NUM MUNDO SEM PLANETA II

Pois é véio, não fiz muito feio lá não, lá pow, nas olimpíadas de Matemática. Tirei o terceiro lugar, para o professor de Literatura eu fui um gênio, fiquei com minha bochecha marcada de ele apertar, caramba, mas sou assim de aguentar calado, sabe, fico logo imaginando aquela viagem sensacional, mesmo sem os fones nos ouvidos parecia tá ouvindo Dream Theater, sabe que na hora das provas lá me deu Dream Theater na cabeça, mano, pirei sabe qual é, pensei no professor, tão entusiasmado comigo, não podia decepcionar ele. Ganhei livros, um pequeno premio em dinheiro, usei comprando CDs, e juntei com um qualquer que meu pai me deu comprei uma outra camisa de banda, podia ter comprado do Dream Theater, pow, me deu sorte né, mas saca, curto muito Thrash, tou aqui com um blusão preto do Obituary, World Demise, da capa deste CD. O professor não para de me elogiar, estou tão constrangido, sabe, me chamou lá na sala dos professores, aquele bando de intelectual tudo me olhando, Olha o nosso geniozinho aqui, dizia o professor Serginho, Ele não é bonitinho, Francismar, disse para a professora de Biologia, que vergonha nem olhei para cara da coroa, e eu estava sentindo minhas axilas, meus sovacos fedendo, acho que o desodorante venceu, transpirei nervoso, esbarrei assim desconsertado numa mesa, me encolhi, suspendi a calça jeans que estava meio frouxa, o cinto mau apertado, a corrente sei que chama a atenção, mas sabem que sou roqueiro, ficaram me olhando, me deram parabéns, mas Serginho me ofereceu cappuccino, e aceitei, assim de pé, e ele, Senta menino, relaxa, olha Francis como este menino é roqueiro dos brabos, e acho que ela me olhava sim, mas devia estar pensando, que garoto feio, zarolho, de óculos, cabeludo e desgrenhado, mal vestido, com camisa de monstro, comecei a rir imaginando, a xicara fumegante, coisa enjoada beber em xicara, mas sentei, olhei para os meus próprios tênis encardidos, os professores numa conversa animada, mas queria zarpar dali, só que o professor de Literatura ficou assim sentado no braço do sofá ao meu lado, num jeito de falar suspirando, perfume de mulher que ele tem, cara esquisito, mas é legal, sacudi os ombros, o cara é professor, me deu maior moral, e ainda tá me dando moral. Me deu um livro na aula de Literatura, anunciou a todos minha boa colocação no concurso, novamente fiquei assim encabulado, pigarreando, me entregou um livro em mãos, Histórias extraordinárias, Poe, Vai adorar, metaleiro, ouvi risada geral, não gosto deste titulo metaleiro, é headbanger, mas como é o professor maneiro, passa, também não falo nada, olho de viés e Caroline esta com a mão esquerda apoiando o queixo, olhando para direção da porta, toda bonitinha, continua nem me percebendo, todos riem da minha cara, mesmo eu faça sucesso, jogam bolinhas de papel em cima de mim, me chamam de fedorento, cabelo de cachorro poodle, mas ela nem lé nem cré, porra, melhor olhar a capa do meu livro, mas tarde cheirei o livro, tinha o cheiro do perfume do professor baitola, não, não quero falar assim dele, vai ver o cara nem é baitola, e vou ligando o som Nuclear Assault, porradeiro quase crossover, Charles que falou isto, o loirinho, tá namorando, faculdade agora, é três anos mais velho que eu, eu sou muito pirralho, e muito feio, tenho espinhas, Charles tem rosto liso, Thiago, curte Thrash, somos amigos, mas ele me chama de fedelho, diz que bom era eu ser amigo de Renato, o irmão gay do Charles, cuspo para cima, porra veio na minha cara, na lente dos meus