Habitual

Naquele dia, ela estava na cafeteria, na mesma mesa do meio, como em todas as tardes, tomando seu chocolate quente e comendo seu cheese cake. Era sempre o mesmo ritual desde que começara a trabalhar no escritório de seu pai que ficava naquele quarteirão. Depois de baixar a caneca de seus lábios olhou distraidamente para uma mesa do canto direito e viu que um rapaz que também tomava uma caneca de chocolate quente com torta de chocolate sorriu para ela. Isso a deixou meio desnorteada, ela ainda olhou para os lados imaginando se ele havia sorrido para outra pessoa, mas se deu conta que o sorriso fora mesmo direcionado a ela. Meio sem graça com a atitude do estranho, sorriu timidamente de volta e olhou para seu cheese cake ainda pela metade, mas fortuitamente, depois de dois segundos olhou novamente para o rapaz e ele ainda sorrindo fez um gesto para a parte superior de seus lábios. Ela ficou confusa. O que ele queria lhe dizer? Ele então segurou um guardanapo de pano da mesa e levou aos próprios lábios sinalizando para ela. Ela enrubeceu, pegou rapidamente seu estojinho de maquilagem na bolsa, o abriu e ao conferir-se no espelhinho viu o bigodinho do chocolate quente em si mesma. Levou seu guardanapo ao lábios e em seguida acenou com a cabeça agradecendo ao estranho por ter-lhe avisado. Ele sorriu novamente e consentiu com a cabeça. Depois de pedir a conta e deixá-la paga, levantou-se, passou por sua mesa e se dirigiu para a saída. Ela acompanhou seu trajeto até vê-lo sumir.

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No dia seguinte, ela sentou-se na sua habitual mesa, com sua caneca de chocolate e seu cheese cake e lá estava o mesmo rapaz na mesa do canto direito. Ele a cumprimentou com um aceno e sorriu novamente. Ela, ainda ruborizando, respondeu da mesma forma e concentrou-se em seu lanche, agora atenta ao seu guardanapo. Quando ele passou por sua mesa, notou que depositou um papel dobrado sobre a mesma. Ela o abriu e o leu: "Oi, meu nome é Taylor. Prazer." Olhou de volta e ele já havia sumido.

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No outro dia, uma terça-feira, chegou ao mesmo local, mesma cadeira, mesma caneca de chocolate e cheese cake e...notou que a mesa no canto direito estava vazia. Ficou triste. Acostumara-se aquela presença, sentia falta dele. Comeu pensativa, tentando imaginar o motivo da ausência, curiosa sobre quem seria ele, se trabalharia por ali, se seria casado, noivo ou estaria namorando. Balançou a cabeça pelo absurdo de seus pensamentos. Há quanto tempo havia tido um superficial contato com Taylor? Dois dias e já estava fantasiando? Balançou a cabeça novamente, pegou uma fotografia de sua bolsa e olhou para seu namorado, o rapaz perfeito, mesmos gostos, mesmos amigos, mesma rotina, mesmos planos, mesmos ideais, mesmas afinidades. Sim, sobre ele ela sabia tudo, não era um estranho, era parte da sua vida. Balançou a cabeça acertivamente, convencendo-se e continuou seu lanche.

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Taylor não tornaria a aparecer pelas próximas duas semanas, até que numa tarde de primavera, ela entrou na cafeteria repetindo todo o seu ritual e lá estava ele, na mesa do canto direito, com sua caneca de chocolate e sua torta também de chocolate. Seu coração palpitou mais forte e um sorriso lhe escapou aos lábios. Uma sensação boa de felicidade e alívio, mas logo racionalizou essas reações que lhe tomaram momentâneamente e reprimiu tais efeitos sobre si mesma. Todavia, não se conteve em segurar seu olhar por muito tempo e logo viu Taylor lhe sorrindo, como sempre o fazia desde a primeira vez. Na saída o rapaz, ao passar por sua mesa, lhe deixou um outro bilhete dobrado. Ela o abriu com algum nervosismo e alguma ansiedade mal disfarçada e leu: "Desculpe a ausência. Senti saudades." Procurou-o mais uma vez, mas ele já havia deixado a cafeteria.

