A Celebração do EGO ds Outros

Tudo aconteceu com uma espontaneidade peculiar.

Não foi aquela paixão avassaladora, de proporção de um desastre ou coisa que valha. Pelo contrário.

Vamos do princípio que talvez fique mais claro. Depois de uma coabitação de oito anos Paulo César e Lidiane haviam decidido que tinha a chama tinha apagado e em comum acordo ele ficou com o apartamento e ela com o carro e que iria voltar para a casa dos seus pais. Aos quarenta recomeçar. Ele aos 46. Foi um termino glacial como um algum dos polos. Nada de brigas, gritos, móveis voando pela janela, pancadas e acusações mútuas, como sempre são essas cenas deprimentes que ocorrem com os outros casais. Apenas um amargo e gélido fim. Acabou-se o que era doce. Como nunca pretenderam ter filhos saíram da relação relativamente ilesos. O que aquilo poderia insinuar? Existencialismo e contemporaneidade? Nada disso. Apenas tédio e muito cinismo. Nunca houveram traições veladas ou escancaradas. Apenas o sentimento mudou e acabou resumindo-se a bocejos e monossílabos. E decidiram separar-se para evitar um mal maior que com certeza se chama desamor. Nenhuma lágrima derramada tampouco palavra rude pronunciada. Um final prosaico e silencioso e aparentemente sem mágoa ou rancor.

Paulo César tinha decidido que não iria voltar ao bar, às boates, os inferninhos ou talvez aquelas casas de reputação duvidosa. Nada tinha que ser suprimido ou soterrado. Tudo havia acabado bem e civilizadamente em seu entender. Já passara da fase, como dissera a si mesmo. Nada de ficar mais louco que o Iggy e dar vexames por conta de um coração partido. Seu coração não estava partido. Apenas estava raso de sentimentos nobres. Apenas o fim. Ele gostava da Lidiane. Sempre dizia que sua companheira era uma mulher lucida e bem resolvida. E ele teria plena certeza disso no momento que ela apanhou seus pertences e saiu por aquela porta dizendo um “até logo, a gente se vê um dia”. Levantou de onde estava sentado e serviu um uísque puro como sempre fora do seu costume. Ficou olhando pela janela a tarde nublada de Curitiba e temporal que se formava no céu. Grande deu o primeiro gole ouviu o ronco do motor do carro se afastando e decidiu ficar em casa assistindo televisão. A chuva começou a cair e tilintar na sua janela. As gotas como música minimalista. Continuou bebendo em silêncio. Lidiane tinha partido.

No dia seguinte Paulo César retomou sua rotina de transações on-line de ações da bolsa e barris de petróleo. Tinha duzentos ml reais no banco e mais algumas centenas de dólares a caminho. Dinheiro – naquele momento – era a menor de suas preocupações. Ou melhor, preocupações dizia ter nenhuma. Sentia um vazio em seu peito. Não ouvia mais aquelas notas plangentes ecoando por seu músculo cardíaco. Contudo não confessava nem ao travesseiro. Já sentia isso há muitos meses ele colocou a culpa em ninguém, como era de sua natureza. Em retrospecto pode constatar que a única suavidade que teve em sua vasta convivência com o universo feminino era Lidiane. Desde que começou, em sua adolescência a se preocupar com as fêmeas , foi uma enfiada de casos amorosos complicados e neuróticos que o estavam levando à loucura! Minas malucas que se embebedavam para valer dias a fio e depois começavam a atirar sobre ele qualquer objeto que estivesse ao alcance das mãos. Outra curtia ser amarrada e amordaçada na cama e apanhar a valer antes da cópula. Outra era uma bissexual mal resolvida que chutava com as duas pernas e, às vezes, aparecia com uma terceira para uma festinha. A outra uma burguesinha mimada que passava as férias em Cancun e Punta de Este e depois ameaçava cortar os pulsos ou estourar os miolos trinta e cinco vezes por dia. E mais uma que era chegada em abuso verbal em público. Até que conheceu a Lidiane e começaram a morar juntos. Era um merecido descanso para Paulo César depois de tanto desenfreio e desenganos. E ao final de oito anos de convivência tudo tinha se tornado uma fraternal amizade e uma coexistência pacifica. Nada de arroubos de paixão ou de sexo selvagem sobre a poltrona da sala num sábado em que faltou luz. Apenas a suavidade. Apenas à noite e na cama. Os dois cansaram disso e resolveram viver suas vidas.

