Ingratidão Parte II

Estava se deitando ao lado de Andressa um jovem que Oliver não conhecia. Não sabia que haveria estranhos na confraternização. Moreno, face delicada, estilo bebê face, porém muito musculoso. Realmente forte, alguém que parece frequentar academia diariamente. Um choque! Conversavam intimamente, sorrindo, segurando nas mãos. Ele erguia o braço musculoso e acariciava a face dela. Que desespero. Oliver sentiu vontade de vomitar o café da manhã, mas se conteve. Ficou ofegante. Estomago embrulhado. A cabeça dava voltas. O dia estava acabado antes de começar.

O estranho tinha na mão esquerda um copo de cerveja. Ao seu lado, no chão, uma garrafa que se esvaziava rapidamente. Não sabia o que fazer. Iria embora sem explicações, faria essa desfeita com os colegas e depois mentiria inventando um mal estar súbito, bem, de fato sentiu esse mal estar. Uma diarreia teria sido mais bem vinda. Aquela sensação era por demais dolorosa. “Mereci aquilo?”, lastimou.

Deu meia volta, respirou fundo, já ia descer e correr como um covarde, quando uma mão delicada o pegou pelo braço esquerdo. Mara. Bela jovem, simpática. O chamou para conversar, olhou mais uma vez para o detestável casal à frente, e decidiu ficar. Tentou ser gentil. Conversavam sobre futilidades sentados à beira da piscina. Pediu licença a Mara e levantou-se, passou perto do novo casal que não olhava para mais ninguém. “Parece que eles estão se sentindo a sós aqui”, lastimou em seu íntimo. Cumprimentou-os. Recebeu uma resposta fria, um “Oi!” da Andressa, do outro, nem isso. Mergulhou. Atravessou a piscina de 20 metros de comprimento a nado e voltou. Subiu. Deu um salto mortal para trás. Não era exatamente forte, mas frequentava academia, tinha um bom condicionamento físico. Parecia uma criança tentando chamar a atenção. Não obteve nenhum resultado. Patético. Mara continuou sentada à beira da piscina com as pernas grossas dentro da água. Não resistiu e a perguntou quem era o rapaz e por que tinha sido convidado.

- É o Alexandre Júnior, filho do dono do Alexandre Peças, rico comerciante – explicou a garota.

Só podia. Bonito e rico.

- Parece que eles estão se entendendo - comentou Oliver, enquanto tentava desviar o olhar que causava dor em seu coração.

- É, parece que sim! - disse Mara toda empolgada apontando com o indicador da mão direta para os dois. – Estão se beijando - completou a jovem informando Oliver sobre o óbvio que seus olhos comprovavam.

Era demais. Sentiu muita vontade de ir embora, mas mais uma vez continuou. A manhã seguiu lenta. Jogando conversa fora com os amigos e as meninas, intercalado por momentos de silêncio onde alimentava o ódio. Chegou o meio-dia e religiosamente todos foram almoçar. Feijoada, arroz, muita carne assada, cerveja em demasia – como se muitos não tivessem bebido o bastante – refrigerante e linguiça. O arroz estava duro, Oliver podia apostar que engoliu um dente junto com os grãos. A carne estava tão salgada e apimentada que o refrigerante ao lado era item indispensável para poder degustá-la. Bebia um gole a cada mordida, mas não demonstrava insatisfação. Não reclamou de nada. Alguns dos colegas aproveitaram para criticar o inútil esforço dos cozinheiros. Ainda bem que todos estudam áreas diferentes, pois se fossem viver de gastronomia morreriam de fome.

Estava sem fome, mas comia. A mesa bem central no pátio. O clima estava agradável, coisa rara para essa época do ano. Olhava sempre que possível para os carinhos de Andressa e do jovem musculoso cujo nome não fez questão de decorar. “Era eu quem deveria estar com ela”, pensava dominado pela frustração.

O almoço acabou. Descansaram um pouco conversando sobre a vida de quem não estava presente, falaram das aulas, criticaram professores, contaram piadas sem graça. O relógio acusava 14h00. Todos voltaram à piscina. O correto seria esperar à 16h00, mas felizmente ela é repleta de sombras, graças às arvores ao seu redor.

Dentro da piscina muitos beijos quentes.

