Na palavra, um adeus

Por uma eternidade eu voltava com olhos, sempre para a mesma direção. Até findar as colinas e morrer na escuridão, talvez de mim mesma.

Dias iguais, noites iguais, tudo igual. Tanto que a monotonia já fazia parte do meu ritual, algo sagrado...

O sol se despontava entre o pé de jatobá, e a primeira impressão era: viver. Assim, como no compasso do dia, o meu ritmo me conduzia para o obvio de cada um: o trabalho.

Sob o holofote rei, estrelado no céu, descia eu as ruas de minha vida, minha passarela solitária. Sem fotógrafo, sem “flash”, sem platéia... Sem autógrafo, anônima.

Da janela do meu camarim sob quatro rodas, eu conseguia pensar um pouco em mim, compor poesias, músicas e melodias. E vinha recitando caminho afora, até chegar a minha casa, lugar onde as composições ganham forma, cor, cheiro e sabor. Com todas as letras...

A chegada sempre foi marcada, não com o astro rei sobre seu trono real ao pino do dia, mas iluminada por uma luz prata, que não diferente do sol nascente, também surgia, novamente entre o pé de jatobá, desenhando-o em formas negras e delgadas, da noite que se anunciava: fria, oculta e mais uma vez, solitária.

Como as noites de inverno são assim, imprevisíveis, lá fora as estrelas não se desesperavam diante do frio. Rondavam sobre o meu teto universal, tentando mostrar-me novas poesias, composições, novos ritmos.

Num piscar de olhos o sono surgia recheado de sonhos, como os de uma criança que sonha feliz, mesmo não sabendo exatamente por que. Mas, dava-me a oportunidade de viajar, em sentido contrário ao meu, para ler toda a trajetória desta estrela cadente. Que ora indagava, ora compunha, ora cantava...

A vida tem sido assim: de muitas indagações, quase sem respostas objetivas. Porque a vida é feita de mistérios, que se fossem reveladas as nós, pobre mortais, poderíamos perder o prazer de viver. Deixaríamos de sonhar, de construir planos - mesmos que nunca executáveis - de desejar, acima de qualquer coisa, que o outro dia chegue mais belo que o ontem e que a noite possa nos abraçar e dar-nos o direito de sonhar novamente.

SÔNIA SYLVA
Enviado por SÔNIA SYLVA em 08/06/2012
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