Fazia uma semana que Paulo César estava enfurnado naquele apartamento tratando de seus negócios, indo ao banheiro e fazendo duas refeições frugais por dia e lhe bateu uma vontade descer e comprar uma cerveja no primeiro bar de esquina que aparecesse. Tomou um banho, vestiu-se casualmente, passou um pouco de colônia, penteou seus cabelos que já se tornavam grisalhos e foi até a rua e começou a caminhar. Por incrível que possa parecer ele não conhecia aquele bairro direito. Quando se mudou para lá com Lidiane sempre andavam de carro e procuravam outros lugares para jantar ou ir ao cinema. Deparou com um botequinho de esquina simpático e convidativo. O local não estava muito cheio àquela hora e decidiu beber por ali. Fazia um agradável dia de sol e o calor não estava de rachar. Temperatura amena, como ele mesmo reparou. Encostou-se ao balcão e pediu a marca mais gelada para o atendente que lhe serviu prontamente. Encheu o copo calculando a proporção da espuma branca e bebeu um gole mínimo. Realmente estava gelada. Ficou por ali. A Lei Municipal era implacável e ele foi fumar seu cigarro na rua de copo na mão. Gostou do lugar. Achou que poderia ser frequentador ocasional. Um grupo de caras mais ou menos da sua idade discutia futebol na outra ponta do balcão. Ele fez uma careta, pois futebol nunca lhe dissera nada. Em sua casa, seu pai que era um socialista ferrenho dizia que isso era para anestesiar as massas e ele sempre concordou. Achava que quem gostava, acompanhava, assistia e discutia isso era gente ignorante sem peso político algum. Apenas sugadores de ar com o cérebro embotado por papo furado e ufanismos ultrapassados. Continuou a beber seu copo e quando a garrafa finalmente chegou ao final pediu outra e depois mais uma. Sentiu um leve torpor em seu corpo. Estaria bêbado com três cervejas? Improvável.

