NUM MUNDO SEM PLANETA

Está fazendo um calor danado menino, e a voz da minha avó quando abre a porta do meu quarto, mas ela não ver que eu sei que está calor, eu ligo este ventilador de teto, me refresco, fico só de cueca, às vezes só de bermuda, assim deitado, ouvindo Megadeth, Metallica, Slayer, Anthrax sem cessar. Dizem que aumenta a sensação de calor, mas não acho não, me refresca, mano, sabe este som Thrash é phoda, assim mesmo com ph.

Menino sai deste quarto, é a vez agora da minha mãe, entrando, abaixando meu som, pô, melhor vai ser colocar um fone assim no ouvido, me deito, fico assim de queixo para cima e ninguém me perturba. Eu procuro não perturbar ninguém, véio, sério, se me deixarem aqui ouvindo o big four mais o Iron Maiden, mas uns Deaths, alguma coisa do Venom, posso sobreviver à base de Clube Social e cerveja, sim, mano tem que ter uma cervejinha também. Bom podia ter uma mulher né, uma gata assim, mas tá bom está ai do pôster, pantera, sempre sorrindo, pregada na minha parede ao lado dos pôsteres do Slayer, daquela águia fodona. Mulher sabe como é, não eu não sei tão direito ainda não mano, tou mentindo, mas como este monologo é meu saca, olha eu ainda sou muito novo, e sou um pouco nerd, tem que ainda uso óculos, sabe aros pretos, saca né aros pretos grossos, eu sou meio vesgo, meio, meio é elogio eu sou totalmente vesgo. Eu sou muito feio mano, sou moreno pálido, mas uso meus cabelos compridos, assim revoltos como que cacheados, Embolados, grita minha mãe ha semanas, querendo que eu corte o cabelo, vamos lá no salão da Duda. Ah, a Duda é a cabelereira amiga da minha mãe, ela vem aqui de vez em quando, mas sabe, eu fico na sala, fingindo que tou vendo TV, com a mão no controle, olhando para as coxas dela, sabe mano, ela cruza as pernas, acho que fica me provocando, eu fico com ereção – aprendi isto na aula de biologia, mas é pau duro mesmo – ela tem uns seios que parecem querer explodir pelo decote da blusa, depois se levanta, falando com minha mãe, fica me olhando assim de viés com um riso doido, a língua nos lábios, e acho que ela olha mesmo é para minha blusa preta do Slayer, a águia sobre o pentagrama. Ela quer cortar meus cabelos, e embora eu queira tanto sentir aqueles seios dela encostando em meus ombros, aquelas mãos de unhas longas me acariciando a cabeça, mesmo assim, véio, eu não vou cortar meus cabelos, sabe vou ficar assim. Não tenho necessidade de trabalhar ainda, necessidade tenho, sabe, mas sou meio lerdo, sou muito novo mano, Sabe minha mãe fica olhando meus pôsteres, Está na hora de tirar estas porcarias da parede, diz ela com as mãos nos quadris, mas não faz nada, eu arrumo grana com o pai, ajeito alguma coisa no quintal, sabe, sei lá, acho que não levo muito jeito para nada não mano. Tenho um amigo ou outro assim como eu. Não, não, o Charles é um cabeludo que as gatinhas se pelam por ele. Eu sou feio, véio, assim meio torto que eu ando, desengonçado, vou para escola sem vontade, sabe, não aguento aqueles olhos perplexos em cima de mim, fico com os fones do ipad no ouvido, meto Slayer, Megadeth, Sepultura em meus miolos, enfio a cara dentro de um livro, não quero que ninguém me veja, mas sempre tem um engraçadinho, arzinho de playboy, me dá um cascudo, Qual é pirado, cabeludo quatro olho, tu é feio para caralho, me diz, eu sei porra que sou feio, me deixa aqui quieto, não tou nem olhando para as pernas da sua mina, bom já olhei, mas eu não digo nada não véio, eu fico assim de cabeça baixa no livro, os ouvidos atentos ao som que estouram meus miolos de tesão, sabe, saca, mano, essa necessidade de Megadeth, Trust, Rust in Peace, fico batendo o punho na mesa, e quando dou por mim estão alguns me olhando, mesmo a professora, Pablo, ela me diz, para com isto, tira estes fones dos ouvidos, presta atenção na aula. Obedeço a ela em meio a risada da galera, e procuro rir, mexo nos óculos ajeitando eles sobre meu nariz, é um tique, e desvio meus olhos vesgos para as coxas dela, tem coxas bonitas, mas a voz é irritante, Garoto, você estava fazendo um barulho batendo este punho na mesa, reclama o beiço franzido, peço desculpa baixinho, fico constrangido com as risadas de geral, e ela vai com a mão até o livro que estou lendo, franze os beiços, sorrindo?, fico tentando desvendar aquele rosto, mano, rosto diferente, mulher-esfinge, ela diz olhando a capa, Hum, você gosta de historias medievais. Gosto sim, digo meio inibido, rouco, e ela me devolve o livro dizendo que não é possível ler ouvindo musica, e antes que eu diga qualquer coisa, vira as costas e vai para lousa pedindo atenção de todos, mas fiquei tão confuso agora, vontade doida de ouvir Manowar, sabe, caia bem agora, e minha tosse irrita o carinha, O roqueiro espantalho vê se não fica fazendo seus barulhos estranhos ai. Fecho a cara para ele, mas não digo nada, e eu sou obrigado a sentir o cheiro do peido dele que enche a atmosfera, não, não, a atmosfera é a professora que está falando, a atmosfera, o que tem a atmosfera, eu não sei, acho que a atmosfera está cheia de ar cara, digo para Charles, sentado com ele lá à praça, sabe, as minas passando, elas não olham para mim, sabe, olham para ele, que é cabeludo quase loiro, assim alto, tem porte, mas somos parceiros, e se diz feio também, humildade de irmão amigo assim colega mano. A atmosfera é o ar, me diz ele do seu jeito assim não sei explicar, mas acho que as minas abaixam as calcinhas para ele se ele mandar, não digo isto, às vezes digo, tem que falar alguma coisa, gesticulo, sento no espaldar do banco, olho para meus tênis velhos, rotos, cadarços imundos, sou Trasher, sacudo os ombros, Sabe Charles não entendo este negocio de ar ser atmosfera, de Planeta ser Mundo, sabe, acho que Mundo é o que criamos, Planeta é o que vivemos, Pô cara você mandou bem, véio, me diz ele rindo.

