãe com todo orgulho, satisfação, carinho e alegria:

- Mãe. Conheci uma garota. – Para minha mãe era a coisa mais normal, depois da separação, ouvir-me dizer que conheci uma garota e um monte de “mas isso e mas aquilo”. Agora era diferente. – Ela é linda, simples, alegre, brilha igual ao sol e ainda tem um abraço diferente de todos, mãe. Não sei explicar direito isso. – Ela me fitava com meio sorriso como se já tivesse vivido algo em sua juventude ou adolescência. – Não vou dizer que é perfeita, – continuei – para ela não se senti muito...

Minha mãe sorria com minhas argumentações, porque somente ela que me vira definhando no quarto fechado e escuro por causa da maldita separação, onde me acabei na solidão já que os amigos sumiram (menos o Rodrigo). Sabe Sol... fora muito difícil, muito difícil mesmo, a pior fase da minha vida. Minha mãe lhe amou sem conhecê-la só pelo fato de que você estava me fazendo feliz. Para ela era o máximo ver os olhos de seu filhinho brilharem novamente. E qual genitora não quer ver sua cria contente?

Lembra-se de uma de nossas primeiras conversas, onde lhe dissera que meu pensamento em minha adolescência era mais ou menos desta ordem: se eu sou virgem quero perder minha virgindade com uma donzela; se não tenho filho só vou querer uma mulher que não tenha filho também; se nunca fui casado só quero uma companheira que nunca teve algum cônjuge... Enfim, tudo isso realmente ocorrera comigo. Eu mantinha esse... não vou dizer preconceito, porque as pessoas têm o direito de pensar da forma que quiserem e como não me envolvi com nenhuma pessoa estando em tal situação...

Só que agora eu só sou mais um “separado” na boca da sua mãe. Não que ela não tenha razão, porque depois que perdi a virgindade, que tive filho e me separei não fiz distinção de mulher alguma, mas será que ninguém tem o direito de errar, corrigir o seu erro e tentar ser feliz?

Ouvi pelo telefone sua mãe brigando com você certa feita:

- Já vai falar com o separado de novo?

O tom dela era acre, me doeu e aquela semana fora turbulenta para nós não por causa de mim, mas porque você estava numa luta ferrenha. Certamente ouvira muita coisa do tipo: você é nova e não tem filho por que vai escolher logo um separado? Você já sabe por que ele terminou o casamento? E você se entristecera muito naqueles dias e, como sempre, eu captei tudo.

Certamente que você não sabe o que senti naqueles dias. Minha alma se entristeceu de uma melancolia mórbida e funesta, mas que logo fora sucumbida com suas palavras de encorajamento e mimos, porque você tinha o dom de me trazer de volta à vida e a alegria.

Porem, essas coisas vieram a se repetir mais vezes. Você se entristecia com a situação, sentia-se dúbia entre mim e sua família, porque estava entre a cruz e o punhal. Nem consigo imaginar a sua dor. Com certeza você via a minha agonia emanando dos meus olhos da forma mais angustiante e silente que os homens demonstram num gesto de auto-proteção.

Agora meu amor eu a liberto de todo o cativeiro. Prefiro a morte que ouvir minha “segunda mãe” dizendo e pensando coisas pejorativas, mas verdadeiras a meu respeito, você entre a cruz e o punhal e eu sendo o causador de tudo. Pode ser livre meu raio de sol que iluminou minha vida, porque contigo, tenha certeza, fui muito feliz em todos os momentos; pois me entreguei de corpo e alma.

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Sol clamava aos prantos “não não não” em cima do cadáver de Julho baleado com um tiro na cabeça ao terminar de ler a carta.

Cairo Pereira
Enviado por Cairo Pereira em 09/09/2011
Código do texto: T3210368
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