óculos, porradeiro, Nuclear Assault, O Charles tem um primo-irmão gay, adotivo, me disse, mas nunca vi este não, ainda não, sei lá, veado, nerd, roqueiro, ateu, só falta encontrar um judeu, todos no ciclo dos mal quistos, os “normais” e badalados não querem se juntar com doidos desta linhagem, hem, mas tem veado que se dá bem, roqueiro também, ateu não sei, eu ainda não sei se sou ateu, poxa eu podia jurar que o Ozzy comia morcego, mas Charles falou que isto é balela, usou outra palavra lá, disse que nunca rolou esta parada de comer morcego, de onde tiraram está porra então?, só tem maluco, se eu peido aqui só poluo minha atmosfera, tou isoladão aqui dentro do quarto, tá calor, tou com medo de ir lá fora, sabe, não sei me defender muito bem, os carinhas ficam mexendo comigo, maluco, maluco, tu é maluco ou veado, cabeludo?, Não respondo nada, fecho minha cara para eles, cruzo meus braços, ou levo minhas mãos aos bolsos, mas alguns vem atrás de mim, com intenção de me assustar, sabe, eu assusto também, mas nem sempre, teve uma velhinha que me pediu para atravessar ela na rua, e deixei que ela segurasse meu braço, ela me agradeceu, me chamou de netinho, fiquei rindo assim hahahahahahaha, Tu é veado, tu é veado, eles gritam, eu finjo que não é comigo, não me meto com ninguém sabe, entro no bar armazém do seu Antônio, esfregando o nariz, enfio uma mão no bolso e tiro a cédula amassada, Seu Tonho, me dá uma coca ai, gelada valeu, e ele me ri sob o bigode branco, debruçado no balcão, Não vou te vender uma coca quente, bem quente, arregalo meus olhos, afasto os cabelos do rosto, hahahahahaha, ele me imita, tudo bem, saio assim no meu passo desconsertado, ajeitando os fones nos ouvidos, com a garrafa pet gelada debaixo de um dos braços, evitando passar junto dos mesmos folgados, nem olho para cara desta gente, mas nem vejo a pedra, sinto ela, topo e quase caio, deixo a garrafa pet a rolar pelo chão, fico olhando com o olhar perdido, ela cai aos pés de um par de sandalinhas, as unhas pintadinhas de branco com enfeitezinhos , fui subindo o olhar, sinto meus óculos caindo, tento os ajeitar, mas sinto a bermuda muito frouxa, arriando, seguro ao mesmo tempo o cinto, Oi, digo como asfixiado, meu rosto ardendo, e ela que esta segurando minha garrafa de coca cola, É sua, me pergunta, aproximando-se, meus olhos cai bem no decote da blusinha jeans dela, me dá uns tiques, gaguejo, digo que é sim, será que ela percebeu que eu tremi quando peguei a garrafa da mão dela, pow vejo ela fugindo, não, não e fugindo cara, é indo embora, o rastro do perfume, aquele sorriso escapou, escapou, mas foi para mim, foi para mim, eu agradeci?, sim agradeci, tremendo, ah, estou sentindo uma pressão no meio das pernas, sigo andando, olhando para trás o tempo todo, a garrafa debaixo do braço, os fones nos ouvidos, mas abraço um poste atônito, escuto gargalhadas de quem passa e ver, Meu Deus, que retardado, diz um cara para sua namorada, e a garota rir com ele, um velho sacudindo os braços faz um gesto de enfado e censura, e eu continuo perdido, abraçado ao poste, e meio confuso, constrangido, tento tomar meu aprumo, vontade de correr, fugir de todo mundo, deixa pra lá, já passou, tou de volta no meu quarto, bebendo coca cola gelada, comendo um pão com mortadela, ouvindo Metallica, And justice for all, blackned, para começar, é o começo, vou aliviando, mastigando, Caroline, minha testosterona, não tem ninguém em casa, estou sozinho, sozinho, vou tirar está aflição, e jogo o resto do pão sem mortadela no chão...