Se sou um retardado, lerdo, nerd, sou mesmo. Assumido. Me masturbo umas três ou quatro vezes por dia, e fico na minha aqui em meu quarto, minha gruta, assim gosto de chamar, ouço meus CDs de Heavy, Thrash, Death, se ninguém me aborrece, não aborreço ninguém, e sei que quando o pai e a mãe chega, sabe, fico ouvindo em fones, de quando em vez leio estes livros, mas me dá sono véio. O professor de Literatura me emprestou uns livros, ficou amarradão por que eu curto ficção, um carinha meio assim veadinho, mas gente boa, não sou nenhum machão ativista, assim como os carinhas de academia, que me olham como um monstro, um defeito, mas o foda é que me deu vontade de rir vendo ele assim sabe, gesticulando, a mãozinha branca, dedos delicados como de moça, eu fiquei meio sem jeito, sabe, ele encostou aquela mão delicada no meu rosto, falando, Você é um garoto brilhante, um pouco diferente, hum, é roqueiro dos bons, e nisto ajeitei os óculos sobre o nariz, procurando rir, ficando um pouco desajeitado, sabe, me trouxe livros do Rei Arthur, sabe pirei nas historias, saca, este papo de espada, coisa assim, fico pensando eu na idade media, hem, ah, por isto um som do Bathory cai bem agora. Faz calor mesmo, mas tou indiferente, véio, sabe eu sou um cavalheiro medieval, elmo e armadura, em cima de um cavalo, andando pelos prados verdejantes, conquistando reinos, aldeias, aquecendo minha espada numa bainha confortável, e olho para meu membro em minhas mãos, duro, torto, tou excitado demais, sai mano, me deixa sozinho um instante...

