A dama da sacada

A dama da sacada.

Passava ele pelo calçadão, quando a viu pela primeira vez.

Seu nome era Orlando, tinha uma mexa branca no cabelo que parecia cocô de pombo.

Do alto de um sobrado, uma moça olhava o dia claro.

Distraída ao olhar o intenso movimento do transito do centro da cidade, não viu o rapaz que a observava em sua sacada.

Também não era pra menos, passaria despercebido em qualquer situação, homem branco, baixo, magro demais, não seria notado, não que fosse feio, mas simplesmente era o que chamamos popularmente de sem sal.

Á partir daquele dia, seu trajeto para o trabalho era sempre o mesmo.

Passava pela Praça Tiradentes de olho o sobrado, quando a avistava estufava o peito, sorria mostrando todos os dentes, mas nunca era notado.

Decidiu então apelar para uma macumbeira do centro da cidade com vasta experiência no campo do amor.

A mulher tirou-lhe uma parte em dinheiro com a promessa que a moça falaria com ele em três dias ou devolveria seu dinheiro.

Passado os três dias, vendo seu insucesso voltou lá e exigiu seu dinheiro, a cartomante não gostou e ainda o censurou.

“_Sem graça como és, nem macumba dá jeito!”

Não importava, podia ser sem graça, mas trato é trato.

Pegou seu dinheiro com a promessa de nunca mais tentar aquela artimanha.

Resolveu apelar para o amigo Flaviano, que se dizia perito em rabos de saia.

Procurou-o nos bares da Lapa, aonde certamente iria encontrá-lo em qualquer dia da semana á noite, jogando conversa fora e com um olho nos dados e outro nas raparigas que passavam bem pertinho das mesas lançando olhares e mexendo com a imaginação dos homens com seus gingados.

Flaviano estranhou ao ver o amigo, não era homem de freqüentar a noite carioca.

_ Preciso de seu conselho Flaviano.

Flaviano cheio de si respondeu:

_ Se for sobre mulher pode me perguntar!Sei de tudo que elas gostam!

O Orlando chegou se intimidar com a resposta do amigo.

Realmente era um campo que nunca havia tido muita sorte.

E contou-lhe toda a história de sua paixão platônica pela moça da sacada.

Flaviano não titubeou:

_Pode ajeitar a beca que se seguir meus conselhos logo estará casado com ela.

Orlando não podia ouvir coisa melhor.

Flaviano aconselhou-o a começar a fumar, dizia que as mulheres achavam um charme.

Orlando nunca havia colocado um cigarro na boca, mas já passava dos dezoito anos, na década de 60, não era nenhum absurdo fumar!

Resolveu seguir os conselhos de Flaviano e comprou os cigarros.

Treinou em casa por alguns dias e quando passou na calçada da moça já era um fumante.

A moça olhou-o pela primeira vez.

E ao ver o olhar sedento de Orlando desviou o olhar timidamente.

Orlando correu até seu conselheiro amoroso para contar-lhe as boas novas, o plano estava dando certo!

Então Flaviano aconselhou que mexesse em seu guarda-roupa,que comprasse calças brancas boca de sino, um must no momento e camisas de cores berrantes, seria impossível não ser notado.

E lá foi Orlando fazer dar uma repaginada no visual para chamar a atenção de sua futura esposa dos sonhos.

Quando passou pela calçada foi logo notado.

A moça acompanhou-o com o olhar, e mesmo sem conseguir enxergar direito a calçada por ter banido o uso dos óculos para passar por ali, Orlando desfilava como um pavão em um convite para o amor.

Logo, Orlando fez amizade com o pipoqueiro que trabalhava bem pertinho da casa da moça, e não demorou em descobrir seu nome, chamava-se Leonice, e havia chegado de Itaperuna, interior do rio de janeiro há poucos dias.

O amigo pipoqueiro começou a catar informações da moça para Orlando, que descobriu que a moça tinha o hábito de ir a missa aos domingos pela manhã e sempre parava por ali para comer pipocas.

Orlando comentou o fato com Flaviano, que aconselhou Orlando á forjar uma briga quando a moça passasse, dizia ele que mulher adora ver homem brigando.

E dito e feito, quando acabou a missa, Orlando contratara um pivete para fingir roubar a bolsa da moça, tudo sobre a coordenação de Flaviano. Leonice ao ser falsamente atacada pelo rapaz, gritou feito louca, foi quando que do nada surge Orlando, com seu sapato cavalo de aço, dando chutes e pontas-pé no pivete, e recuperando a bolsa da moça intacta.

Leonice agradeceu-o, e cordialmente se retirou da cena do crime.

Orlando que esperava uma reação mais calorosa, voltou para casa frustrado.

No dia seguinte, olhando seus cotovelos ralados do engalfinhamento com o pivete, achou que aquele mar ali não estava pra peixe, iria tirar seu time de campo, já havia feito de tudo para chamar-lhe a atenção.

Passo algumas semanas sem passar naquela calçada.

Mas em uma tarde cinzenta, com o coração apertado de saudades só de ficar alguns dias sem deslumbrar a imagem da moça na sacada, decidiu passar mais uma vez bem devagar pela sua calçada.

E eis que se assusta ao ver a moça dar-lhe um grande assovio quando o avistou.

Ele olhou para os lados achando que não era com ele, e continuou seu caminho.

Ela assoviou de novo e quando Orlando olhou fez sinal para que esperasse.

Ele achou que ela não o reconheceria sem todo aquele aparato do personagem criado por Flaviano, e achou que estava vindo agradecer-lhe pela ajuda no dia do assalto.

Seu coração parecia que iria pular pela boca.

Batia descompassado, fazendo as primeiras gotas de suor molharem-lhe a testa e o bigodinho ralo que insistia em nascer.

Ela se aproximou com um sorriso.

_ Por onde andava? Estavas doente?

Então ela tinha reconhecido-o.

_ Não, estava ocupado apenas.

_Há meses quero lhe entregar isso!

E retirou do bolso um lenço que Orlando sempre usava para enxugar a testa nos dias de calor, e tamanha era sua distração que não percebera no dia que havia perdido.

_ Tentei te entregar no mesmo dia, mas nunca mais o vi passando por aqui.Havia um rapaz um pouco parecido com você que cheguei a pensar que era seu irmão, e algumas vezes o observei passar, pensando em perguntar-lhe se era seu parente.

_ Não, não tenho irmão- respondeu Orlando.

_ Mas não se preocupe, logo vi que não era seu parente, o rapaz fumava feito uma chaminé, usava umas roupas berrantes que parecia que ia fazer algum show na praça da bandeira e o pior de tudo, era violento e brigão. Via-se logo que não podia ser de sua família.

Orlando é lógico, decidiu não contar nenhum pedacinho dos planos de Flaviano.

Leonice entrou e da sacada sorriu para Orlando e acenou.

Orlando estava nas nuvens.

Olhou mais uma vez sua musa na sacada com a certeza que sendo ele mesmo seria mais fácil conquistá-la.

Izabelle Valladares Mattos
Enviado por Izabelle Valladares Mattos em 31/01/2012
Código do texto: T3471735
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