O medo...

O cair do vaso no chão, os cacos de porcelana espalhados no piso, e o dia rompendo na aurora.

As malas prontas na sala, o possível adeus, e o medo de partir.

O medo de voltar, de querer voltar e não poder.

O olhar profundo da menina, a maçã do seu rosto descansando na palma da mão do menino que agora já não sabe se tem certeza, se é que se tem de ter alguma certeza.

E o que há?

O que sei é tão profundo, e a verdade do saber se torna rasa, como banhar na areia quente e áspera diante do mar.

- O não saber é tão mais fácil, ela acredita.

- Não ter medo e tão mais fácil, ele pensa.

E o tempo não passa, e a palavra não vem.

Mas ela não precisa mesmo vir, ou precisa? E de tudo o que tenho, é nela que está meu maior patrimônio. Na palavra. A minha herança às gerações futuras, que não existirão sem mim... E se vierem por acaso a existir, terão outros anseios, que não são estes de agora, contudo, a palavra será o instrumento pelo qual eles gritarão: Não temos medo! E temos.

Porque tudo na vida se resume ao medo, é ele quem impulsiona a tentativa, é ele quem justifica a desistência, é por medo que o polegar engatilha a arma de metal gelado, é por medo que a bala atinge o peito. É por medo que o corpo chora a partida, mesmo em lágrimas mudas e silenciadas pelo medo da certeza triste.

Pelo saber.

Ambos agora sentados no sofá admiram-se, e mesmo sem a palavra, ela agora já parece não ter importância, o brilho dos olhos parece dizer tudo o que já não precisa mais ser dito.

E por mim, que assisto a cena, e não assisto, o consentimento e o contentamento são reconfortantes.

E por medo o rapaz se levanta. E é por medo que sua mão esquerda abraça a alça de manuseio da mala vermelha. Ele era canhoto, nascera assim: diferente! Um jeito todo seu de segurar diferente. E ele não entende o porquê, mas se dá conta disso nesse momento, ao perceber que, durante todo esse tempo, tudo em sua vida tem sido diferente, e em tudo sua conduta tem sido desigual. Porque fora diferente seu jeito de amar a guria, de chegar inusitadamente até ela, e antes do beijo pedir-lhe um abraço, e no abraço, achar desconcertante o roubar do beijo agora roubado.

E ela, admirando seu jeito torto de segurar a mala, ao lembrar-se do inicio, onde os encontros não tinham a obrigação dos corpos grudados, porque antes dos corpos grudarem-se, eles já sabiam que o queriam, e não simplesmente por querer, mas porque ambos já tinham dentro de si esse desejo. E quando finalmente ouve o contato dos corpos, seus espíritos responderam alegremente, pois já se conheciam de longa data.

O guri pára e olha pro teto.

O medo de dar o primeiro passo, o medo de querer voltar atrás e já não poder, pois, às vezes, se vai tão longe que voltar parece ser impossível, e o seguir em frente torna-se a única opção, pela falta do freio, pela não coragem, pelo simples medo. E pela primeira vez, depois de três passos, a mão esquerda esquece a mala e encontra a maçaneta da porta de saída.

A menina agora, recordando-se de sua adolescência, dos anos passados ao lado do seu menino, das alegrias vividas, vê-se contando os passos dele, e pára no terceiro, junto mesmo com ele. Seu coração agora geme, antecipando o inevitável, e as coisas positivas parecem sobressair às negativas, e talvez não deixar o rapaz simplesmente ir possa ser a melhor saída.

E a maçaneta gira em sentido horário.

O peito do menino pára por um instante. Sua respiração apesar de silenciosa parece ser o único som que povoa o ambiente da sala agora estático, e a atmosfera recebe todo o peso da gravidade.

E ele, já de costas, não pode ver a aflição no rosto da menina, seus olhos se fecham para não verem o que seu corpo está prestes a fazer.

Ele tem medo!

A menina, desesperada, deixa escapar uma lágrima, e lembra-se da promessa feita horas antes, de que nenhuma lágrima vazaria, porque já não faria diferença. Ela já não amava o menino, não porque não amava, mas por medo de amá-lo.

E o peito do menino agora pede pelo ar que parece não querer entrar. E ele sabe que sua decisão agora se torna irreversível. É neste momento que o incansável medo torna-se sua força, e ainda de olhos fechados, ele faz uma força leve, quase imperceptível, e a porta desprende-se do portal.

Ele passa a entender o significado de: Desprendimento, e as palavras ausentes tornam-se tão presentes que ele parece sentir sua força, a das palavras, como um soco seco no estômago magro e ferido.

Ele não quer ir!

As lágrimas já rolam soltas, e a menina sente o peso da culpa, ainda que não fosse à única culpada, mas ela era culpada!

É já não importava mais a composição do erro, ela só queria não ter medo, por que o medo a acovardava. E aprisionada dentro de si mesma, ela, muda, chorosa e estática, por fim, soluçava.

Seus ouvidos, os do garoto, atentos a tudo, não entendiam o motivo dos soluços. Ele também não era capaz de compreender a dor da menina. Tão pouco imaginava que ela, a dor da menina, pudesse ser tão grande quanto a sua.

Ele só não queria ter que pensar nisso agora, pois não teria coragem de voltar atrás, aliás, ele não tem mesmo essa coragem, e sua fuga era por medo. Medo de ficar e tentar de novo, medo de voltar, de correr e abraçá-la outra vez dizendo: Eu te amo! E amo seu amor, assim como amo tudo em você.

A menina se perde em meio ao seu pesadelo, e a solidão, antes tão temida, se torna real, e seus medos vêm à tona de uma maneira tão drástica que a assusta. Logo ela que sempre prezara a discrição e o desprendimento, agora se vê gritando, acorrentada ao seu medo de perder seu amor, e o seu medo de dizer: Eu preciso de você!

A mão canhota na maçaneta, puxando a porta, permite que adentrem os primeiros raios de sol dessa manhã triste.

A mão contraria e distinta da guria, agora por cima da mão canhota do menino, medindo forças e impulsionando a porta de volta ao seu ponto inicial, permite que a porta repouse novamente, e lá ela permanece estática.

Os olhos assustados do menino, o corpo trêmulo da menina, justificam o medo da menina de ficar só, que casa-se com o medo do menino de partir, e os medos juntos, unem-se por sua vez, num beijo suave e no não adeus. Porque o medo impulsiona e reconciliação.

Hudson Eygo
Enviado por Hudson Eygo em 26/11/2011
Reeditado em 26/12/2011
Código do texto: T3357095