Enquanto matava tempo por ali não reparou em uma moça que o fitava interessada e atentamente. Ela estava sentada em uma mesa com um garoto que não aparentava mais que vinte e cinco anos que não parava de lhe falar com uma voz chorosa de piá pidão e que ela dispensava solenemente em dar atenção. Dir-se-ia que era uma queda de braço. Ou coisa que o valha. O moleque quase implorava a atenção dessa moça. Ela levantou-se e foi ao banheiro. Não se sabe por que Paulo César resolveu encaminhar-se até aquela e mesa e pediu licença para o garoto que agora estava formava uma enorme tromba com seu beiço e sentou-se. Pediu outra cerveja e perguntou se havia a para vender a marca de seu uísque predileto. Como a resposta foi positiva ele pediu uma dose dupla com três pedras de gelo. Tentou puxar conversa com o garoto e esse ficava cada vez mais amuado. Paulo César foi educado e simpático como era da sua natureza mansa e continuou falando com o menino ignorando o excesso de mimo. De gente mimada ele tinha uma vasta experiência e sabia que com esse tipo de rebotalho humano apenas a frieza e a descontração pode desarmá-los e desfazer seus esgares de obstinada implicância gratuita. As bebidas chegaram no exato momento em que aquele moça muito bela sentou-se novamente à mesa. Ela apresentou-se. Disse chamar-se Carol. Ele disse seu nome e sorriu. Os olhos do garoto agora estavam marejados e sua tromba tinha se desfeito dos lábios dando lugar a um extremo tremor. Parecia que ele iria abrir o berreiro a qualquer momento. Paulo César ofereceu-se para pagar algo para os dois e ela aceitou no ato. O garoto levantou-se e empertigou-se, segurou Carol pelo braço com rigidez e forçou- a sair dali com ela. Ela desvencilhou-se com uma sacudidela de corpo vigorosa e com um olhar de desdém e de desprezo e lhe disse que ficaria exatamente onde estava e que estava conversando com o “simpático senhor” que ali se sentara e que aceitava a cerveja. O garoto saiu descontrolado e desconsolado do bar e Carol deu uma deliciosa gargalhada e pousou seus olhos de um azul translucido nos de Paulo César. Parece que foi uma conexão imediata e a conversa flui por toda à tarde. Ela lhe falou que o menino que tinha acabado de sair por aquela porta não largava do pé dela e ela com seus trinta anos completos não iria se enrolar com um guri de 24 anos que não fazia nada e vivia do dinheiro da família. Paulo César apenas riu e disse que isso era que mais existia. Carol soltou sua deliciosa gargalhada e continuaram conversando animadamente sobre amenidades até que ela anunciou que iria para dormir e recarregar as baterias para trabalhar no dia seguinte. Ele ofereceu-se gentilmente para acompanha-la até sua casa e recusou com um sorriso cálido que o convidou para aparecer no bar sempre que quisesse, depois das seis horas, e eles bateriam outro papo. Ela levantou-se, pagou algumas cervejas e foi-se pela porta. Ele pagou sua despesa e dirigiu-se para seu apartamento. Quando chegou, acendeu as luzes, preparou seu último uísque, tomou um banho e foi dormir.

Daquele dia em diante, pontualmente às dezoito horas Paulo César se postava ao lado do balcão daquele barzinho e esperava a chegada de Carol. Ela aparecia por ali quatro ou cinco vezes por semana para umas bebidas e conversa antes de ir para casa. Ela lhe contava sobre seu trabalho de tradutora numa multinacional que lhe tomava pouco tempo e que pagava-lhe um bom salario e ele lhe dava dicas de investimento para o seu dinheiro. Um tempo depois já falavam de todos os assuntos desde a última noticia dos crimes que ocorriam na cidade até questões metafisicas e filosóficas em que ambos acreditavam. Se perguntasse a Paulo César o que o tinha impressionado naquela mulher ele não saberia dizer. Apenas achava que era ela linda e pura como uma gota de orvalho que escorre de uma folha verde, o por do sol vermelho ou o desabrochar de uma rosa. Quando Carol não aparecia ele conversava com o dono do bar, o atendente do balcão e os dois garçons e os tratava pelo primeiro nome. Mas seu peito acusava o golpe. Estaria apaixonando por aquela balzaca interessante? Decidiu dar tempo ao tempo e volta e meia ligava para Lidiane para saber se tudo estava bem e ela dizia que sim. Estava lacônica, não se pode negar, mas Paulo César sempre a tinha achado lacônica e permanentemente em estado de sonho. Naquele sábado ela chegou deslumbrante. Um vestido floral que tornava mais sedutora que o seio faltante da Mata Hari. Sentaram-se e pediram bebidas. Ficaram horas conversando, e ela com aquele vestido dançavam na cadeira mostrando-lhe sua anatomia a prestação. Ele ficava olhando em seus olhos e pressentiu que essa noite alguma coisa a mais iria rolar e rolou. Carol ficava todo instante fazendo festinhas no cabelo de Paulo César e ele resolveu acarinhar lhe a cabeça e ela aceitou de bom grado com seu lindo sorriso estampado no rosto. Como tinha bebido bastante Paulo tentou uma investida nos lábios daquela moça e foi bem recebido. Suas línguas enrolaram-se como serpentes sob o sol. Sentiu seu membro rustico e viril subir, continuaram se beijando até que se apartaram para sugar ar e recomeçar com tudo. Ele pediu mais bebida. Sentia-se mais feliz que um pinto no lixo. Alguns poucos meses tinham se passado desde que Lidiane tinha ido embora e ele estava preparado para um novo relacionamento. Será? Mais um beijo. Carol aproximava-se cada vez mais. Paulo César sentia mais feliz que um pinto no lixo e despencou-lhe o convite para subir ao seu apartamento e tomar mais alguns uísque e ouvir um reggae e ela aceitou de pronto fazendo-o pagar mais uma cerveja. Tomaram e saíram de lá. Paulo pagou a conta como sempre. Dinheiro não lhe era problema. Estava louco para arrumar algum. No elevador a temperatura esquentou com aqueles dois corpos esfregando-se freneticamente. Estavam excitados e animados. Paulo César usou sua chave e abriu o apartamento. Foi ali mesmo na sala. No chão. No tapete. Lidiane nunca tinha feito isso. Tudo era na hora certa do jeito certo. Paulo usou todo seu repertório de experiente senhor de quarenta e seis anos e os gritos , urros, suspiros de Carol foram ouvidos por todo o andar. Ela pediu que ela fosse para o quarto e voltou com uma garrafa lacrada de seu scotch preferido. Destampou-a e bebeu um trago longo pelo gargalo e passou para Carol. Ela borrifava seu corpo com gotículas de bebida e recolhia novamente com a boca e com a língua. Paulo Cesar delirava de prazer. Finalmente ele tinha encontrado a gata ideal que sempre estava imaginando? Uma menina inteligente, independente a ponto de ir sozinha a um bar e pagar sua conta e ao mesmo tempo uma louca na cama e vestidos de uma suavidade e inteligência impar? Fizeram amor até quase o amanhecer e dormiram juntos quase dentro um do outro.

