Agora e então – Princípio dos Prazeres

E então Melicier-Marie recua com suas palavras. Está frio e aparentemente está agasalhada com sua jaqueta vermelha de poliéster que imita o couro. É a única menina de toda a cidade a ter uma jaqueta como aquela. Posso ver lá de longe, antes de todas as curvas, que M-Marie, como a chamamos que está segurando todos os copos necessários para se começar um dia cheio de café. Compreendemos que esse dia é um dia de felicidade, porque é um dia único. Tenho essa vontade preliminar de acender os faróis para que ela possa me ver ao longo de toda a rodovia e abra aquele belo sorriso que contracenam com seu cabelo loiro de penteado Chanel. Gosto do sorriso dela. O sorriso de M-Marie me força sorrir de uma maneira boa. Não... Não é como se me forçasse a sorrir, mas é um sorriso automático-cheio-de-felicidade. Compreendo esse mecanismo. Algumas vezes acho que ela compreende essa doce sensação, e então sorri. Queria dizer meu grande segredo para ela: Que quando a vejo meu rosto cora, e eu sinto essa sensação de quentura que me cobre toda a face, como se houvesse nesse dia, um dia de praia. Então eu bóio por todo o mar, e navego com meus braços e pernas todo o dia. Mas no fim da tarde, logo no anoitecer quando chego em casa e sinto essa sensação cansada do corpo ainda flutuando sobre a água e o rosto queimando. Isso é amor... Não sei sobre amor.

Melicier-Marie se aproxima com seus passos largos. O café nunca se deslizará sobre a bandeja de viagem. O carro está parado e os faróis então se aquietam quando encontro esse sorriso. Ela coloca sobre o capô a bandeja e encontro com seus largos braços. Tenho certeza de que está muito cheirosa, e lhe queria dizer isso. Ela pergunta como estou, então digo que estou bem. Entramos no carro e ela agarra minha mão. Só existe agora toda essa rodovia. Sabe quando vem aquela música de um filme lindo? Então... Essa música atacou nossas mentes. Lá estava o sol começando a arder às sete da manhã. A rodovia estava limpa, e estávamos algumas horas longe da terra. Quanto mais o sol ardia, mais tínhamos certeza de que não sentiríamos mais o cheio da terra molhada. Queria poder definir toda a sensação que M-Marie podia me transmitir, mas não há possibilidade de ir mais além. Sou burro para definições.

Ela tira a jaqueta e joga no banco de trás, pergunta para onde iremos. Eu digo que deve ser surpresa, mas quando duas pessoas se amam tanto quanto nós, essa conexão é tão forte que atravessa qualquer barreira de absoluto segredo. Ela me olhou com seus grandes olhos castanhos e sorriu. Pensei nesse momento que tudo o que ela poderia fazer era sorri. Não sentia desconforto da sua mente. Pese sobre nossa conexão e pensei que se um dia ela deixasse de me amar, então eu saberia. Que se um dia ela fosse se aproximar de outra pessoa, eu saberia. Que se um dia ela quisesse filhos meus, eu saberia. Saberia tudo. Algumas vezes disse a ela sobre as minhas confusões da mente. Mas ela apenas sorri e diz que sou um bobo. Eu sei! Digo. Algumas vezes ela me confunde porque diz que não precisamos um do outro. Não vejo dessa forma. Queria que ela me amasse mais do que a amo. Digo que ela é a coisa mais importante no mundo. Acho às vezes que ela brincaria comigo se quisesse. Já a dei tantas vantagens. Assim que ela tira a jaqueta e joga no banco de trás eu vejo sua camiseta branca contornando seu corpo. Ficaria imobilizado por tanto tempo se não fosse essa rodovia de um homem só. Acredito que esses carros que nos confrontam no caminho avesso são pequenos feixes de luz diante de tanta a minha felicidade.

Paramos um pouco, porque dirijo há duas horas. Vejo o movimento de promiscuidade de a poeira faz quando a bota dela toca o chão. Acho engraçado o modo como ela se veste, porque ninguém no mundo se vestiria assim. Ela gosta de deixar minha mente confusa, porque é uma menina estranha. Gosto de sua bota de “cowgirl”, é o modo como ela trata essa bota. Acendo um cigarro e começo a tragar observando através da vitrine o modo como ela atrai os olhares das pessoas. Às vezes acho que a observo demais e ela pode se cansar sorrindo tantas vezes. Ela me olha e segurando alguns pacotes de cumprimento como uma princesa californiana. Apago o cigarro. Vou ajudá-la com as sacolas. Ela me agradece porque se sente uma menina dependente. Leio seus olhos que dizem que não precisava de ajuda. Mas ela é gentil.