Eu gosto quando chove cara, não precisa ir para escola, sabe, fico aqui, aqui, ouvindo Thrash, mexo na internet, é que o computador fica na sala, mexo só quando estou sozinho, meu pai não permite que eu tenha internet só para mim, já basta que tenha som no quarto, Playstation para jogar no quarto, na televisão junto do som, alguns livros numa prateleira em cima, o livro do Poe esta em cima da cama desforrada, algumas blusas pretas jogadas por ali também, tá chovendo, amanheceu assim, fingi que fui à aula, mas não vou ver Caroline, e dai?, ela nem sabe mesmo de mim, mas pegou a garrafa de coca cola que eu deixei cair pelo asfalto quente. Conversei com Charles pelo MSN, também com outros malucos, queria falar sobre a garota, sabe, a Caroline, ih, a Caroline, o Charles deve conhecer ela, ela deve ser amiga da irmã do Danilo, a Ducha, é Ducha mesmo o nome daquela garota de cabeção?, que toca piano, tem uma voz esganiçada, hahahahahaha, Ducha, o irmão não devia ser Danilo, devia ser Chuveiro. Aquele cabeludo é playboy puro, cabelinho com franjinha arrumada, óculos escuros, todo poser, foi Thiago que me disse, aquele dia na casa dele, eu estava lá, mas a Dona Suely, mãe dele apareceu, achei melhor sair fora, sei que ela diz, Você não melhora essas suas amizades, é que minha mãe diz a mesma coisa, Pablo, você não melhora essas suas amizades.

Ainda bem que chove, mas sinto falta de alguma coisa, tou sentindo meu saco dentro da cueca, assim na minha mão, tou sozinho, ninguém me ver, o som do Metallica ainda rola, agora é Ride the ligthing , overdose do melhor do Metallica, depois, Black Sabbath, saudade, de um pouco do Sabbath, pensou que eu ia dizer de Caroline?, não, não, minha mão me consola, sinto meu pênis ereto na minha mão, ah, vou fechar os olhos e pensar nela... Humpf, só para isto, só para isto, pérai... Vé...i...

Vou aprender tocar guitarra, saca, parar de tocar guitarra imaginaria, mas é tão bom ficar imaginando que se está tocando a guitarra daquele som que estamos ouvindo, tipo Dave Mustaine, hem, Dave Murray, Kerry King, só os grandes, mas eu não consegui falar nada para ela, ela me entregando a garrafa pet de coca cola gelada. Perguntei para o Charles, em dia estiado, final de tarde, sentados lá a praça, chegou Thiago, juntando-se, Vamos ficar de bobeira numa sexta feira?, dei de ombros, mexi nos aros dos meus óculos, mas queria saber pelo Charles, hem, você conhece a Caroline?, Caroline, Caroline, foi ele coçando a barbicha ruiva dele, a minha é crespa, Caroline, aquela ali de patins, apontou Thiago pulando para cima do espaldar do banco de pedra, e senti meu coração batendo, mano, porra, acho que fiquei pálido, embaçado, sem cor, não é que ela passou por nós de patins, e olhou apenas para Charles, que cumprimentou ela, Você quer conhecer ela mano, quis saber Charles, eu disse, não, não, ela é lá da escola, do ultimo ano como eu, eu já conheço ela, mas ela não me conhece, Deu para perceber, gritou Thiago numa gargalhada, levantando-se num pulo, Eu vou dar um rolé, vocês vão ficar ai, Charles disse que tinha que ver a namorada, eu queria saber se...se o que, nada, melhor voltar para o meu quarto, as mãos enfiadas nos bolsos da bermuda, evitando aqueles encarar assim, credo que visual terrível, não sou mesmo nada bonito, sou Thrash hem, podia tomar uma cerveja com Thiago, mas, depois, depois, aonde vai se tomar cerveja nesta cidade ouvindo heavy metal, aonde? É melhor ficar no meu quarto, meu pai coloca cerveja na geladeira, eu pego algumas escondidas, mas ele já no sofá da sala, ao lado da mãe, me encara sério, eu passo como que assobiando, desconfiado, ele confere as contas, Pablo vem cá, aproximo desconfiado, sei que ele vai vir com sermão, então, já sei, sou um bocó, lerdo, mas olhe minhas notas pai, tiro notas boas, ele não quer saber disto, eu só tenho dezessete anos, pai, só dezessete anos, mas com sua idade eu já trabalhava, me diz