Semanas depois Paulo César era outro homem. Entrara em uma loja e trocara suas roupas mais austeras por outras mais joviais. Comprava inclusive um camiseta preta dos Rolling Stones que estampava o famoso logo da língua e que fora sua paixão de juventude a um bom tempo deixada de lado. Fizeram um corte de cabelo curto, mas transado e usava sapatos invocados na última moda. Saiam todas as noites e faziam amor todas as noites. Ela o levou a shows, a festas de aniversário de amigas em lugares agitados e cheios de brotos descolados. Conheceu músicos de rock e blues e jazz da cena local que puxavam fumo e falavam de Rimbaud e Baudelaire e que agiam com se estivessem naquela época do beat e se vestiam a caráter. Conheceu, inclusive, um amigo escritor de Carol que dizia que ela era sua “filha espiritual”. Um cara bom de papo e de copo que escrevia e versejava muito bem e que não era pedante e para melhorar à situação ainda vivia disso. Acabaram virando amigos íntimos e a frequentar a casa um do outro. Era outra vida. O dinheiro continuava entrando aos borbotões em sua conta bancária e parecia que sua vida sentimental refletia a sorte que tinha nos seus investimentos mais arriscados. Sempre estavam juntos agora. Paulo César foi apresentado aos pais de Carol que foram gentis e delicados com ele. Era gente honesta e decente, foi o que pensou. E os amigos em comum diziam que os dois formavam um pelo par. Poderia até ser. Paulo César sentia uma pontada de orgulho e uma sensação de dever cumprido quando ouvia isso. Ás vezes se se recolhiam nos finais de semana no apartamento de Paulo César assistindo os últimos lançamentos do cinema mundial e ele ensinou a ela a agilidade de linguagem do produto nacional. Liam os mesmos autores e em anos Paulo voltou a ler como um possesso como fazia em sua juventude. Parecia que Carol tinha devolvido Paulo não aos trinta anos e sim aos vinte. Ele sentia, todas as manhã quando acordava, que poderia derrubar paredes e monólitos seculares com as pontas de seus dedos. Emagreceu dez quilos em dois ou três meses. E milagrosamente seus cabelos pararem da cair. Parecia que mundo inteiro havia sucumbido à sua inteligência e perspicácia. A grana continuava entrando e ele trabalha apenas duas ou três horas por dia. Sabia estar chegando aos seus objetivos financeiros e resolveu fazer alguns investimentos em imóveis. Tinha tino para os negócios e aos cinquenta tinha decidido de aposentar e levar Carol com ele para um lugar cheio de sol e areia e sal e som e surfe. Continuavam com aquelas saídas malucas e com o sexo desenfreado frequentando os melhores lugares e vez por outro ao simpático barzinho em que haviam se conhecido sete meses antes e que nutriam muita nostalgia e bons pensamentos. Eram vistos por todos como um casal e a vida parecia uma festa sem fim. Só parecia.