Voltamos a percorrer essa rodovia sem fim. O interior de Minas Gerais nunca chega, e me conformo, porque amo esse tempo só nosso. Ela conversa comigo, porque são quase três da tarde e já estou cansado. Ela me conta sobre sua vida na cidade dos seus pais, como seu irmão é lindo e mal. Digo que tenho medo de desagradar sua família. Ela diz que sou tudo o que importa. Começo a achar que está errada. Ela costuma controlar minha insegurança, porque sou um pouco patético. Ela sorri com as pernas por cima da janela. Quando chegamos a São Paulo, sugere que devemos comer próximo ao Tietê. Concordo religiosamente. Ela percebe. Quando desci do carro e abri sua porta, dei minhas costas para se equilibrar. Ela estava de meias brancas e eu teria preguiça de esperá-la. Levei-a até a entrada, porque o mundo é cruel e tivemos que voltar para que ela calçasse novamente as botas. Retruco um pouco e ela pede desculpas ao atendente. Ela gargalha como uma criança em êxtase absoluto e diz que somos um casal perfeito. Quando entramos, ela pediu batatas fritas e um pedaço de carne com arroz integral, com suco de laranja. Pedi um sanduíche de carne assada com salada, e água. Ela comia com toda a sua fome. Por alguns momentos eu a olhava comer e me tornava imóvel. Ela percebia e então pergunta o que tinha acontecido. Dizia apenas que a amava muito, então ela sorria. Quarenta minutos depois retomamos a viagem, porque tínhamos até antes do anoitecer para chegar ao triângulo mineiro.

Ela dormiu todo o fim do percurso, com seus óculos escuros. E eu dizia a mim mesmo que faria tudo novamente. Às vezes com a janela aberto o vento vinha tão forte que tirava seus cabelos do rosto e eu ficava a contemplar toda a sua beleza de princesa quase puritana. Mas eu sei que muita coisa já se passou nessa vida. Queria muito ter a protegido, queria tanto segurar esse corpo dês do inicio dessa vida.

Quando chegamos há um quilometro da cidade de Uberaba, ela acordou e me beijou de forma terna. Agradeceu que eu estivesse lá. Eu desejava estar lá toda a vida. Disse que éramos só nossos e que estaria com ela toda a vida. Chegamos por volta das dez da noite, e seus pais não mais nos esperavam. Sua mãe estava se preparando para dormir e seu pai estava sentado na escadaria principal. Ele me cumprimentou e ela sorriu porque estávamos felizes. Sua mãe me disse que eu a fazia muito feliz, então senti vontade de gritar para o mundo que M-Marie me amava.

Acontece que você nunca voltará a ser minha depois desse verão. Você me disse isso há duas horas atrás. Tenho sentimento perpétuo de falta de felicidade. O mundo encontrou essa verdade quando você se foi. Sei o quanto você está preocupada, porque fizemos amor na última noite. Não, não fique. Seu amante já mais saberá, e você sabe disso. Sinto falta da vergonha de tirar a roupa na sua frente, de ter medo que você se vá, de te dizer que a minha maior felicidade foi quando me tornei só e te deixei na sua cidade. Eu vi nos seus olhos o abandono. Você se tornou forte enquanto eu enfraquecia. Sou escravo das suas vontades. Você se sente ferida, porque todas as pessoas te odeiam. Não quis o contrário quando você me anunciou que nunca mais me amará, que não quer me amar, que se tornou cruel diante de tanta felicidade, que não é fiel, que outro homem é desejado por você, que me tornei mais sensível do que pode suportar, que a única alegria que posso te dar é a das viagens nos fins de semana, dos nossos corpos se confrontando, das vantagens que você pode retirar de mim. Você nunca me deixará inteiramente porque sou estrangeiro. Sabe que se eu voltar para minha origem, que nunca retornarei. Você tem medo de me amar novamente. Tem medo que eu toque sua nuca, que eu penetre seu corpo. Você se sentira vulnerável. Tem medo quando toco seus seios, quando minha boca toca seus lábios. Eu vejo toda vez seu corpo se entregar quando me encontra.

Nunca mais sairei de sua vida. Adeus, vontade.

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 02/06/2012
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