ele sempre, com menos que sua idade eu já tinha namorada, com dezessete anos eu trabalhava os dias de semana e nos finais de semana eu ia para a balada, e a mãe vai sorrindo, concordando calada, eu escuto tudo de cabeça baixa, cismando com os meus tênis, preciso de um banho, masturbação, depois lanchar, jogar vídeo game, ouvir Slayer e Metallica, quero só isto, eu não vou arrumar emprego pai, mas não digo, eu não vou arrumar namorada, mãe, mas não digo. Eu podia ter falado com o Thiago, cara, vamos juntos tomar uma gelada, eu tenho cinco reais aqui no bolso, mas ele ia rir né. Sobrou do CD que comprei, quero ficar no meu quarto ouvindo musica. Eu não sirvo para trabalho, será que sirvo, sabe por que véi, eu passo assim em frente às lojas, olho as caras dos vendedores e balconistas, porra me dá um sofrimento, é tudo uma desgraça, será que vou me formar para isto?, será para isto que estou pelejando tanto para aprender Geometria, Regra de três, Sintaxe, Morfologia? Porra, desculpa, mas ficar atrás de um balcão nunca mais vou poder lembrar de como foi bom ler Macunaíma, professor, vou dizer a ele isto, embora eu não entendi muita coisa, mas vai sendo legal, vou perguntar a ele, ao professor, talvez ele diga para eu ser professor, será? Eu sirvo para alguma coisa, eu quero aprender tocar guitarra, bateria, eu quero ter uma banda de rock, e nem vou precisar me lembrar de Caroline, que Caroline, vou ter muitas garotas a fim de mim, vou ser um guitarrista de uma banda Thrash. Oh, seu bocó, você tá me ouvindo?, eu tou falando com você, fecha está boca, diz meu pai, dando dois piparotes na minha testa com os nós dos dedos em figa, Some da minha frente, vai, seu inútil, e desapareço, vou para o banheiro, debaixo da ducha morna, bom, sabonete, então... Caroline, Caroline, e quando saio do banheiro a fumaça enche toda a atmosfera, e logo ouço meu pai esbravejar, Para gastar agua e energia ele é uma beleza, e aceito o prato que minha mãe me estende, como calado à mesa, junto com os dois, e os olhares dele um para o outro e de quem se pergunta “o que vamos fazer com esta coisa?”, e esta coisa sou eu. Coisa mesmo, Coisa, fico no meu canto, mas o professor de Literatura quer logo que eu venha para frente ler um poema do Concretismo, Ferreira Gullar, e todos ficam rindo, me vendo ali na frente, Ai, ai, que motivo de risada, eu não tou vendo, reclama o professor no seu jeitinho delicado e afetado, e prossigo, gaguejando, sem olhar para ninguém, percebo que Caroline sai da sala, e o professor suspira enfadado, Está bom, Pablo, e vou voltar para o meu lugar com vergonha dos olhos dos colegas, mas ele diz, Não, senhor fica aqui, ler para turma o poema concreto que você escreveu, e ouço as risadas, não, fala serio, este imbecil. Calem-se, grita o professor, e quando ver Caroline entrando, Pode voltar mocinha, saiu sem me avisar, agora só entra no final da aula, todos suspiram alto, olho com pena para ela, mas ela vira mesmo a cara arrogante, de pouco caso, sumindo de cena, sacudo os ombros, obedeço o que manda o professor, tá bom, está aqui meu poema, e bobagem gente, sacudo o papel amassado nas mãos, meu rosto tá ardendo, todos estão rindo, eu vou ler, é uma bobagem, não sou poeta, professor, não sirvo para nada, mas quero ter uma banda, eu curto muito Rock, o bom é que Caroline não vai rir de mim, também, ela não iria rir mesmo, iria virar a cara, procurar uma revista ou um catalogo de lingerie para ficar folheando, e o poste aqui falando bobagem, exposto, motivo de piada para todos, hahahahaha. Estamos esperando, Pablo, anda, meu geniozinho, a voz do professor, tá bom, mas um frio na barriga, vou peidar calado, mas a atmosfera vai feder. Caroline não tá aqui mesmo, e se eu não disser que sou eu ninguém vai saber.

Rodney Dos Santos Aragão
Enviado por Rodney Dos Santos Aragão em 05/07/2012
Código do texto: T3762037
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