Flores

---- Vamos?

---- Melhor não, não quero me molhar...

---- Só um pouquinho... É rapidinho, ela nem vai ver...

---- Você sabe que a gente não aguenta ficar só um pouquinho...

---- Só um...

---- Tá bom...

Era um beijo, mas, parecia muito mais uma longa conversa telepática, sobre um futuro tão empolgante que fazia o planeta girar completamente desapercebido em torno do jovem casal. Um diálogo em que as bocas se moviam sem produzir nenhum som, o ar e os sonhos compartilhados em um redemoinho de êxtase caloroso e envolvente, mas, que infelizmente sempre terminava com um belo banho de água gelada na cabeça do casal, que perdido em seu devaneio romântico, sempre esquecia de fugir antes da senhora Gertrudes aparecer:

---- Seus safados sem vergonha! Saiam daqui!! - Grita Dona Gertrudes, jogando um balde de água pela decima vez no dia. - Por que não vão fazer essa porcaria na casa dos pais de vocês???

---- Corre! É a velha louca!!!

---- Eu falei que a gente não ia aguentar!

---- Mas foi bom não foi?

Enquanto o jovem casal encharcado corre como o tempo, dona Gertrudes arranca novamente aquelas flores que insistem em brotar em sua calçada. Flores amarelas, vermelhas e azuis, que cresciam fazendo o contorno de uma pessoa, deixando um local vazio em seu centro, local este, em que os jovens insistiam em trocar carícias, mesmo que isto significasse tomar uma banho gelado a força e correr desesperadamente.

---- Posso ajudá-la? - Perguntou um senhor que passava pela rua, e não pode deixar de prestar atenção no que acabara de ocorrer.

---- Sabe como exterminar flores?

---- Receio que não.

---- Então não pode me ajudar! Aliás, ninguém pode me ajudar! Vá embora você também!

---- Mas posso tentar? Não posso?

---- Qual parte de vá embora você não conseguiu entender? - Perguntou enquanto esmigalhava as flores entre os dedos...

---- Desculpe, mas, é que estou curioso... O que te deixou tão furiosa com essas flores?

---- Não te interessa! Cuide da tua vida!

---- Por que você não joga mais cimento por cima?

---- Já cimentei tudo mais de cinco vezes, elas furam e crescem de novo! Desgraçadas!

---- Já tentou veneno?

---- Todos os tipos, elas bebem e ficam mais coloridas! Flores malditas!

---- Já pensou em comprar uma cabra?

---- Uma cabra? - Dona Gertrudes sorriu. De um momento para o outro percebeu que estava gostando de conversar com aquele senhor, não conversava com ninguém há mais de um ano, precisamente desde que aquelas estranhas flores começaram a crescer – É uma boa ideia! Vou é comprar um bode bem brabo pra acabar com essa sem-vergonhice dessa molecada!

---- Se é pra essa juventude de hoje, melhor seria um touro bravo!

---- Será que é muito caro?

---- Não sei...

---- Olha essas flores malditas já estão crescendo outra vez!

---- Realmente! Como é possível que elas cresçam assim tão rápido?

---- Eu não sei – Gertrudes agora parecia segurar o choro, misto de raiva e tristeza que por tanto tempo direcionou ao jovens da cidade – Começou quando aquele demônio morreu!

---- Demônio?

---- Era um rapaz! Passava todos os dias na frente da minha casa. Quando ele aparecia no topo da rua eu já me recolhia e trancava a porta.

---- Mas por que?

---- Ele sempre falava comigo!

---- Não estou entendendo.

---- Ele era um daqueles motoqueiros com pacto com o tinhoso!

---- Aqueles com roupas pretas e caveiras?

---- Isso! E vinha falar comigo como se eu não soubesse o tipo de gente que ele era!

---- E que tipo ele era?

---- Sempre bêbado! Sempre drogado! Na farra com vagabundas!

---- Mas você viu isso?

---- Não preciso ver! Eu sei que ele não prestava!

---- Ta bom... Mas o que aconteceu?

---- Um dia, eu estava olhando na janela, e ele caiu morto bem aqui!

---- Aqui?

---- É! Aqui! Bem aqui! Olhe as florzinhas brotando e vai ver que elas desenham o corpo do maldito!

---- Impressionante! Ele era alto.

---- Eu morria de medo dele!

---- Mas ele te ameaçou?

---- Não, não... Nunca deixei ele chegar perto... O que ele estava pensando se queria falar comigo?

---- Então! Ele morreu aqui? Morreu de que?

---- Não sei. A polícia não falou nada. Só levaram ele embora.

---- E depois?

---- No outro dia essas flores tinham crescido e tomado toda a minha grama!

---- E então?

---- Eu arranquei! Olhava para as flores e lembrava daquele filho do Diabo morrendo no meu jardim! Quanto mais eu arrancava, mais elas cresciam... Depois acimentei, e acimentei de novo... Depois esses casaizinhos da escola lá em cima começaram a vir se beijar aqui... É uma falta de educação! Uma falta de vergonha na cara vir fazer isso na frente da minha casa!

---- Já se perguntou por que eles escolheram esse lugar?

---- Por que são uns sem vergonhas desgraçados!!

---- Não! Veja por outro lado! Eles são jovens, a cidade é imensa, eles poderiam namorar em qualquer lugar, sem precisar tomar um banho... Por que eles vem aqui?

---- Eu não sei... Deve ser culpa dessas malditas flores!

---- Posso fazer um teste?

---- Que teste?

---- Com licença – falou o senhor entrando no circulo de flores, juntando-se com Dona Gertrudes.

---- O que está fazendo?

---- Tento descobrir o motivo dos casais...

---- Descobriu? - Gertrudes parecia um pouco tímida, talvez por ter descoberto o motivo naquele exato momento.

---- Sim... Você é linda, queria que não estivesse tão nervosa.

---- Não estou mais... Será que teria problema se a gente...

---- Problema nenhum... Acho que ninguém vai jogar água na gente...

Era um beijo, mas, parecia mais com um grito de liberdade devastador, um momento em que todos os pudores e preconceitos são violentamente despedaçados ao mesmo tempo. Era um beijo entre dois desconhecidos, que jamais se beijariam daquela maneira, nem mesmo sobre a proteção da escuridão e de quatro paredes, mas, que agora acontecia em plena luz do dia, por um casal que não tinha medo da água gelada, e que foi observado atentamente por jovens casais de estudantes, que desde o dia em que descobriram a magia daquele pequeno circulo de flores, levavam em seus peitos o calor dos amores inexplicáveis, e em suas mochilas algumas toalhas e um punhado de roupas secas.

=NuNuNO==

(Que não faz a menor ideia do por que escreveu isto, nem adianta perguntar...)

NuNuNO Griesbach
Enviado por NuNuNO Griesbach em 11/08/2012
Reeditado em 11/08/2012
Código do texto: T3824668
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