O menino

Jogou a pipa no chão de tanta raiva. Não quer mais brincar. A sua não vai tão alto quanto a do vizinho. Sua tia só sabe fazer dessas ruins, que o menino precisa correr pra ela subir. Queria uma como a de André. Ele fica parado com a linha na mão e o pipa fazendo de cobra na água, perto das nuvens. “Pega, meu filho, brinca com essa mesmo”. “Não quero. Essa não presta”. Bracinhos cruzados, de bico, emburrado no sofá da casa.

A vó ligou a televisão pra ele assistir. “Não quero! desliga”. Aperta mais os bracinhos. “Corre, Célia! Compra no Mário lima uma dessas que voa alto. Disseram que lá vende”. O menino finge ainda chateado. “Come pão com manteiga. A vovó fez pra você. Vooooooo”. “Não quero assim, quero de helicóptero”. “Toc toc toc toc toc”. “Ta muito gostoso”. “Segura agora. Vovó vai lavar roupa”. Só como se for na boca. Ai meu deus. Está na hora de aprender a comer sozinho. “Vai logo, vó, de avião a jato agora”. vrummmmm, vrummmm. Dá risadinha. “Está parecendo um carro, vó.” “Vovó não sabe fazer aviao a jato”. “Que horas o pipa chega?”” Não sei, daqui a pouco. Se sua tia não demorar”.

O menino está ansioso. Pela janela vê a de André, bem longe, tão alto. Se encanta. Sente inveja. Se Imagina com uma daquelas, mais alto ainda, mais azul e mais veloz. Mexe o bracinho direito, imitando o vizinho. Corre pra rua. O moço do picolé está passando. Corre pra vó e pede dinheiro. Ganha moedas. Compra dois. Muito gelado. Um em cada mão. Chupa os dois ao mesmo tempo do lado de André, que não percebe muito. Dá raiva. Esquece os picolés, que derretem entre os dedos.

A tia demora. Olha o relógio da sala. Não sabe ver as horas. Só pela manha na hora de ir a escola, porque decorou o lugar dos ponteiros. Mexe na saia dá avó, quer atenção. Falar de andré e xingar a tia que demora. É empurrado pra sala. “Me deixa menino”. “Chega!” Sai amuado pro quintal. Pega o carrinho e leva na estradinha de terra com má vontade. So a pipa interessa. Olha para o céu de novo. Quase fim da tarde. Só as andorinhas chegando. As cigarras já apitam. “Carrinho sem graça, nem roda tem”. Desfaz de tudo. Grita bem alto pra cima: “CEEEEEEEliiaaa”. A vó olha, dá risada. Chama o muleque pra perto. “Quer logo o pipa né, neguinho”? Acena com cabeça. Recebe um abraço. Vai feliz pra porta da rua. Olha o dia se acabando.

Não tira o olho da esquina. Odeia a tia agora. Nunca mais quer ver por perto. Não precisa dela. “Deve estar com namorado”. Ouve uma voz vindo dos fundo. Imagina sua tia com a pipa na mão beijando um homem. Tem ciúmes. Queria que ela nunca namorasse. Fosse apenas sua tia. Mais nada nessa vida. Que vivesse só pra lhe comprar doce e pegar água quando estivesse quase dormindo. Fica bem mais ansioso. Tem medo agora de perder a tia. Quer a tia mesmo sem o pipa. O pipa já nem é tão importante. Entra pra dentro. Não gosta mais do pipa.

Chega no quintal e ver a mangueiras e percebe que já tem manguinhas pequenas que balançam. Os galhos floridos. O sol amarelo acendendo o muro. O quintal está alegre. O chão todo vermelho. Os capins brilhando. Esquece a tia, esquece o namorado dela e o pipa. Por um pequeno momento se sente contente.