Não Agora...

Sem nada mais que a pudesse salvar, sem sequer abrir os olhos, ela sente o músculo pulsando nas mãos e o sangue escorrendo nos dedos que apertam com força aquele coração. Entre tantos bons motivos pra ele viver, entregava-se às ultimas batidas num corpo que o carregou durante anos por um único motivo que o tirava o ar.

Começou tirando-lhe o fôlego, arrancando suspiros, descompassos e hoje caía na mais absoluta solidão. Ela, com olhos fundos, olheiras do tamanho de um mundo - talvez o dela própria - tenta enterrá-lo ali mesmo sem olhar. Ela não quer ver. Não quer se atrever a ter pena de si mesma, e acreditar que aquele mesmo coração sangrando ainda pode amar de novo. Ao mesmo tempo em que sente o sangue escorrer quente pelo antebraço enquanto cava suas unhas com força no peito, ela sente como se gotas de parafina pingassem no seu estômago. Já cansada, com dor nas retinas por chorar de olhos fechados e com a cova feita, ela pensa pela ultima vez: vejo ou não vejo? E viu. Olhou pro próprio coração arruinado e percebeu que faltava um pedaço ainda maior.

No buraco, a mesma inicial de sempre. A da Paixão. Talvez a dela própria. Nem ela sabia se por pena de si mesma, ou por acreditar que aquele coração poderia amar de novo, mas entre ver ou não ver o que se passava, preferiu achar mais bonito os corações que já sangraram. Enterrou-o de volta ao próprio peito. Lavou as mãos e entre soluços suspirou de novo: Eu vou cuidar de você, mas não exija muito de mim. Não agora.

Marília de Dirceu
Enviado por Marília de Dirceu em 30/01/2012
Código do texto: T3470620
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