Às vezes eu olho para ela, sabe ela fica assim com outras garotas bonitas como ela, mas eu não sei o que ela tem de diferente das outras, ela é morena, cabelos escuros muito lisos, uns olhinhos como que de peixes, pequenos, todo rostinho dela é pequeno, se chama Caroline, mas acho que ela nem me nota, sou apenas o cabeludo desgrenhado, de roupa preta e tênis encardido que passa de vez em quando perto dela. Não cara, ela nunca me olhou, acho que nem assim de viés como se faz sem querer ser percebido, nada, e sempre rindo, com suas amiguinhas, toda perfumadinha, arrumadinha, airosa, olhando para os rapazes que ela acha merecer olhares. Escolho sempre um canto, na hora do intervalo das aulas no pátio, onde eu possa ficar admirando ela sem que ela perceba que eu olhe para ela, sempre com meus fones nos ouvidos, Slayer porra, sim, sacudo a cabeça, toco a guitarra imaginária, ignorando os que passam por mim e me olham com censura, rindo, debochando, com certeza dizendo, olha o maluco roqueiro, e acho que ela deve achar isto de mim também, a Caroline, mas às vezes acho que ela não acha nada de mim, ela nem olha para mim, acho que ela nem me cheira nem me fede. Não sou nada para ela. Acho que ela sabe mais deste mastro sem bandeira da escola do que da minha existência. Se ela ao menos passasse e me olhasse assim como os outros com aquele ar de deboche e censura, mas nada, e dentro da sala de aula então, nem que o professor – aquele de Literatura, principalmente, pois se amarrou na minha – me chama lá à frente para ler em voz alta, e eu vou gaguejando, com vergonha, galerão olhando para minha cara rindo, o professor me encorajando a chamar a atenção dos que ri, mas eu percebo por entre minhas lentes grossas, desviando um pouco meus olhos vesgos, Caroline tem os olhos baixos, um sorriso indiferente, ela nem sequer desvia um pouco os olhos para me ver. Eu não existo, e li aquela pagina de Macunaíma, sem prestar atenção, sem entender nada, afinal li como sem ler, nervoso, com vergonha, ajeitando a blusa no corpo, constrangido com a risada de todos, e preocupado com a impressão em Caroline. Mas eu não existo para ela, embora eu transe com ela loucamente – assim sozinho em meu quarto, segurando meu membro – e acontece de tantas maneiras, mas... mano, me dá só um tempinho véio.

Não chorei não mano, não sou apegado a choro, sabe, antes rio de tudo, um riso bobo galopante, é o que diz Charles, e ele faz o jeito como eu rio, assim hahahahahaha, dá para sacar, acho que sim né, e andando assim meio sem jeito, com a mochila nas costas, toda rabiscada, Slayer, Anthrax, Megadeth, Iron Maiden, minhas obsessões véio, assim arrumei uns botons legais também enfiei na carne da mochila, sabe ela foi ficando assim cada vez mais parecida comigo, ando balançando esta corrente pregada na cintura, curvado, olhando para baixo, pelo corredor tumultuado da escola, as garotinhas perfumadas, os carinhas arrumadinhos, de brinquinho, calcinha apertadinha, cabelinhos moicanos, os fãs de hip hop fazendo cara de bad boy, o cosmos da escola, lá fora vai assim, vai assim, o Mundo é mundo não é Planeta. O professor de Literatura vem em minha direção, em seu andarzinho empinado, todo arrumadinho, camisa gola polo, gestos gentis demais, sorri para mim, segurando pastas, Meu garoto brilhante, está gostando da nossa Rapsódia brasileira, hem, o que me diz, pisca um olho, abaixo os olhos, fungo, sem graça, envergonhado, Meio complicado, confesso, É, bom, não é uma leitura agradável, vai me dizendo ele, como as historias da Távola Redonda, mas é preciso ler, meu pupilo, e aperta meu queixo, sentindo o cavanhaque crespo que vou cultivando ali no queixo, Você é um garoto ma-ra-vi-lho-so, eu acabei de ver seu boletim geral, você é ótimo aluno inclusive em Matemática. Ah, eu dou meu jeito, não sou nada brilhante, vou confessando humilde, mas ele sacode a cabeça num jeito que me faz rir, embora ele esteja sério, Não, não gracinha, você é um rapaz inteligente, e temos que reconhecer isto, tanto que já falei com os outros professores, e todos concordaram, você vai nos representar nas Olimpíadas de Matemática, e engoli em seco, Como?, mas, mas, o senhor tem certeza, eu vou fazer vergonha à escola, Vai nada bobinho, me diz ele colocando a mão desocupada sobre um dos meus ombros, Pare de ser tão modesto, e me olhando de cima abaixo dum jeito que bolei ainda disse, Você é um roqueiro da pesada hem, Sim, disto, eu gosto, professor, hem, não tem olimpíadas de guitarra imaginaria não, fui dizendo, e ele arregalou os olhos grandes, fez um muxoxo estranho rindo, Oras, guitarra imaginária, não, você vai nos representar muito bem, mesmo que não tire o primeiro lugar, embora eu tenha a certeza que tenha grade chance, foi dizendo grandemente entusiasmado, com as pastas debaixo do braço enquanto seguíamos pelo corredor, ao toque do sinal, lembrei a ele que ia a aula de Matemática, ele deu um suspirinho esquisito e me disse se virando sobre os calcanhares, Vai cabeludinho, e mais tarde nos falamos.