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Durante 12 meses essa situação se tornou habitual como sua mesa, como sua caneca de chocolate e como seu cheese cake. Taylor lhe sorria e lhe deixava bilhetes com frases curtas. Ela se sentia feliz com aquilo, embora não pudesse explicar o motivo e em sua racionalidade de mulher moderna achasse tudo aquilo uma bobagem sem precedente. Seu namoro continuava firme. Sua família adorava seu namorado, estavam fazendo planos de oficializar a relação, afinal, se gostavam, conviviam de verdade, já passavam quase todas as noites juntos e era isso que importava. Não era? E Taylor, ainda sumia de vez em quando nas terças-feiras e por duas semanas consecutivas todos os meses. Sabe-se lá quem ele seria...e nada modificaria sua vida tão habitual.

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Naquela tarde de inverno porém, quando chegou a cafeteria e sentou-se em seu lugar de praxe com sua caneca de chocolate e seu cheese cake, viu que Taylor não estava sozinho, uma moça falava-lhe e segurava suas mãos, os dois pareciam emocionados com o assunto da conversa que ela não conseguia ouvir dada a distância de sua mesa. Depois de gesticularem muito e o casal saíu junto, no entanto, o rapaz ainda parou na porta antes de sair e lhe lançou um sorriso diferente, aberto, feliz, brilhante, intenso e foi impossível a ela ser indiferente a esse gesto que lhe trouxe lágrimas aos olhos, sem que encontrasse mais uma vez uma explicação coerente para aquilo. Após esse dia, não viu mais Taylor. Dias, semanas e dois meses certos se passaram e ele não mais retornou. Ela pensava em mudar de cafeteria, sentia-se triste todas as vezes que sentava-se ali para seu lanche habitual e encontrava a mesa do canto direito vazia. Era como se o vazio da mesa invadisse seu interior e habitasse também seu coração. Desde que Taylor sumira, a solidão pareceu fazer moradia entre seus sentimentos. Não sabia o motivo, apenas sentia.

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Naquela tarde de início de outono decidira despedir-se da cafeteria, seria a última vez que lancharia ali. Quando sentou-se em sua mesa costumeira para cumprir com seu ritual, uma moça parou a frente de sua mesa. Ela olhou e a reconheceu, era a mesma moça que vira com Taylor no último dia em que o vira. A moça lhe pediu licença para sentar, disse-lhe que não tomaria muito seu tempo mas que estava ali para lhe entregar uma carta de seu falecido irmão. Havia sido um de seus últimos desejos. Ela arregalou os olhos e ficou assustada, mas pegou a carta com as mãos trêmulas, abriu o envelope e começou a ler aquelas letras irregulares:

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"Oi. Você sabe meu nome e eu nunca soube o seu. Bem, você deve estar me achando um louco por estar lhe escrevendo, mas depois de tantos meses observando-a de longe, eu queria lhe dizer que entrar na cafeteria todos os dias e lhe esperar chegar foi o que me manteve firme nas sessões de hemodiálise, foi o que me deu esperanças de achar um doador compatível e voltar a ter uma vida normal. E hoje eis que minha irmã me disse na cafeteria que haviam encontrado um doador. Estou indo para a sala de cirurgia daqui há alguns minutos e se tudo der certo, no nosso próximo encontro vou lhe pagar uma torta de chocolate para você variar o paladar e se você me deixar, irei provar de seu cheese cake para entender porque você gosta tanto dele. Até nosso próximo encontro, à tarde, na nossa cafeteria. Taylor".

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A irmã de Taylor, lhe disse que o irmão tivera uma parada cardíaca na mesa de operação e que os médicos não conseguiram reanimá-lo. Depois de enxugar algumas lágrimas, a irmã de Taylor despediu-se e deixou a cafeteria. Ela ficou ali, segurando a carta, incrédula, triste. Chamou o garçom e solicitou a troca de seu pedido. Minutos depois lhe colocaram um prato com uma fatia de cheese cake e uma fatia de torta de chocolate juntas. Ela olhou para a mesa vazia no canto direito mais uma vez e começou a comer seu lanche, uma garfada de cada torta, alternadamente, com lágrimas descendo-lhe o rosto. Então, ela pegou um pedaço de papel de seu bloquinho de anotações e escreveu: "Oi Taylor. Meu nome é Anna. Prazer."