Sessenta segundos

Ela pediu sessenta segundos. Ela era a noite. Tinha as roupas alaranjadas, daquela coloração que se enxerga ao longe no instante em que o sol se põe. Os cabelos brilhavam do azul de final do entardecer. Ela emitia os ruídos afastados do silêncio. Ela era apenas aquilo que os poetas sonham: o sofrimento indiscutível. A dor por doer, sem motivo, sem saber ao certo a razão. Ela enxergou a amada ao longe. Solicitou sessenta segundos no momento em que se encontraram. Ela aguardava. Porque noites sempre aguardam. Todo mundo se deixou imóvel. As águas se paralisaram. As palmeiras cessaram de agitar suas folhas. Aquela terra estranha esfriou e aqueceu, desprovida de movimento cadenciado. Foi um tempo curtíssimo. A amada, que ela visualizou em sonho, ali muito próxima. Aquela que vai em busca, igual a ela. A noite solicitou sessenta segundos, porque não dirigia os tempos dos sóis. Ela pediu sessenta segundos e se perdeu no fascínio dos olhos da amada. Olhos perdidos dos enamorados que contemplam a lua cheia. Olhos da esfinge amarrotada pelas cobertas do destino. A amada era o deserto, com sua imensidão, com seus montes de areia que jamais permanecem no mesmo local. Com seus enigmas e oásis. Suas alucinações. As fantasias dos enlouquecidos por achar alguma coisa. Juntos, noite e deserto olharam-se novecentas vezes. Para ter certeza da união do espaço. Se todo mundo pudesse ver, veria o firmamento a empurrar aquele encontro, com seus astros a provocar o duvidoso. O deserto achou a ventania fria da noite, com seus perfumes almiscarados e seus sigilos. Lembrou-se do princípio dos tempos, expressou gratidão pela dádiva de toda aquela imensidão, perdeu-se mais ainda em seus montes de areia. O deserto podia compreender a noite. Ele sabia compreendê-la. A noite sentiu suas roupas moverem-se suavemente por aquelas areias aquecidas. Sentiu o vapor e as fumaças de seu olhar insinuante. Tateou no escuro e se deitou suave e tranquila naquele corpo de areia. Folgou-se. Sentiu a atenção especial do deserto ao se aproximar em sopros de ventanias. Todo mundo abriu um pouquinho de suas tendas. Modestas aberturas. Para apreciar o encontro dos dois, deserto e noite, uma coisa apenas. Mas, muito não se via, pois os montes de areia transmutavam-se numa dança calada. As folhas das árvores se moveram por sessenta segundos. Uma ave pôs fim ao seu vôo, fraturou suas asas para não deixar de contemplar. Para gravar para sempre. A arcaica e conhecida serpente nada viu, enroscou-se em seu preconceito e presunção. Se permitiu fascinar por si mesma, por seu longo corpo, esbelto e escamoso. Não contemplou a chuva espessa que purificou noite e deserto. Não contemplou o acontecimento surpreendente. Não viu as gotas d’águas, sequer a maciez dos pequenos grãos de areia. Não viu as vestes alaranjadas em movimento. Não contemplou o receio do deserto de perder aquela visão. De perder a felicidade da noite e suas loucuras escondidas. A percepção do laranja de encontro ao azulado, de quase oceano. O deserto se encontrou. A noite se perdeu. O deserto se perdeu. A noite se encontrou. Por apenas sessenta segundos: o tempo que se gasta para se compreenderem amantes.

Tatiane Gorska
Enviado por Tatiane Gorska em 16/11/2011
Código do texto: T3340065
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.