Fico pensando, pensando mesmo, não, eu me deito aqui de barriga para cima, sob estas hélices deste ventilador de teto, girando, girando, o som do Judas Priest, Caroline e seu desdém, antes desdém, nada, eu sou um poste, sabe, eu tentei, não, não tentei nada, foi um grande acidente, fiquei assim distraído mexendo no controle do meu ipad de cabeça baixa e andando e nos esbarramos, ela deu um grito de susto, nossos olhos se encontraram, aliás eu vi os dela, mas tão rápido, ela desviou assustada, fechando eles, rindo, eu pedi desculpas, mas ela saiu gargalhando, rindo, sem dizer nada, sem ao menos voltar o rosto sobre os ombros. Senti meus ombros pesados, o corpo mais pesado ainda e desengonçado, perdi meu jeito como se exposto, mas cheguei à conclusão que não havia acontecido nada, absolutamente nada, nem ninguém havia visto ou se viu nem havia percebido oque havia acontecido.

Penso em dizer ao meu pai que vou participar de uma olimpíadas de Matemática, afinal ele me diz que eu sou um bocó, que sou inútil e cabeçudo, minha mãe diz que eu tenho que melhorar o visual, arrumar uma namorada, hem, minha avó me olha com desprezo, O Rafael e o Ricardo são tão bonitinhos, diz ela. São meus primos, playboys, só curtem funk, pagode, sei lá, quando eles aparecem aqui em casa ai que me tranco mais ainda em meu quarto, não abro a porta por nada, por mais que minha mãe bata, me chamando, não, não, eles riem da minha cara, isto é de menos, cago para opinião deles, mas é que tenho nojos daqueles dois babacas que ficam falando num dialeto que eu não possa entender, embora eu pense, melhor não entende a porra que eles falam, e para eles eu dou meu dialeto silencial, eu disse ao professor de Literatura, Serginho, assim chamam ele, mas eu chamo de professor, Meu dialeto é silencial, por que ele havia me perguntado por que eu me recuso a falar, e eu disse baixinho, baixinho só para ele saber, mas ele fez disto um espetáculo, não soube onde enfiar minha cara com meus quatro olhos, bateu palmas, vibrou, Acaba de inventar um brilhante neologismo, quando eu digo que este menino é brilhante, ouço a risada da galera ao meio da voz e alegria esganiçada do professor ali à frente, batendo palmas, Repita, repita, em alto bom tom, Pablo, e encabulado, gaguejando, rindo ao mesmo tempo repito, e o professor dá um gritinho super baitola, que eu constrangido já nem sei mas se a galera rir de mim ou dele, e desvio meus olhos vesgos e atônitos para onde está sentada Caroline, mas lá está ela alheia a tudo que se relaciona a minha pessoa, mesmo que eu seja sempre um pateta, ela esta com olhos sobre um livro ou revista, suspirando, mastigando algum salgadinho de um pacote entre seus joelhos perfeitos nas coxas... bom, já nem me importo com a mão delicada do professor apertando meu queixo, Maravilhoso, genial, nosso representante nas olimpíadas de Matemática, e será que me atinge aqueles suspiros de indignação , risadas de incredulidade, não, eu queria apenas que Caroline virasse um pouco aquele rosto e me olhasse, mesmo que fosse para fazer uma careta debochada, um sinal feio com o dedo médio, que fosse, mas que ela me enxergasse, me percebesse, porra, mesmo sendo “piada” ainda sou um poste liso para ela, que foda, mano.

Me dá só um tempinho, agora, mano. Depois te falo mais.

Rodney Dos Santos Aragão
Enviado por Rodney Dos Santos Aragão em 01/07/2012
Código do texto: T3754963
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