“Não há bem que seja eterno ou mal que sempre perdure”, rezava a cartilha de nossos avós. Isso não passa de pura conversa fiada de gente tacanha e ignorante que quer apenas justificar suas existência patéticas e o estilo da vida vazio repetitivo e ficar enchendo a boca com palavras mais vazias ainda que nem tem uma sonoridade tão musical assim. Aqui chegamos ao desfecho da nossa história e por isso mesmo ele deve ser trágico. Não uma tragédia grega. Apenas as tragicomédias cotidianas que ninguém dá a mínima e que só causam estragos a quem vivenciou isso a ninguém mais. Benedetti falava bem quando dizia que nossas orações são tão insignificantes que não impressionam ninguém na terra e muito menos no céu. O autor se delonga e o incauto leitor pode vir junto. No dia em Carol completaria seu trigésimo primeiro aniversário Paulo César acordou raso de sentimentos. Roçou-lhe superficialmente seus lábios quando ela acordou, ele lhe ofereceu o presente. Um conjunto de joias Riviera legítimos que ele tinha pagado uma pequena fortuna. Quando entrou no chuveiro uma sensação de vazio absoluto invadiu lhe o ser. Parecia que todo aquele sentimento sublime havia evaporado dele. “Que diabos”, disse alto para as paredes azulejadas do banheiro. Demorou-se mais do que costume naquele dia, fazendo a barba com água quente, passando xampu nos cabelos e ensoando o corpo todo. Não queria sair dali. Ela bateu na porta quinze minutos depois perguntando se tudo andava bem e ele respondeu com uma rispidez inédita. Arrependeu-se no segundo seguinte, mas não muito. O que haveria acontecido? Ele não saberia explicar. Tinham acordado que Carol teria uma festa de aniversário e que os convidados seriam alguns poucos “gente boa” o que perfaziam no máximo oito ou dez pessoas. Os salgadinhos, docinhos e sanduiches de metro chegariam pela encomenda no meio da tarde. Desligou o chuveiro, enxugou-se, vestiu-se e foi tratar da sua vida. Carol foi ao banheiro fazer sua toalete. Ele ficou contrito e taciturno trabalhando em seu computador até às três da tarde. Levantou e pegou sua chave que torceu na fechadura e foi para rua. Quando se apercebeu que já estava na segunda cerveja tomada no balcão do simpático barzinho. Na real, percebeu que nada sentia por Carol. Um ano e tanto depois! Que o que ele queria era apenas companhia e um bom sexo seguro. As imagens e sensações daquele ano juntos estavam tornando borrões distorcidos em seu cérebro. Uma nostalgia de Lidiane lhe acometeu. Quando tempo não falava com ela? Não tinha ideia. Pediu a terceira cerveja para clarear seus pensamentos e disse para si mesmo que esses estavam claros. Algo tinha se perdido com a Carol como com todas as outras anteriores. O problema não era com elas, ele conversava consigo mesmo. O problema sempre fora dele. Aos quarenta e seis anos não sabia o que queria de verdade. Sempre tentava e nunca conseguia. Seus objetivos financeiros tinham sido alcançados e para ele bastavam. E em retrospecto sempre bastaram. Apesar do pai socialista que lhe passara alguns conceitos práticos no fundo ele sabia que nessa sociedade apenas o dinheiro e a posição social é que contavam. No dia do aniversário de Carol é que essas constatações lhe chegavam límpidas como a água que verte de uma cascata. Tentaria manter as aparências. Sempre tentara manter as aparências, verdade seja dita. E por algum tempo conseguia.