Mirava constantemente em Andressa. Abraçada ao pescoço do desconhecido cujo nome Oliver fazia questão de esquecer. O tempo passou lentamente. Enquanto falava com Mara, Maicon, Fabrícia, Miguel e Nádia sobre o horário que frequenta a academia percebeu algo. Andressa não parecia estar confortável. Seu rosto denunciava isso. Pediu para o estranho parar, não estava gostando, queria sair. Ele parecia querer mais do que ela estava disposta a oferecer naquele dia. Que tolo, talvez se fosse mais paciente poderia conseguir em outra ocasião. Mas tinha pressa e estava visivelmente alterado pelo álcool.

Maicon que já havia entrado na piscina, pediu ao amigo que parasse, não ultrapassasse os limites. Nada forçado, se a menina não queria, não tinha o que fazer. Segurou no braço esquerdo dele com a sua mão direita. Alexandre baixou a guarda e Andressa se desvencilhou e saiu, nadou e pulou para fora da piscina. Ele afastou Maicon com um empurrão e a seguiu. Saiu da piscina e continuou a segui-la. Quando ela dava a volta tentando chegar às escadas, Oliver a deixou passar e interceptou o caminho do agressor indagando:

- O que pretende fazer? Ela não quer. Deixe a menina – falou.

- Mão se meta! Isso não é problema seu! – respondeu Alexandre visivelmente irritado – Ela está comigo!

- Não está mais. Ela deixou isso claro! Afaste-se! – gritou da forma mais resoluta que podia.

Ele avançou. Oliver permaneceu no caminho. Era muito mais fraco fisicamente, sabia que não teria chance, mas não arredou. Quando tentou se defender levou primeiramente um forte empurrão.

Permaneceu em pé, em seguida veio um soco de direita no lado esquerdo do roso. Foi à lona como uma manga amarela e muito madura caindo do alto da árvore. Seu rosto ficou colado no chão à beira da piscina molhada. Ergueu a cabeça e viu que Andressa se afastava. Os demais, mesmo em maioria, por medo, protestaram apenas verbalmente.

Resoluto, Oliver se levantou. Cambaleante correu em direção ao jovem violento que passara por ele. Deu alguns passos e pulou no pescoço do inimigo pelas costas. Este girou e o arremessou ao chão. Oliver caiu bem à sua frente, rolando. “Por mil demônios” por que estava fazendo aquilo? Estava arriscando a vida, enfrentando alguém que aparentemente era mais pesado uns trinta quilos. Loucura! Não tinha chance de vitória, não era perito em artes marciais. Sempre fora pacato, mas resistia. Pensava em Andressa. Absurdamente se lembrou dos vietnamitas enfrentando o aterrador poderio militar americano. Metáfora perfeita!

A essas alturas Andressa descia correndo as escadas molhadas com o risco de cair. Não olhava para trás. Ele se ergueu. Alexandre, enlouquecido, gritou mais uma vez:

- Saia da frente, idiota! Por que faz isso? Não é de sua conta.

Gostaria de ter dado uma resposta digna de um trovador medieval, mas nada de brilhante lhe veio à cabeça. Queria protegê-la. Ficou parado. Sangue escorria do lado esquerdo de seu lábio, bem como uma grande mancha vermelha na maçã do rosto, do mesmo lado da face. Respirava ofegante. Tinha um verdadeiro búfalo das savanas africanas à sua frente. Ensandecido o jovem rico avançou, cansado de dar murros, percebeu um galho seco no tronco de uma mangueira. Arrancou com um braço. Não precisava daquilo, estava levando a melhor. Avançou.

Oliver olhou para os lados e não viu nada com que pudesse se defender. Os colegas apenas chamavam o agressor de covarde. Olhou para o lado esquerdo e viu que Andressa se vestira, duas amigas e um dos rapazes estavam com ela. Chorava. Não decidiu esperar pelo ataque. Tomou uma atitude pouco inteligente. Avançou como um louco camicase em direção ao agressor. O porrete desceu como um trovão. Acertou em cheio a sua têmpora esquerda. O galho quebrou ao meio com a violência do impacto. Mais uma vez Oliver girou para esquerda. A sua mente parecia gravar em câmera lenta. Caiu sobre o joelho esquerdo. O sangue escorrendo da cabeça, passando pelo pescoço, formando uma trilha vermelha que já chegava ao peito. Olhando para cima, fechou os olhos e mais uma vez caiu. Pela terceira vez em menos de 10 minutos beijou o chão molhado. Diferentemente das duas vezes anteriores, não levantaria. Gritos!

Continua...