Voltou para o apartamento e tentou envolver-se nos preparativos da festinha de Carol e sentia que falhava miseravelmente. Tudo parecia banal, embotado, morto. Nem se lembrava direito do rosto de sua companheira com quem fizera amor na noite anterior. Ás sete da noite os convivas começaram a chegar animados. Tentou até fazer piadas e fumar um baseado que apareceu por ali, porém estava mais murcho que os balões de hélio ficariam depois da festa. Bebeu pouco, fumou muitos cigarros e agiu por ali mais ou menos como um bibelô de cristaleira. Conversou um pouco com seu amigo escritor e esse esculpiu metáforas que Paulo César nada entendeu. Duas horas da manhã, festa encerrada, fez amor mecanicamente com Carol. Como se apenas sua parte física estivesse nessa função enquanto o espírito e a essência lhe escapavam por completo. Tentou agir naturalmente na manhã seguinte e nos dias subsequentes, contudo sentia que aquela empolgação e a sensação de juventude tinha se esvaído de seu ser. Como a água que escorre pelo ralo. Ao fim de duas semanas tentou sentar-se e conversar com toda a maturidade que tinha usado com Lidiane ao fim de seu relacionamento de oito anos e o que ouviu foi choro, lamentos, queixas, reclamações, soluços, palavrões. Depois dessa demonstração de raiva e ódio de Carol sentiu que tudo estava acabado e que não tinha mais solução. Ela, resoluta, arrumou seus parcos pertences em sua bolsa não deixando para trás nem um bastonete de batom e bateu todas as portas em soltar um grito agudo já no corredor do elevador que havia soado para Paulo César como o de uma lontra abatida a tiros no Ártico. Fim de romance. Fim de vida. Muito tempo mais tarde, Paulo César percebeu que durante toda sua vida ele foi construindo gradualmente uma fortaleza que solidão que o fazia sentir vivo e contente consigo mesmo. Não queria mais a juventude que ficara para trás. Não queria mais dividir seus segredos mais íntimos com ninguém. Não queria mais sentar-se ao balcão ou às mesas daquele simpático barzinho que tinha conhecido Carol, um ano e tanto atrás, nem ganhar mais dinheiro o que sempre fora sua mais tenaz intenção. Queria apenas seu uísque e a quietude de seu apartamento. Ele era um egoísta mesmo. E convivia com isso. Paulo César achou que não era algoz nem vítima. Achou que era um barco à deriva, uma vida à deriva. Nada mais lhe importava. Apenas em cultivar sua solidão. As mulheres lhe traziam problemas, ele pensava, e queriam drenar sua alma. Tampouco tinha certeza se tinha uma alma. Queria ficar só com sua cabeça e não tinha mais nenhuma convicção. Se qualquer um perguntasse a ele o porquê nem saberia dizer e nem se preocuparia em questionar. Não fez nenhuma menção de procurar por Carol ou de tentar amenizar as coisas. Nunca mais a viu. Continuou encerrado em si mesmo. Era um egoísta sim. Não mais telefonou para Lidiane para saber como andavam as coisas e ela, abnegada, também não lhe deu retorno. Melhor assim?

Vai sonhando, meu irmão.

Vai sonhando...

Curitiba, 16 de janeiro de 2012, 26 graus célsius - Verão.

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 16/01/2012
Código do texto: T3444254
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